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Mineração vai paralisar em caso de risco de falta d'água à população, diz empresa
Economia

Mineração vai paralisar em caso de risco de falta d'água à população, diz empresa

| SANTA QUITÉRIA | Consórcio Galvani/INB quer responder Ibama em até dois meses para iniciar obras em 2026. Executivo minimiza riscos hídricos da região. "Se tiver seca, o empreendimento para"
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UMA das três galerias que usaram para fazer as pesquisas dos minérios de Santa Quiteria com a placa que indica risco de radiação (Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves UMA das três galerias que usaram para fazer as pesquisas dos minérios de Santa Quiteria com a placa que indica risco de radiação

O consórcio Galvani Fertilizantes/Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que mira explorar urânio e fosfato no Ceará, admite paralisar a operação mineradora em caso de seca extrema que coloque em risco o abastecimento humano na região de Santa Quitéria (a 223 km de Fortaleza).

Ao O POVO, o executivo que representa o projeto (PSQ), Christiano Brandão, afirma que esse ponto fez parte do cálculo preventivo para o investimento previsto de R$ 3 bilhões, no período de 20 anos. 

Se aprovado, a produção anual será de 1 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados, além de 220 mil toneladas anuais de fosfato bicálcico e 80 mil toneladas de urânio, no período.

A empresa prevê responder em até dois meses os pedidos de esclarecimentos feitos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Brandão ainda diz que o consórcio está confiante com o andamento do processo, além de considerar natural o pedido por mais informações, já que são mais de 4 mil páginas de estudo de impacto ambiental (EIA-Rima) e 12 mil páginas de anexos. O entendimento é de que o parecer do Ibama devolvendo o estudo e apontando 37 lacunas deu sinalizações positivas.

Ele destaca esse ponto das "sinalizações" ao lembrar que a entidade ambiental federal fez sugestões ao projeto e não devolveu o EIA-Rima "no sentido de refutação", portanto a operação "seria viável".

"O processo está seguindo um fluxo absolutamente normal. Apresentamos um novo estudo EIA-Rima justamente para absorver os principais receios da sociedade e os questionamentos que o Ibama trouxe", aponta.

Questionado sobre os apontamentos em relação à oferta de água, com dependência da implantação - pelo Governo do Estado - de uma adutora que trará água do Açude Edson Queiroz até o empreendimento, Christiano ressalta que a outorga emitida pelo órgão ambiental estadual, a Superintendência Estadual de Meio Ambiente (Semace), prevê que o empreendimento utilize o equivalente a 20% da oferta hídrica disponível.

Atualmente, 10% da oferta já é extraída do reservatório. O açude tem capacidade para 254 milhões de metros cúbicos de água (m³). Portanto, 20% de seu uso corresponderiam a 50,8 milhões de m³.

Segundo ele, a Cogerh avaliou e atestou a disponibilidade hídrica e que "não haverá disputa por uso de água com o projeto".

No entanto, em caso de seca extrema durante os 20 anos que duraria a extração mineral na região, o Projeto Santa Quitéria (PSQ) estaria ciente da possibilidade de ser desativado. Já em caso de períodos chuvosos, a empresa reduziria a demanda da adutora por conta de um sistema próprio de captação de água de chuva.

"A legislação garante prioridade ao uso humano, depois aos animais, agricultura e, por último, à indústria. Então, em caso de escassez, a indústria para primeiro - e estamos plenamente cientes e preparados para isso". E aponta: "Caso falte água, o projeto é interrompido temporariamente".

Alto consumo de água em debate

O consumo de água do projeto terá um limite de 950 m³/hora ou cerca de 89 carros-pipa por hora. Nesse tempo, o volume abasteceria 160 mil residências, quantidade equivalente a uma cidade do porte de Caucaia.

Vale lembrar que em um dos apontamentos o Ibama critica como a Semace concedeu a outorga para oferta de água do Açude Edson Queiroz ao projeto. "É preocupante não haver estudos que analisam os impactos sinérgicos da captação de água do Açude Edson Queiroz pela adutora e a utilização desse recurso como principal insumo do empreendimento."

 

Em contraponto ao posicionamento da empresa, o geógrafo e especialista em Conflitos Socioambientais/Territorial do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Pedro D'Andrea, apresenta um estudo com 52 das quase 100 famílias que vivem no entorno de onde será feito o empreendimento.

Ele diz que a demanda de água foge à realidade da região, que convive com a seca e falta de oferta de serviços, como água e esgoto e eletricidade. "Se você comparar com a demanda de água do projeto com a de assentamentos de reforma agrária, que recebem 27 carros-pipa por mês, avalio que não é concebível pensar em um empreendimento dessa envergadura em uma região do Semiárido cearense que passa por um processo de desertificação."

"Não há como comprovar tecnicamente e mais uma vez o Ibama aponta que o consórcio não consegue apresentar garantias porque a alta demanda pode colapsar o Açude Edson Queiroz", complementa.

Veja um resumo de todos os apontamentos feitos pelo Ibama sobre o Projeto Santa Quitéria

A > Questionamentos sobre características do empreendimento

1- Caso seja realizada alguma cavidade oclusa durante a implantação das fundações da instalação industrial, ou mesmo durante o desenvolvimento da lavra, as obras deverão ser paralisadas até que seja realizada uma avaliação da cavidade e do seu grau de relevância.

2- Reavaliar o sistema de impermeabilização esclarecendo sua eficácia, robustez e durabilidade, considerando os aspectos de tensão elevada, recalques diferenciais e imperfeições no terreno, bem como considerando a necessidade de adicionar uma camada espessa de solo compactado, de modo a garantir regularizada e impermeabilização mais segura e durável.

3- Em relação ao abastecimento de água, definir nova forma de abastecimento durante a implantação do projeto Santa Quitéria, uma vez que o abastecimento via caminhões pipa e, secundariamente, por água subterrânea, foi considerado inviável pela equipe técnica.

4- Em relação ao fornecimento de energia elétrica, considerando que o uso de geradores implica na queima de combustíveis fósseis, a equipe técnica solicita que seja verificada a possibilidade de que todo o abastecimento de energia elétrica ao canteiro de obras seja realizado por meio da linha de transmissão já existente.

5- Em relação a transporte, é solicitado ao empreendedor esclarecer se a infraestrutura das estradas terá condições de atender ao aumento de tráfego e se estão sendo propostas medidas para minimizar tal impacto.

6- É questionada qual será a destinação final do material oriundo do decapeamento da mina (solo orgânio/topsoil).

7- Empresa deve informar qual a destinação do material oriundo da caixa separadora de sólidos (na planta de ácido sulfúrico).

8- Dúvidas em relação à implantação de uma pilha de fosfogesso quanto à informação apresentada pelo empreendedor de que o material encaminhado à pilha não apresenta potencial de erodibilidade, de modo que deverão ser apresentadas informações complementares sobre risco de fraturamento e medidas de controle.

9- Sobre a geração de efluentes líquidos e gasosos e resíduos na instalação de urânio, Ibama solicita que seja confirmado que os demais elementos não foram detectados pelos métodos de análise aplicáveis, ainda que presentes em traços, e que tal situação não compromete a destinação pretendida.

10- É questionada a logística de transporte de insumos e produtos no Projeto Santa Quitéria. A empresa deve reapresentar mapas para saber se há previsão de estradas carroçáveis do entorno do empreendimento.

11- Cobra a justificativa da empresa sobre as operações de transporte, além de esclarecer a disparidade entre a logística do transporte de insumos e produtos do Projeto Santa Quitéria. Ainda questiona disparidade de informações entre mapas e planos de distribuição.

B > Questionamentos sobre operações de controle da qualidade ambiental na Fase de Operação

12- É questionado a falta de esclarecimentos sobre como será a drenagem das águas oriundas do rebaixamento do lençol freático, no momento em que houver a interceptação do nível d'água pela evolução do nível de exploração na cava. A preocupação se deve à possibilidade de potencial vazão elevada, presença de elementos radioativos, e o impedimento de lançamento dessas águas nos corpos hídricos naturais.

13 - Empreendedor deve esclarecer se realmente existe a possibilidade de uso de água subterrânea para abastecer o projeto, seja na implantação, seja na operação, seja para o abastecimento normal ou para casos de contingência e/ou emergência. Além disso, o Ibama cobra que os estudos devem ser realizados levando-se em consideração as mudanças climáticas previstas para a região.

14- Ibama cobra explicações sobre a destinação final dos sólidos do insumo Enxofre.

15 - Sobre o uso de óleo vegetal, faz-se necessário informar a destinação da borra oleosa e da água oriunda da caixa separadora de água e óleo.

16- Questiona a falta de estimativa sobre a quantidade de equipamentos necessários, nem estimativa de quais máquinas (caminhões, escavadeiras, tratores de esteira, etc) que serão utilizadas na operação, inclusive a fase de lavra.

17- Sobre a fase de desativação, apesar de apresentada a possibilidade de utilização da pilha de estéril para fechamento da cava no Plano de Descomissionamento, não houve definição por tal opção nem apresentados os critérios para a tomada de decisão quanto à manutenção da pilha de estéril ou disposição de seu material na cava. Ibama cobra detalhamento da concepção final da área da cava ou dos diferentes cenários para sua configuração final, além de como será o futuro uso da área, e se os recursos previstos serão suficientes para boa desativação do empreendimento.

C > Infraestrutura correlatas necessárias para o Projeto Santa Quitéria

18- Ibama considerou a infraestrutura de acesso rodoviário um ponto de gargalo. Destaca que, apesar de Memorando de Entendimentos assinado entre a empresa e o Governo do Ceará, esse ponto merece atenção especial por parte do empreendedor, sob risco de inviabilizar o início imediato das obras do empreendimento após a emissão de Licença Prévia por parte do Ibama.

D > Identificações do empreendimento e da empresa consultora

19- Ibama cobra a apresentação de documentações e certificados de regularidade do empreendimento e de sub-contratados que elaboraram o EIA.

E > Alternativas tecnológicas

20- O Ibama faz sugestões para potencialização do uso de recursos e pede esclarecimentos, como sobre o processo de purificação do ácido fosfórico, em que há geração de uma "lama" rica em Th e lantanídeos (elementos terras raras). Considerando a elevada demanda por terras raras no mercado mundial, solicitá-se que o empreendedor estude a possibilidade/viabilidade de comercialização dessa "lama" e não a destinação para pilha de fosfogesso.

F > Alternativas locacionais

21- O Ibama também fez sugestões de forma a reduzir o impacto ambiental do empreendimento, como reelaborar o item alternativas locacionais, apresentando diferentes alternativas estudadas. O Ibama aponta que no EIA apresentado pela empresa têm-se unicamente premissas relacionadas ao meio físico e biótico, não tendo sido apresentada nenhuma premissa relacionada ao meio socioeconômico.

22- Caso seja possível dar outra destinação à "lama" enriquecida em Th e Elementos Terras Raras, verificar a possibilidade de comercialização parcial ou total do fosfogesso como insumo agrícola ou outros usos, tais como condicionador de solos, construção civil, indústria cimenteira e como fonte de sulfato em aplicações industriais.

G > Definição de áreas de influência

23- Quanto à Área Diretamente Afetada, a empresa deve realizar e apresentar o monitoramento da espécie Futipterus horrens (espécie de morcego), com definição de sua área de vida e verificação da necessidade de ajustes na Área de Influência Direta (AID) e Área Diretamente Afetada (ADA) e correções no EIA.

24- Quanto às Áreas de Influência do Meio Socioeconômico, questiona o fato de o EIA ter erro metodológico ao não apresentar dimensões corretas e questiona a exclusão na análise ambiental a interação comunidade-ambiente que a envolve, desconsiderando, por exemplo, o modo de vida local e a utilização dos recursos naturais pelas comunidades.

H > Análise do diagnóstico do meio físico

25- Ibama questiona dados sobre clima e meteorologia, já que o estudo da empresa apresenta lacuna de dados sem explicitar o motivo.

26- Questiona também estudos de qualidade do ar, como a falta de justifica sobre a escolha dos pontos de medição, cobrando ainda adequações para nova legislação, que estabeleceu padrões de qualidade do ar.

27- Os aspectos de ruído e vibração são alvos de questionamento do Ibama, pois os valores aferidos têm potencial de extrapolar a vibração natural e gerar incômodo à população, aspecto que não é abordado no estudo, sendo a empresa cobrada por nova campanha de vibrações.

28- Sobre o mapa que apresenta aspectos de geomorfologia, o Ibama cobra a reapresentação dos dados, com legenda corrigida. Da mesma foram dados, mapas e quadros sobre Pedologia, Caracterização Química dos Valores de Base para os Solos, Geotecnia, Dados Geofísicos, Geologia Local, Geologia da Área da Jazida, Hidrogeologia, Espeleologia, além do Estudo de Dispersão Atmosférica (EDA).

I > Análise do diagnóstico do meio biótico

29- Ibama questionou informações sobre a eficiência amostral apresentadas no EIA sobre amostragem de aves, como espécies ameaçadas e protegidas pela legislação internacional e/ou federal e/ou estadual, e peixes, realizando as amostragens com poças temporárias cheias e pelo menos após transcorrido de um a dois meses de início das chuvas.

30- Solicitou a identificação e avaliação de impactos ambientais sobre o impacto de perturbação da fauna, assim como apresentar a localização de viveiro a ser instalado, assim como realização de procedimentos veterinários de maior complexidade, levando em consideração a área a ser desmatada para construção.

G > Análise do diagnóstico do meio socioeconômico

31- A metodologia utilizada na identificação da Área de Estudo não conseguiu aferir precisamente a dinâmica territorial (para delimitação) e ambiental (para avaliação de impacto). O Ibama aponta inconsistências significativas e carência de demonstração de evidências em alguns casos, considerando dados de 2021 (época de pandemia) e não levando em consideração todas as comunidades impactadas. É cobrado um novo diagnóstico socioambiental participativo, apresentando evidências recentes e completas de todas as comunidades.

32- Exclusão do Açude Edson Queiroz da Área de Influência prejudica melhor análise dos impactos sinérgicos a partir do funcionamento da adutora.

33- Realizar trabalho de campo junto às comunidades indígenas, com acompanhamento de antropólogo, utilizando ferramentas como etnomapeamento e etnozoneamento, de modo a trazer elementos técnicos adicionais ao processo que possam contribuir para análise da viabilidade do Projeto Santa Quitéria.

34- O EIA não identifica as potencialidades locais de desenvolvimento territorial, inclusive as fomentadas pela economia popular tradicional na agricultura, pecuária, apicultura, pesca e artesanato.

35- A complementação deverá apresentar estudos do valor monetário da produção agrícola para o autoconsumo e para a comercialização das comunidades impactadas, com especial atenção aos principais cultivos (fava, milho e feijão), tendo em vista a provável perda de produtividade e de mercado.

36- O novo diagnóstico socioambiental participativo deverá realizar o levantamento dos povos e comunidades tradicionais, de acordo com Decreto Estadual nº 36.036/2024, como povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, marisqueiras, povos de terreiro, povos ciganos, extrativistas e povos serranos.

H > Quanto aos questionamentos realizados nas audiências públicas e em período posterior

37- O empreendedor deverá se manifestar quanto aos questionamentos e inconsistências indicadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Universidade Federal do Ceará (UFC) e Ministério Público Federal (MPF).

Projeto Santa Quitéria | Trailer O POVO+ | Exploração de urânio e fosfato gera conflito no Ceará


 

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