Com previsão para a segunda quinzena deste mês, o Ministério da Cidadania estabeleceu, por meio da portaria 816, os procedimentos para o empréstimo consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil, que beneficia 20,65 milhões de famílias, segundo dados do Governo em outubro.
O valor máximo que poderá ser contratado é de até 40% do valor mensal do benefício, em até 24 parcelas. Mas, em vez de ser considerada a quantia mínima atual do benefício de R$ 600, que só vigora até dezembro, valerá o de R$ 400. Assim, a quantia é de, no máximo, R$ 160.
Para Vitor Hugo Miro, economista e professor do departamento de economia agrícola da Universidade Federal do Ceará, essa concessão pode ser conveniente apenas para as pessoas acelerarem o consumo.
“Esse é o principal risco. E é um adiantamento de consumo que simplesmente vai colocar diversas famílias em uma situação de endividamento. Que isso não é desejável nesse primeiro momento.”
Além disso, ele fala sobre o propósito do Auxílio Brasil de prover o mínimo para aquelas pessoas acessarem alguns bens relacionados às necessidades mais básicas. E, com as obrigações de um empréstimo, o sentido do programa é desvirtuado.
“Imagine uma pessoa que vai receber os R$ 600. Ela se candidata ao benefício do auxílio Brasil para cumprir essas necessidades, mas resolve fazer um empréstimo que pode, inclusive, consumir 40% do valor recebido. É difícil você fiscalizar o uso desse recurso. Então eu acredito que não é um um um bom programa. Não tem mecanismos eficazes para alocar de uma maneira que realmente cumpra com esses objetivos”, esclarece.
Outro ponto é o valor dos juros. Segundo Vitor Hugo Miro, a alta taxa não é justificada. Pelas regras, a taxa de juros não poderá ser superior a 3,5% ao mês (51,11% ao ano) e o desconto é diretamente na folha de pagamentos.
O percentual está acima, por exemplo, do teto cobrado pelos bancos no consignado do INSS, de 2,14% ao mês, e da própria média de juros do consignado pessoal total, em 1,85%.
Assim, os bancos têm a garantia de que as prestações serão pagas em dia e, caso o benefício seja cancelado, o empréstimo não será cancelado. Ou seja, mesmo se deixar de receber o Auxílio Brasil, o beneficiário precisará se organizar para pagar até o fim do prazo do contrato, depositando, na sua conta, o valor da parcela.
“A instituição financeira que está concedendo tem um risco quase nulo de não receber esse dinheiro. Então eu acho que essa taxa não é adequada para o público e nem para a modalidade de empréstimo. Um dos fatores que compõem a taxa de juro é o risco de inadimplência. Muitos especialistas falam que oferecer esse tipo de empréstimo aumenta a inadimplência no Brasil. Mas eu vejo que esse não é o grande problema. Porque a instituição financeira que vai conceder esse crédito tem um risco quase nulo de não receber o retorno desse dinheiro”, explica.
Para ter o contrato fechado, é necessário responder a um formulário disponibilizado pelo governo de educação financeira. Segundo o economista, esse método não é eficaz, pois o País não possui uma política própria.
“Eu não vejo o questionário de educação financeira como sendo um instrumento eficaz para separar pessoas que possuem condições de realmente utilizar o dinheiro para alavancar um pequeno negócio ou pessoas que querem simplesmente adiantar consumo. Mas eu acredito que aqui no Brasil a educação financeira não é acessível a muitas pessoas. É um problema muito mais geral. Então nesse sentido eu acho que um questionário para quem vai pleitear esse empréstimo consignado, não é uma ferramenta eficiente.”
Ainda assim, a presidente da Caixa Econômica Federal, Daniella Marques, durante a 2ª edição do Seminário Economia Brasil, em Fortaleza, declarou que o público que utilizará o consignado irá pagar dívidas, em sua grande maioria, e impulsionar pequenos negócios.
Em contrapartida, de acordo com Vitor Hugo Miro, esta não é a melhor forma de ter uma empresa. “Pelo valor que está sendo proposto dos empréstimos, eles não possuem poder de alavancar pequenos negócios, de estabelecer novos negócios. Existem alternativas como os programas de microcrédito, que são mais interessantes do que ofertar uma linha de crédito própria para beneficiários de um programa de transferência de renda, como é o caso do auxílio Brasil”, argumenta.