O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, afirmou ontem ser "absolutamente salutar" a legislação sobre abuso de autoridade, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) com vetos posteriormente derrubados pela Câmara dos Deputados — 18 dos 36. Santa Cruz esteve em Fortaleza para acompanhar homenagem ao presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Nacional, o cearense Hélio Leitão, que recebeu a Medalha Dom Hélder Câmara.
Ele lembrou que no cotidiano de comarcas do Interior, por exemplo, é comum a população ouvir "sabe com quem está falando?" Ele analisa que o que houve foi uma modernização da lei de 1965, que concede às pessoas prerrogativas já conquistadas pela advocacia.
"Vai ser aplicada pelo próprio Poder Judiciário, manejada pelo Ministério Público de forma absolutamente tranquila, como deve ser, institucionalmente. Então, por vezes, sinceramente, não entendo o falso dilema que está cercando essa legislação", argumentou.
A lei considera irregular, por exemplo, a divulgação de conversas da então presidente Dilma Rousseff (PT) com o ex-presidente Lula, pelo então juiz federal e hoje ministro da Justiça Sergio Moro. A legislação também modifica dispositivo do Estatuto da Advocacia e criminaliza violação do ambiente de trabalho do advogado com escutas. A pena para isso será de três meses a um ano, além de multa. Juízes e procuradores, assim, já se opuseram ao texto.
A operação anticorrupção também volta olhos atentos para o Supremo Tribunal Federal (STF), que já formou maioria pelo entendimento de que réus podem conceder alegações finais quando incluídos em ações com delatores. Agora, a fase é de modulação, ou seja, de saber como a novidade, se aprovada em decisão colegiada, será aplicada: se valerá para casos anteriores à decisão, se não valerá.
"É um cuidado procedimental, um cuidado com o direito de defesa, é um cuidado que tem de ser visto caso a caso e é uma garantia da defesa. Não existe processo, principalmente penal, que seja pautado pelo ritmo de dez minutos, como as pessoas querem. Todos nós combatemos a impunidade, todos nós queremos o fim da corrupção", disse ele sobre a questão, acrescentando que fica "doido" com a preocupação com a Lava Jato, que julga exacerbada.
"Parece que só existe a operação Lava Jato no Brasil, é um País que vive da Operação Lava Jato", criticou. Ele avalia que, apesar da importância da força-tarefa, ela deve respeitar as leis e a Constituição.
Santa Cruz ainda se manifestou sobre episódio envolvendo o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que assumiu ter tido vontade de assassinar o ministro do STF, Gilmar Mendes. Ele ressaltou que advogados são revistados na porta dos fóruns, procuradores, não. Especificamente sobre Janot, ele afirmou ter respeito pelas "almas em sofrimento."
Disse que ficou sabendo da entrevista concedida em algumas rodas de conversa em Brasília, mas lamentou o ato de violência. "Qualquer situação de violência é um retrocesso. Isso contribui ainda mais para um ambiente de ódio que está sendo instalado em Brasília", argumentou.
Também presente no evento, o vice-presidente da Ordem, Luiz Viana, disse que a entidade nunca perdeu o protagonismo nos grandes debates do País. A diferença, ele diz, é que alguns momentos exigiram mais e outros menos a participação efetiva da OAB. "Hoje, nós vivemos num tempo particular, com suas especificidades, diferente de outros, com um presidente de República que tem discurso que muitas vezes se opõe a valores, programas e princípios da OAB."
A capital cearense foi a escolhida pela OAB para sediar o III Conferência Nacional de Mulher Advogada. O anúncio oficial da terceira edição do encontro trienal ocorreu na manhã desta terça-feira, 1º, na sede da OAB em Fortaleza. O evento pretende reunir número representativo entre as mais de 568,7 mil advogadas de todo o País, o que representa 49,9% dos quadros de inscritos na OAB, entre os dias 5 e 6 de março de 2020.
Daniela Borges, presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, afirma que a Conferência visa “discutir os desafios da mulher na sociedade, os desafios que ela enfrenta na sua vida cotidiana, e também na advocacia enquanto exercício da sua profissão”. O enfrentamento da violência contra a mulher e ao machismo também entram na pauta da reunião que tem como tema “igualdade, liberdade e sororidade” - uma reformulação do lema da Revolução Francesa.
Para a advogada, a Conferência será um dos espaço para construir políticas que de fato deem às mulheres condições mais efetivas de igualdade no exercício da nossa profissão. Ela ressalta que a busca é por “igualdade em uma perspectiva que não seja a supressão das diferenças”. “A luta não é para que não tenhamos diferenças, é para que essas diferenças não sirvam mais para justificar que alguns tenham menos direitos, menos oportunidades ou sofram com violência.”
“Quando analisamos os últimos anos, percebemos que conseguimos avançar muito do ponto de vista legislativo na perspectiva da proteção da mulher contra a violência”, afirma ao apontar a Lei Maria da Penha, considerada a terceira melhor lei do mundo no assunto. “Porém, os casos não diminuíram na mesma proporção, ao menos não como esperávamos. Não basta as leis, são necessárias políticas públicas que garantam a efetividade dessas leis”, completa.
“Não é uma Conferência para falar do umbigo da OAB, para falar para si mesmo; é uma conferência para o Brasil”, declarou o presidente do Conselho Federal da OAB, Felipe Santa Cruz, também presente na Capital. “Temos que ter uma conferência que enfrente efetivamente problemas como o machismo e a inacreditável discussão contra a Lei Maria da Penha que vem nascendo nas redes sociais.”
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