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O mundo preocupado com o fogo na Amazônia
Reportagem

O mundo preocupado com o fogo na Amazônia

As queimadas na floresta amazônica ganham repercussão global e impactam a articulação de política externa do Brasil, que não encontra soluções para seus problemas ambientais
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TO - DESMATAMENTO/AMAZÔNIA/QUEIMADAS - GERAL - Imagem registrada no dia 17 de agosto de 2019 mostra um incêndio de   grandes proporções na região de cerrado do município de Palmeiropólis, no   Tocantins. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) mostrou preocupação com a   repercussão negativa de suas (Foto: Dida Sampaio/AE)
Foto: Dida Sampaio/AE TO - DESMATAMENTO/AMAZÔNIA/QUEIMADAS - GERAL - Imagem registrada no dia 17 de agosto de 2019 mostra um incêndio de grandes proporções na região de cerrado do município de Palmeiropólis, no Tocantins. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) mostrou preocupação com a repercussão negativa de suas

Não são apenas as queimadas. Não é só a seca. Não se trata apenas do 2019. A degradação da Amazônia se estrutura num contexto histórico e hoje se escancara para o mundo. Pela falta de recursos, de fiscalização e de prioridade.

"E vai atingir todos os processos econômicos do Brasil", afirma a pesquisadora Sandra Bentrán Pedreros. Ela trabalhou por 23 anos em Manaus e sabe o peso da falta de conhecimento e cuidado sobre a floresta tropical de cinco milhões de quilômetros quadrados.

A especialista desenha um cenário de abandono. Sem verbas para pesquisas científicas, com menos água, mais estradas e pessoas, afetando o modo de vida e sustento das comunidades. "Fica uma Amazônia desamparada e aí todo mundo se aproveita. Para cortar mais árvores, para fazer mais grilagens. Não tem nem gente para combater os incêndios", expõe Sandra.

A situação descrita chegou a discursos políticos e entidades encarregadas de proteger o ecossistema. A postura do Governo Federal sobre o problema também ganhou espaço. Mas no lugar de contribuir para soluções, apenas acentuou a insegurança e vulnerabilidade brasileira frente a outros países.

Quando o presidente Jair Bolsonaro (PSL) culpa Organizações Não Governamentais (ONGs) pelas queimadas, ele não apenas desconsidera o trabalho realizado. Mas faz com que o Brasil perca parte do seu protagonismo dos debates climáticos mundiais. Países como Alemanha, Noruega, Reino Unido e até os Estados Unidos investem na proteção ambiental brasileira.

"As ONGs que atuam na região têm acesso aos recursos do Fundo Amazônia. Que tem como maior parte doações desses países", explica o diretor executivo da Associação Brasileira de ONGs, Mauri Cruz. As doações não são feitas apenas por solidariedade. Há interesse econômico e consciência de que a Amazônia é, de fato, o pulmão do mundo. A divisão territorial dos continentes, de acordo com Mauri, é apenas política.

"Investir na preservação ambiental em qualquer lugar do planeta é investir na preservação deles. Esses países conseguem enxergar o nexo casual entre a Amazônia e a vida deles", complementa.

Em agosto, a Alemanha suspendeu o envio de R$ 155 milhões para o Fundo. Em seguida, a Noruega congelou R$ 133 milhões. Os cortes vieram junto ao não reconhecimento, por parte do presidente da República, de dados científicos produzidos pela Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "Esses dados embasam diretrizes e prioridades de atuação. Tanto em definição territorial quanto em relação aos temas. A boa gestão pública precisa dos dados", analisa Mauri.

Negar as informações científicas produzidas no Brasil significa também desestabilizar o País internacionalmente. "Há uma perplexidade internacional com o que está acontecendo. O fato de o presidente francês (Emmanuel Macron) levar o debate da Amazônia para o G7, do qual o Brasil não faz parte, nos coloca numa posição incômoda", analisa o professor de Ciência Política e Relações Internacionais do Ibmec, Oswaldo Dehon.

FORÇA-TAREFA dos Bombeiros trabalham no combate aos incêndios em Rondônia
FORÇA-TAREFA dos Bombeiros trabalham no combate aos incêndios em Rondônia

A desarticulação da política externa brasileira está demonstrada na questão ambiental, conforme o professor. Principalmente porque o Governo culpa terceiros por uma responsabilidade que lhe cabe. "Isso não faz nenhum sentido. É preciso observar as causas, mas o Governo recua. Existem centenas de instituições técnicas que fazem o controle da Amazônia", ressalta o especialista.

É o Governo quem controla as fronteiras, quem estimula o agronegócio, quem mantém as Forças Armadas em regiões de conflito. É o Governo quem monitora o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). "Ele tem condições de entender o que está acontecendo", frisa o professor.

Intolerância ambiental

Bolsonaro precisa de um basta. E o que resta de democracia ainda permite o livramento do País de um presidente sem marcos civilizatórios locais e globais. Livramento de um chefe de Estado com discurso e práticas de desprezo com as causas sociais e pendências humanitárias. Que desdenha da necessidade ambiental de convivermos com a criança, o bicho, o rio, o negro, a abelha, o empresário, o homossexual, o desempregado, o mar, o velho, o indígena, a mulher e as florestas Amazônicas...

Não há mais tempo para só fazermos memes ou repetir as mesmas lamúrias de todas as manhãs, ou o dia todo, e enviá-las por zap para um grupo ou alguém que tem apenas sangue de emojis. Que não transforma o sentimento de "permanente violentado" em ação potente nas ruas ou na pressão de deputados estaduais, federais e senadores.

Se o desprezo pela Amazônia e o favorecimento para sua destruição afetam o Planeta, e já que aqui não se consegue reação à altura do fogo de uma queimada, então que haja um processo de crime contra a humanidade atribuído ao presidente do Brasil.

Os advogados franceses Jessica Finelle e François Zimeray, um ex-embaixador da França encarregado dos Direitos Humanos, escreveram artigo em novembro de 2018 no jornal Le Monde sugerindo a possibilidade de uma ação na Corte Penal Internacional, em Haia.

De novembro para cá, é avassalador o prejuízo na Amazônia. Seja pela reverberação criminosa de um discurso pelo fim dos marcos de controle e fiscalização de regras ambientais, seja pela prática concreta quando se libera centenas de agrotóxicos. Seja quando se tenta desacreditar o Inpe no monitoramento do desmatamento ou quando se ameaça reserva indígena. Seja quando se despreza o Fundo da Amazônia ou se legaliza o armamento em propriedades rurais...

As queimadas e a criminalização irresponsável da maioria das ONGs são mais sinais do autoritarismo ganhando musculatura. Bolsonaro precisa de um basta.

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