A projeção de crescimento econômico a partir de novas tecnologias, mais emprego qualificado e renda mais alta prometidas pelo setor energético a partir da instalação dos parques eólicos offshores projetados para o litoral do Nordeste surgiram como providenciais aos interesses da Região - encarada como atrasada tecnologicamente por décadas -, que quer liderar uma nova industrialização no País ancorada nas energias renováveis. Mas os 48 parques projetados para os litorais de Ceará, Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte podem receber uma herança maldita dos parques onshore.
Tecnicamente, o Projeto de Lei das Eólicas Offshore (11247/18) em curso no Senado após aprovação na Câmara, traz as regras práticas para cessão e concessão das áreas de geração. Porém, aponta Cristina Amorim, coordenadora do Nordeste Potência, questões diretamente relacionadas à preservação do meio ambiente e de cuidados às comunidades tradicionais locais precisam ser observadas. "O Brasil precisa, de fato, dar os passos certos. Não é apenas aprovar uma lei. É aprovar medidas necessárias para que esse mercado possa existir de forma a preservar também o meio ambiente e os outros grupos econômicos com sustentabilidade."
A observação se deve à atenção dada pela instituição na qual ela trabalha sobre a população impactada pelos projetos offshore, que teme a conversão da promessa de desenvolvimento econômico justo e sustentável em más condições de vida.
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Motivos para isso sobram, hoje. O Nordeste Potência, em parceria com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), elaborou no fim do ano passado o relatório "Aspectos jurídicos da relação contratual entre empresas e comunidades do Nordeste brasileiro para a geração de energia renovável: o caso da energia eólica", no qual apontava irregularidades em contratos fechados pelas empresas geradoras de energia e habitantes de Bahia, Paraíba, Pernambuco e dois estados nos quais há planos de eólicas offshore: Ceará e Rio Grande do Norte.
Parte dos acordos assinados tem cláusulas de sigilo, que impedem a vigilância de órgãos como a Agência Nacional de Energia Elétrica, e estabelecem multas de até R$ 5 milhões quando o dono do terreno desiste do contrato e remunerações que giram entre R$ 1 e R$ 2 por hectare.
As comunidades costeiras, especialmente pescadores e indígenas, têm demonstrado preocupação com os parques eólicos instalados no mar desde que os projetos começaram a ser cadastrados no Ibama. Assim como já denunciaram em outras oportunidades, a promessa de melhoria de vida a partir do investimento no parque eólico próximo de casa se transforma em ambientes de circulação restrita, poluições sonora e visual e, consequentemente, uma piora significativa para a qualidade de vida dessa população.
"É preciso assumir que o valor do jangadeiro, por exemplo, é muito mais alto do que qualquer kilowatt que vai ser produzido pela torre eólica offshore. Então, precisamos de um pouco mais de investimento para compatibilizar as duas coisas", defende Cristina, ressaltando a importância da cultura local para os estados.
Hoje, só dois projetos dos inscritos no Ibama têm o andamento do projeto ao ponto de visitas à região e, segundo O POVO apurou, navegações pela costa próxima a Acaraú, a 237,9 km de Fortaleza, já estão sendo feitas. No entanto, sem o marco regulatório publicado no Diário Oficial da União, o processo de licenciamento segue estacionado. Com isso, audiências públicas e demais etapas precisam ser feitas para levar informações à população não avançam.
Se já não bastasse a preocupação com as práticas das usinas onshore, a coordenadora do Nordeste Potência aponta ainda na inclusão de jabutis no PL que beneficia fontes poluidoras, como gás natural e carvão mineral. No mesmo texto do marco legal das eólicas offshore, ampliaram para 2050 o funcionamento de térmicas a gás e a carvão cujos contratos seriam encerrados em 2028. Apesar das críticas, a avaliação dos especialistas que acompanham a tramitação no Congresso é de que isso seja mantido no texto.
"A gente precisa trazer a descarbonização com o combate à desigualdade e com respeito aos nossos ativos. Não podemos reproduzir modelos predatórios e exploratórios", arremata a coordenadora do Nordeste Potência.
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MMA quer atenção sobre impactos em comunidades e meio ambiente
Ao mesmo tempo que defende a transição energética, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) afirmou que "a expansão das eólicas offshore demanda avaliações ambientais rigorosas e planejamento espacial marinho detalhado e integrado", enfatizando atenção especial não só ao meio ambiente, mas às comunidades tradicionais também.
"A implementação de parques eólicos offshore deve considerar os impactos sobre a vida marinha e as comunidades costeiras, e rotas de navegação e habitats críticos para espécies marinhas precisam ser identificados e protegidos. O planejamento também deve incluir medidas para mitigar possíveis efeitos adversos sobre as atividades econômicas tradicionais e culturais das regiões costeiras", detalha em resposta ao O POVO.
Sem a aprovação do marco legal ainda, o MMA afirma que trabalha em mapeamentos participativos de atividades como pesca de pequena escala, aquicultura familiar e turismo de base comunitária, com o objetivo de que sejam incluídas nos planejamentos das operações marítimas.
No projeto de lei em curso no Congresso, sobre o licenciamento ambiental, o texto determina que ele deverá observar os resultados do Planejamento Espacial Marinho (PEM), elaborado sob a coordenação da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, do Comando da Marinha. Representantes de 17 pastas participam da comissão.
Crítico a alguns pontos expostos no Projeto Lei que tratou das eólicas offshore ao longo da tramitação, o MMA defende que, "para mitigar a emergência climática e seus efeitos, é crucial adotar estratégias eficazes de descarbonização, processo que demanda uma transição energética que priorize a substituição dos combustíveis fósseis por fontes de energia renováveis, como a eólica."
A afirmação vai de encontro aos benefícios dados às fontes poluidoras incluídas no jabuti. O aumento dos custos ao País por estimular as térmicas a gás natural e carvão mineral, segundo especialistas, foi estimado em R$ 28 bilhões.
"O planejamento é essencial para garantir que atividades no oceano sejam organizadas para minimizar conflitos entre diferentes usos, como a pesca, o transporte marítimo, a conservação da biodiversidade e a produção de energia", arremata o MMA.