Talvez seja apenas coincidência que, já condenados, Jair Bolsonaro e Augusto Heleno tenham alegado um a paranoia e o outro o Alzheimer em autodefesa, como se pudessem agora olhar para os anos de 2019 a 2022 como um grande delírio, um engano ou um mal-entendido.
É mais provável, no entanto, que se trate de uma estratégia, claramente desesperada, para assegurar sobrevida no xadrez. Ao apelarem a um surto ou a um lapso involuntário das lembranças, ambos tentam se livrar do peso dos atos pelos quais foram responsabilizados criminalmente.
Afinal, é difícil supor que o ex-chefe do Planalto e o ex-ministro do GSI não estivessem de posse de suas faculdades mentais quando se debruçaram sobre as versões de uma minuta cuja intenção era impedir a posse do mandatário eleito.
Nada na conduta de Heleno e Bolsonaro naqueles meses que se seguiram às eleições sugere que tivessem sido acometidos de alucinação, entregues a algum torpor que os havia levado a fazer o que fizeram contra a sua vontade, ou seja, a atentar contra a democracia.
É o que vêm tentando fazer crer, porém, a despeito do resultado no STF. A tese da debilidade física (os filhos de Bolsonaro passaram a chamá-lo frequentemente de idoso desde que ele foi sentenciado a 27 anos de prisão) contradiz aquela do "imbrochável", para quem a filha tinha sido uma "fraquejada".
Tampouco cai bem na boca do personagem que fez chacota com a falta de ar das vítimas de Covid e exortou o país, que lamentava seus mortos, a "deixar de mimimi" e seguir com a vida.
Mas eis que, com o processo transitado em julgado, Bolsonaro, que se ufanava de uma virilidade mais performática que verdadeira, agora se apresenta como esse homem fragilizado que, num episódio de surto, meteu "ferro quente" na tornozeleira eletrônica apenas por "curiosidade", como ele mesmo candidamente admitiu.
Enquanto isso, Heleno, que era visto vociferando e imprecando contra os inimigos da nação nas reuniões ministeriais, rápida e convenientemente se converteu num desmemoriado.