Há exatos quatro anos Donald Trump usava seu discurso de posse para prometer o fim da “carnificina americana”. Hoje, o democrata Joe Biden deverá prestar o juramento que o tornará o 46º presidente dos EUA enquanto milhões de pessoas o assistirão remotamente.
As promessas de unificar o país e devolver a nação aos diálogos e protagonismo em organizações e acordos multilaterais deverão postas em prática desde o primeiro dia de gestão do novo presidente.
Dentre as primeiras ações do democrata no cargo estarão a reincorporação e a volta do diálogo do país com questões e organizações como o Acordo de Paris, Organização das Nações Unidas (ONU) e seus braços, Unesco e Unicef, além da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Além disso, Biden deve investir na revitalização de relações com aliados históricos e outras nações escanteadas por Trump e se despregar de aliados do republicano. Antony Blinken, próximo secretário de Estado dos EUA, abrirá sua audiência de confirmação no Senado com discurso que reforça a tese.
"Podemos revitalizar nossas alianças como multiplicadores de nossa influência ao redor do mundo. Juntos, estaremos em uma posição para enfrentar ameaças representadas pela Rússia, Irã e Coreia do Norte e defender a democracia", dirá segundo texto divulgado por sua equipe.
Biden assume enquanto as crises simultâneas amontoam-se: a pandemia e a queda econômica que persistem, o racha no país causado pela polarização e as questões raciais serão desafios diários. Esta semana a nova gestão anunciou que lançará um pacote de US$ 1,9 trilhão para reativar a economia através de estímulo e auxílios.
“O estímulo é algo muito notável e que deve ser bem recebido nesse momento para estabilização do país. Servirá para mostrar a todos que dá para fazer política pública eficiente independentemente de partidos, mas a oposição popular ainda existirá", diz o professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Lucas Leite.
Já Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais da Faap e especialista em EUA, destaca que o “retorno à normalidade” deve ocorrer apenas na Casa Branca. Ele alerta que Trump convenceu milhões de pessoas a entrarem em um “universo paralelo” no qual Biden é ilegítimo (mesmo sem provas).
“Fora da Casa Branca não há como voltar à normalidade. As coisas se transformam muito rapidamente. Como um presidente que quer recuperar certo grau de normalidade vai lidar com uma sociedade completamente transformada?”, questiona.
O americanista projeta uma oposição forte e que exigirá jogo de cintura a Biden para construir pontes num contexto que aponta na direção oposta.
"Nós temos hoje duas tribos políticas. Se o líder da tribo fala para não tomar vacina, você não toma. Se ele muda de ideia no dia seguinte, você também muda. Não é uma questão de posição política, mas de lealdade à tribo. Quando a política vira isso a conciliação se torna difícil”.
Outro ponto a ser observado é a governabilidade, que apesar da maioria no Senado com 50 democratas, 50 republicanos e voto decisivo da vice-presidente Kamala Harris, não se desenha tranquila. Na prática, significa que Biden precisará manter as diversas alas do partido alinhadas, sob risco de perder votos e aprovações de projetos.
Sobre o tema, Poggio argumenta que muitas das alas do partido não são aliadas de Biden. “Elas se uniram por convenção, mas não são alinhadas a ele. Basta olhar para Alexandria Ocasio-Cortez (uma das lideranças mais à esquerda). Com o tempo essas fissuras ficarão mais claras”, projeta.
Para Lucas Leite é “improvável” que questões polêmicas sejam propostas pela gestão em um primeiro momento porque o mandato servirá mais para "pôr ordem na casa” mas chama atenção para a experiência de Biden em negociações com o Congresso já que ele passou décadas atuando no Senado.