Destaque no mercado de telecomunicações há alguns anos, a cearense Brisanet deixou de ser um caso curioso de uma empresa de tecnologia fundada no interior do Ceará, onde mal existe sinal de celular, para um exemplo de sucesso em expansão e visão de negócio. Na última semana, a companhia deu o salto que planejava desde 2018 ao arrematar três blocos do leilão de 5G, desembolsando R$ 1,466 bilhão para atuar com a tecnologia no Nordeste e no Centro-Oeste, e mira um futuro de crescimento sem igual no País ao ancorar o progresso na parceria com pequenos provedores e nas pequenas cidades nordestinas.
Um dia após o lance que chamou atenção de todo o País, José Roberto Nogueira, CEO da Brisanet, conversou com o O POVO. O executivo assegurou que o investimento de mais de R$ 1 bilhão foi precisamente calculado, contou dos planos de chegada no Centro-Oeste, da possibilidade de captar mais recursos via emissão de ações ou debêntures desde que o controle da empresa continue dele e projetou o 5G como a política pública de universalização do acesso à internet pela população de baixa renda.
O POVO - Observamos no início da tarde da última quinta-feira, após o lance de R$ 1,2 bilhão pela Brisanet pelo bloco Nordeste, que gerou mais de 13 mil % de ágio, uma oscilação das ações da empresa na bolsa de valores. Que leitura o senhor faz dessa reação do mercado para a ação da empresa? Como foi calculado esse valor?
José Roberto Nogueira – No dia 4 de novembro de 2018, a Brisanet já estava na Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) para reunião sobre 5G. Foram anos com dezenas e dezenas de visitas, participando de consultas públicas, e se não tivesse essa atuação da Brisanet provavelmente não existiria os blocos regionais.
O ágio não veio para colocar dinheiro na mesa. Esse valor bem expressivo é para construir as 1.148 localidades, mas lá em 2023. O compromisso é em 2030. Da forma como a Brisanet constrói rápido e estamos avançando, antes de chegar 2030, vamos conseguir isso de forma natural.
Então, o mercado não entendeu. Teve operadora que teve a oportunidade de colocar 3 mil % de ágio, mas no fim, não colocou e correu o risco de perder a frequência por não entender a lógica do edital ou não entender bem a sua região.
Nós mapeamos o local de cada site já. O investimento não altera nosso Capex projetado. Essa foi a estratégia da Brisanet, que viu as compras de forma mais assertiva e que ninguém fez nada parecido. O que precisava comprar, comprou sem ninguém disputar, sem precisar colocar um valor acima do que já estava. Do jeito que propomos, os blocos que queríamos e ainda com a vantagem de não ter a venda do quarto bloco nacional para o operador de rede neutra (que aluga a frequência ou os equipamentos instalados naquela frequência para as operadoras que prestam serviço direto ao consumidor).
Sem operador de rede neutra, agora, estão as três grandes operadoras (Claro, TIM e Vivo) e a Brisanet nessas regiões. Vai ter um operador de rede neutra porque a própria Brisanet pode atuar assim com o nosso modelo de franquia. Nosso projeto, só no Nordeste, agrega uns 100 pequenos provedores. O projeto Nordeste é de que mais de 500 façam parte da Brisanet até o fim de 2023. Isso é transferência de tecnologia.
Agora, olha o cenário: quem não comprou a frequência vai precisar redesenhar o modelo de negócio. O futuro é fibra ótica mais 5G. Essas duas estruturas é que vão fazer a logística de entrega de todos os serviços de tecnologia. A Brisanet precisava se perpetuar, então, fomos com tudo para cima do 5G. A nossa expectativa é de que centenas e centenas de pequenos provedores de internet nos procurem para fazer parte desse bloco. Quem quiser se perpetuar vai estar junto com a Brisanet.
OP - Como vai se dar a entrada na telefonia móvel? A partir de quando? Começa por quais locais?
José Roberto - Só em julho de 2022 é que poderemos habilitar Fortaleza e as demais capitais. As cidades pequenas só a partir de julho de 2023. Agora, o nosso compromisso no leilão é de 2026, 2027, 2028 e 2029. O valor de R$ 1,236 é para 2030. Esse compromisso está diluído ao longo dos anos e vamos até fazer antes porque vamos começar nas cidades grandes no próximo ano, mas sem uma construção tão grande.
No mercado hoje, os celulares habilitados para falar 5G é menos de 1%. Acreditamos que em julho de 2022, esses smartphones estarão na ordem de R$ 1,2 mil. Em julho de 2023, todos os celulares de R$ 700 a R$ 800, das classes C, D e E, estarão habilitados com 5G.
Então, o grande movimento do 5G será entre 2023 e 2024. Se a gente não quisesse investir praticamente nada, ficaria parado até 2026.
Não vamos dizer ainda quais as cidades, mas em julho de 2022 vamos começar. Estamos buscando conhecer melhor os limites da tecnologia. Nenhum fabricante, ainda, conhece bem isso. Nós fazemos muitos testes de 5G, tanto com 2,3 quanto 3,5, e estamos seguindo o que desenhamos conforme os testes de abrangência do que realmente o equipamento faz.
OP – E no Centro-Oeste, no bloco que custou R$ 105 milhões, como a Brisanet planeja entrar? Investida própria ou franquia? Iniciar pelo interior?
José Roberto – No plano de expansão de fibra ótica, em 2022, a gente conclui a implementação do Nordeste e vamos avançar para o Centro-Oeste. Em paralelo, vamos fazer o 5G. Não na mesma velocidade do Nordeste, mas similar ao do Nordeste.
Pode ser com franquia. Nós ainda não estamos colocando o modelo, mas deve ser similar ao que fazemos no Nordeste. Nós vamos buscar as melhores parcerias. É isso que vejo o Brasil ganhar, porque a Brisanet chama os pequenos para fazer parcerias duradouras. Assim, a gente desenvolve cada região.
OP – Qual o planejamento para o 4G a partir da frequência de 2,3 GHZ arrematada por R$ 111 milhões? Como se dará a atuação da empresa nessa frequência?
José Roberto – É para o Nordeste, mas não é só 4G. A frequência de 2,3 GHz é ideal para operar 4G ou 5G. A vantagem é que o investimento não é tão alto. Porque só com 3,5 GHZ é preciso um adensamento de torres muito maior. Com o 2,3 GHZ é menor para a cobertura indoor.
OP – A Brisanet se preparou para o 5G abrindo capital na bolsa de valores, realizando operações em debêntures... Essa forma de captação ainda está no radar da empresa vide os investimentos robustos que precisa fazer?
José Roberto – Nós fizemos captação de debêntures principalmente em 2021. Estamos listados na B3 e quando for necessário novas captações podemos estar acessando tanto debêntures como colocar mais ações no mercado.
A nossa preferência sempre vai ser não diluir. Hoje são 21,5% da Brisanet diluídos. É uma empresa familiar que sempre pretende ter o controle bem acima da margem já diluída. Mas, no futuro, sempre vamos estar avaliando a captação de recursos para os investimentos a serem realizados.
OP – Para os próximos anos, como é desenhado o investimento?
José Roberto – O nosso investimento ano a ano é sempre maior do que o ano anterior. Tivemos um crescimento acelerado e vamos continuar. Chamamos essa década, entre 2017 a 2027, de a década da infraestrutura. Ou seja, serão os dez anos de maior construção de infraestrutura, que começou com a fibra ótica e passa agora com o 5G.
Daí em diante, serão serviços. Quando chegarmos a 2030, ninguém vai estar falando de leilão, de rede nova construída, mas de serviços novos que vão estar surgindo e operando em cima dessas redes de infraestrutura. Quem não construiu direito suas redes vai ter que refazer, o que não é o caso da Brisanet. O cenário está muito favorável para Brisanet. Já era e agora ficou melhor.
OP – E como avalia a competição nesse cenário, especialmente, com as grandes operadoras?
José Roberto – O Brasil precisa de todas as operadoras. A Brisanet vai ser uma das grandes empresas do País e esse mercado vai ter um crescimento natural devido à relevância da internet nos negócios e na vida das pessoas. Se o setor de telecom representa 4% do PIB, vai aumentar com o 5G.
Uma cidade com 4 mil casas não cabe cinco provedores. Cabe 3. Esse mercado de aquisição deve ajudar, alguns devem ser comprados e deve ficar a quantidade certa, pois hoje está bem exagerado e por isso acaba tendo preços muito baixos e qualidade comprometida.
Olhando para o futuro, a internet na vida das pessoas será tão relevante, que o ticket médio deve subir. Há dez anos que a internet tem o mesmo preço.
OP – Mas, dadas as condições da economia brasileira e as deficiências históricas do Nordeste, o senhor acredita na evolução do setor? Como?
José Roberto – Hoje, nós temos faturamento numa cidade do interior, como Salitre, onde se tem faturamento da banda larga fixa e o faturamento da telefonia móvel. Quando a Brisanet passa a ser móvel, ela passa a trazer um faturamento na mesma área geográfica e até maior do que a banda larga.
Acredito que vamos ter um filtro para diminuir o exagero na quantidade de pequenos provedores. Existe isso hoje porque são informais. Então, observamos esse cenário de mudança: quantidade de provedores vai se ajustando, índice de formalização vai aumentando e, quando se tira esse excesso, o custo baixa e pode ter internet com mesmo preço, qualidade maior e mais clientes. Trazer essa eficiência operacional e mais o ganho de escala é o que faz continuar com o ticket baixo.
É onde entra o 5G: a tecnologia será como uma política pública. Há possibilidade de chegar direto no público do Bolsa Família, que hoje paga recargas e é impossível assistir vídeo aula ou vídeo por demanda.
Com o 5G, pode fazer assinatura por dispositivo mesmo com o pessoal de renda bem baixa por menos da metade de uma assinatura básica.
Então, há possibilidade de inserção da baixa renda com banda larga e alta capacidade e baixo custo. Isso é revolução: de cada casa ter internet. Algo que até já tem, mas não atende à demanda.