A ciência brasileira exerce um papel visível na formulação de políticas públicas ao redor do mundo. Do combate a epidemias ao debate sobre mudanças climáticas, cada vez mais pesquisadores têm saído dos laboratórios e salas de aula do Brasil para influenciar diretamente decisões que afetam milhões de pessoas no planeta.
O professor cearense Breno Magalhães Freitas, referência internacional na pesquisa de abelhas e polinização, é um deles.
Único pesquisador do Ceará na lista dos 107 cientistas brasileiros que mais influenciam decisões no mundo, o docente da Universidade Federal do Ceará (UFC) estuda os insetos há mais de quatro décadas e mostra, por meio da ciência, como as abelhas são importantes para o equilíbrio ambiental.
Ele se dedica a temas como polinização de culturas agrícolas, criação e manejo de abelhas africanizadas, ameaças à saúde das abelhas e seus serviços de polinização devido à crise climática, aos desmatamentos e ao uso indevido de agrotóxicos.
Seu trabalho já serviu para embasar mais de 250 documentos de políticas públicas e tomadas de decisão em escala global, beneficiando as abelhas, seus habitats e a sociedade humana.
Essa influência se soma ao esforço coletivo de outros 107 pesquisadores brasileiros cujos trabalhos embasaram mais de 33,5 mil documentos desde 2019.
É o que aponta o relatório “Os pesquisadores brasileiros que mais influenciam políticas públicas”, da Agência Bori em parceria com a plataforma Overton. A lista evidencia a relevância da ciência nacional em temas que vão de nutrição e saúde urbana a uso da terra e conservação ambiental.
O professor Breno Magalhães, que é um dos quatro cientistas da região Nordeste que integram a lista, é engenheiro agrônomo e coordena desde 1996 o Grupo de Pesquisa com Abelhas na UFC.
Para ele, o reconhecimento reflete a relevância da pesquisa feita no Ceará — e também os desafios da ciência fora do eixo Sul-Sudeste.
O POVO — Poderia contar um pouco sobre sua formação e atuação, professor?
Breno Magalhães — Sou formado em Agronomia pela UFC, onde também fiz o mestrado em Zootecnia. Depois, concluí o PhD na Universidade de Wales, no Reino Unido. Desde o início, meu foco foi trabalhar como agrônomo ligado às abelhas, especialmente com polinização agrícola, que é o uso das abelhas para polinizar flores e aumentar a produção.
No começo, a gente atuava muito mostrando a importância da apicultura e da meliponicultura para o desenvolvimento do Estado, geração de renda para pequenos produtores, e assim por diante.
Com o tempo, à medida que mais pessoas foram se formando e a atividade cresceu, passamos a avançar para questões mais específicas, como a polinização agrícola em si.
Começamos a estudar culturas daqui, como o cajueiro, para entender o quanto elas dependiam das abelhas para expressar todo o seu potencial produtivo.
OP — E por que essa polinização é tão decisiva para a produtividade?
Breno — Na agricultura, a planta só produz bem quando recebe tudo de que precisa — água, adubo, sanidade. A polinização é mais um desses fatores. Se ela não recebe a quantidade de pólen que precisa para desenvolver o máximo de frutos, produz menos.
Se você tem mais polinização, produz mais por área, aumenta a rentabilidade e ainda preserva o ambiente, porque não precisa desmatar novas áreas.
Acredito que essa aplicabilidade direta — gerar resultados reais, ajudar a formular políticas de conservação, de produção sustentável, de segurança alimentar — é um dos motivos pelos quais nosso trabalho tem sido citado e influenciado decisões públicas.
OP — Um dos critérios para integrar a lista dos pesquisadores influentes é justamente produzir trabalhos que incitem políticas públicas. Queria que o senhor explicasse a importância das abelhas e os riscos que elas enfrentam hoje no Brasil.
Breno — Existem mais de 20 mil espécies de abelhas no mundo; no Brasil, quase 2 mil. Algumas são solitárias, outras sociais, e temos tanto as com ferrão quanto as sem ferrão.
Elas enfrentam diferentes situações diante da ação humana: urbanização, uso de pesticidas, desmatamento. Algumas espécies resistem bem; outras estão muito ameaçadas.
A jandaíra, por exemplo, antes ocorria em todo o Nordeste. Hoje está restrita a poucas áreas onde ainda encontra alimento e locais para nidificar.
As abelhas são essenciais porque vivem de pólen e néctar, então passam o dia nas flores. Ao fazer isso, promovem a polinização, que gera sementes e frutos. Nas matas, isso sustenta animais, renova as florestas e contribui para a captura de carbono.
Na agricultura, essa importância é ainda maior: culturas como melão, melancia, maracujá e maçã dependem completamente delas. Outras até produzem sem abelha, mas produzem menos.
Com abelhas, você aumenta número de sementes, produção de óleo, produtividade, lucro — tudo sem desmatar mais.
OP — O senhor foi responsável por criar o grupo de pesquisas com abelhas da UFC, em 1996. Como funciona o grupo e de que estrutura vocês dispõem?
Breno — O grupo é formado por mim, pelos técnicos do setor, e pelos alunos de graduação, mestrado e doutorado. Cada pesquisa envolve todos: o aluno de graduação desenvolve o TCC, o de mestrado faz a dissertação, o de doutorado a tese. Tudo compõe esse conjunto maior de pesquisas.
A universidade oferece a estrutura básica: salas, laboratórios e a formação dos alunos sem custos. Mas os recursos para pesquisa nós buscamos via projetos para CNPq, Capes, Funcap, agências de financiamento ou parceria com empresas privadas.
Os alunos vêm principalmente da Agronomia e Zootecnia, mas também da Biologia e, eventualmente, de áreas como Engenharia de Alimentos, Economia Ecológica, Ciência da Computação e Gastronomia.
OP — No Vale do Jaguaribe há muitos relatos de apicultores sobre mortes de abelhas relacionadas a agrotóxicos. O grupo tem pesquisas nesse campo?
Breno — Nós não atuamos diretamente nessa área, mas há algo fundamental: o agrotóxico é feito para matar insetos. A abelha é um inseto. Se ele for aplicado onde há abelha, vai matar — e isso é reconhecido até pelas empresas.
Os problemas normalmente surgem pelo uso inadequado: pulverizar na floração, pulverizar com vento forte, pulverizar por avião. Tudo isso aumenta o risco. É possível minimizar muito esses impactos com diálogo e boas práticas.
O melão é um bom exemplo: há 20 anos, era praticamente chuva de agrotóxico. Se colocasse colmeia, sabia que a abelha ia morrer.
Hoje, o produtor entende que a abelha aumenta a produtividade, então evita pulverizar na florada ou aplica à noite, quando não há abelhas no campo.
O mesmo aconteceu com a soja. Depois que se mostrou que a presença de abelhas aumenta a produção em até 12%, o produtor passou a buscá-las, e os casos de mortandade diminuíram drasticamente.
Quando há diálogo, o conflito cai. O problema maior é quando não há conversa entre agricultor e apicultor.
OP — O relatório Bori-Overton mostra que a USP reúne quase um quarto dos pesquisadores influentes. O que significa a UFC ter um representante em destaque?
Breno — Foram 107 pesquisadores no total, acima de 1.500 referências cada. Do Nordeste, só quatro — eu, no Ceará, e três da Bahia. Isso tem muito a ver com oportunidades.
Projetos internacionais e grandes financiamentos geralmente vão primeiro para USP, UFRJ, UFMG e outras instituições do Sul-Sudeste, que têm mais estrutura e mais recursos, como a Fapesp, capaz de financiar projetos milionários. As fundações do Nordeste não têm condições iguais.
Na nossa área, também existe um vácuo: agrônomos não são formados para trabalhar com polinização. Quem atua mais são biólogos, mas com foco no ambiente silvestre.
A polinização agrícola, de fato, fica sem profissionais. Por sermos um dos poucos grupos com esse foco, acabamos preenchendo essa lacuna e participando de projetos nacionais e internacionais, o que aumenta as referências ao nosso trabalho.
OP — Na sua visão, o que poderia melhorar para aproximar academia, setor público e sociedade, tornando a ciência mais visível e influente?
Breno — O principal é ter gestores que compreendam e valorizem a ciência. Quando isso acontece, eles usam a informação disponível para tomar decisões que beneficiam a sociedade de forma muito mais efetiva.
O problema é que temos muitos gestores que não fazem uso da ciência — alguns, inclusive, não gostam dela. Isso dificulta tudo: falta apoio, falta recurso e o conhecimento produzido não é aplicado.
Nas universidades, estamos dando aula, fazendo pesquisa, orientando alunos. Não dá para produzir ciência e, ao mesmo tempo, chegar diretamente ao campo em todas as situações. É como bater o escanteio, correr e cabecear para fazer o gol.
Precisamos que o poder público busque essa informação e a aplique. Na área da agricultura, por exemplo, há um desmantelamento da assistência técnica.
Às vezes você tem um agricultor no campo precisando de uma informação que melhoraria aquela capacidade de produção, ou resolveria um problema particular que ele tem, só que a assistência não chega a ele, né?
Isso cria um buraco entre a pesquisa gerada, a informação gerada, a tecnologia gerada com quem vai aplicar lá na outra ponta.
Os técnicos que ainda existem trabalham com poucos recursos. Isso impede que a ponte entre a pesquisa e quem precisa dela se complete.