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Cânions urbanos: o efeito do paredão de prédios no calor de Fortaleza
Reportagem

Cânions urbanos: o efeito do paredão de prédios no calor de Fortaleza

Além de gerar interferências na circulação do ar, a concentração de edifícios super-altos na orla pode formar ilhas de calor e piorar desconforto térmico da Capital
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CANNYOS DE CALOR CAPA (Foto: FOTO FABIO LIMA / INTERVENÇÃO JANSEN LUCAS)
Foto: FOTO FABIO LIMA / INTERVENÇÃO JANSEN LUCAS CANNYOS DE CALOR CAPA

 
 

Em um dia quente de verão, a brisa do mar ajuda a refrescar o calor de quem passeia pelo calçadão na orla de Fortaleza. Percorrer o litoral permite sentir o vento que cria as ondas, sopra as velas e impulsiona desde as pipas, passando pelos parapentes, até alcançar as gigantes pás eólicas do lugar que um dia já foi conhecido como “a cidade dos cata-ventos”.

 

FORTALEZA, CE, BRASIL, 19-06-2016: Criança solta pipa (raia) na Praia do Titanzinho, ao fundo parque de energia eólica. Locais próprios para o banho como lazer - Praia do Titanzinho é uma das praias que a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) apresenta como própria para banho, com qualidade das águas destinadas à recreação na orla marítima da cidade. (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)(Foto: TATIANA FORTES)
Foto: TATIANA FORTES FORTALEZA, CE, BRASIL, 19-06-2016: Criança solta pipa (raia) na Praia do Titanzinho, ao fundo parque de energia eólica. Locais próprios para o banho como lazer - Praia do Titanzinho é uma das praias que a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) apresenta como própria para banho, com qualidade das águas destinadas à recreação na orla marítima da cidade. (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)

 

A mesma experiência, porém, não pode ser vivida por quem mora ou circula pouco depois dali. E não é necessário ir tão distante, lá onde teoricamente o vento faz a curva: ainda nas ruas do Centro a sensação de calor já passa a ser mais intensa.

É comum cruzar com alguém e trocar queixas sobre o “tempo abafado” ou a “quentura” que se compara a estar em uma estufa. Não à toa, já que as mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global são resultado da emissão desenfreada de gases do efeito estufa na atmosfera.

Nas grandes metrópoles, esse problema é agravado por elementos como a falta de áreas arborizadas e o excesso de poluição dos veículos, por exemplo. Mas existe algo concreto que também contribui para o aumento do calor na Capital cearense: o paredão de prédios construído próximo ao mar.

 

FORTALEZA, CE, BRASIL, 04-07-2017: Vista do mar e prédios da orla marítima de Fortaleza. Projeto Enem não Tira Férias, passeio de veleiro e Fortaleza vista do mar. (Foto: Mariana Parente/Especial para O POVO)(Foto: MARIANA PARENTE)
Foto: MARIANA PARENTE FORTALEZA, CE, BRASIL, 04-07-2017: Vista do mar e prédios da orla marítima de Fortaleza. Projeto Enem não Tira Férias, passeio de veleiro e Fortaleza vista do mar. (Foto: Mariana Parente/Especial para O POVO)

 

Isso porque a quantidade de edifícios existentes nessa região impede a circulação natural dos ventos e cria os chamados cânions urbanos "Os cânions urbanos têm esse nome baseado nas formações montanhosas de desfiladeiros causadas pelas atividades erosivas dos rios, e designam locais onde há abundância de grandes edifícios, construídos próximos uns aos outros." , com imóveis erguidos quase rentes uns aos outros como parte do processo de verticalização das grandes cidades. A Avenida Beira-Mar, que concentra corredores de edifícios, é um dos cânions urbanos de Fortaleza.

Uma pesquisa realizada pela professora Camille Arraes em conjunto com estudantes e outros docentes do curso de Ciências Ambientais da UFC trouxe o conceito para Fortaleza e mostrou que os desfiladeiros urbanos são uma realidade, com influência direta na direção e velocidade dos ventos, além de alterarem valores de temperatura do ar.

Em determinada área, a mudança na orientação dos ventos, que chegam naturalmente na direção sudeste, chegou a ser de 160°, passando a se movimentar para oeste.

 

FORTALEZA, CE, BRASIL,10.03.2023: Super prédios em Fortaleza. Beira-mar.(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA FORTALEZA, CE, BRASIL,10.03.2023: Super prédios em Fortaleza. Beira-mar.

 

Como os ventos ficam “presos” entre os prédios, impedidos de correr naturalmente, criam-se corredores em que eles são mais fortes, motivo pelo qual é comum ser atingido por um vento inesperado e mais potente quando se vira uma esquina.

Ocorre que esse “muro” artificial perturba o comportamento do ar e afeta seu potencial de resfriamento, o que deixa determinados pontos mais aquecidos e forma as ilhas de calor. Nada paradisíacos, esses arquipélagos de ar quente afetam a saúde das pessoas e, por consequência, sua qualidade de vida.

Algo que pode piorar com o crescimento da população mundial, já que estima-se que seis em cada dez pessoas devem residir em áreas urbanas até 2030 e as áreas edificadas serão triplicadas, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU).

Antes x Depois: Avenida Beira-Mar de Fortaleza (1970 x 2023)


O desconforto térmico é o principal efeito da modificação desse ambiente, que antes era predominantemente rural e hoje está cercado de construções. É o que aponta a cientista ambiental Camille Arraes, pesquisadora do Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará (Labomar/UFC).

Ela explica que Fortaleza é uma cidade tropical e, portanto, já é quente pela própria localização latitudinal. Assim, existem variáveis ambientais (climáticas) que interferem no conforto térmico humano como temperatura, umidade do ar e velocidade do vento, mas há também as pessoais e subjetivas como o tipo de atividade desempenhada pelo indivíduo.

“A sensação térmica depende de vários fatores, como temperatura, velocidade do vento, umidade, tipos de superfície/material que estão ao redor, pouca vegetação, resposta fisiológica do corpo e até a própria vestimenta do indivíduo”, explica.

 

FORTALEZA,CE, BRASIL, 11.10.2022: Venda de ventilador para suportar a Onda de calor em Fortaleza. centro(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA FORTALEZA,CE, BRASIL, 11.10.2022: Venda de ventilador para suportar a Onda de calor em Fortaleza. centro

 

“As brisas marítimas e terrestres são as principais responsáveis pela ventilação que nós sentimos. A crescente verticalização das cidades influencia diretamente na circulação do ar em seu interior. O paredão de prédios ao longo da orla de Fortaleza funciona como uma barreira física para a entrada da brisa marítima, impedindo que esse vento que vem do oceano chegue a pontos mais distantes da orla, diminuindo sua velocidade e, consequentemente, a temperatura do centro urbano”, enfatiza.

Por esses motivos “a configuração do ambiente urbano influencia, como numa cidade muito verticalizada, onde a grande quantidade de edifícios prejudica a circulação do ar e modifica a temperatura do local. Os materiais utilizados na construção civil, por exemplo, interferem nisso”.

Tais insumos absorvem e retém mais radiação solar do que materiais de origem natural, e assim, ocasionam um aumento da temperatura do ar e das superfícies. Concreto, pavimentação asfáltica, aço e telhas tradicionais são exemplos de materiais construtivos de refletividade ruim e maior aquecimento.

 

Ventos de agosto Na foto: vento forte balança as folhas das palmeiras que cercam a estátua de Iracema guerreira Foto: Sara Maia, em 23/08/2012 *** Local Caption *** Publicada em 26/08/2012 - FO 04(Foto: SARA MAIA)
Foto: SARA MAIA Ventos de agosto Na foto: vento forte balança as folhas das palmeiras que cercam a estátua de Iracema guerreira Foto: Sara Maia, em 23/08/2012 *** Local Caption *** Publicada em 26/08/2012 - FO 04

Essa alteração pode ser percebida de maneiras distintas a depender do horário, expõe a pesquisadora. À medida em que a morfologia urbana se adensa e se verticaliza, mais espaços sombreados são criados durante períodos quentes do dia; já no período noturno, o fenômeno se inverte, pois as fachadas dos edifícios liberam o calor armazenado no decorrer do período diurno.

Arraes indica que “há uma diferença natural na temperatura do dia e da noite em um ambiente sem intervenção humana, pela presença e ausência da radiação solar, mas em centros urbanos por conta do ambiente altamente construído, impermeável e pouco arborizado, esse equilíbrio é afetado”.

“Durante o dia, o sol aquece a superfície (todos os materiais absorvem esse calor) e o ar em contato com ela se aquece. Durante a noite esse calor absorvido pela superfície é liberado para atmosfera; a superfície em si se resfria, mas não o suficiente para resfriar a atmosfera, por isso ainda sentimos um ar quente final de tarde/noite”, demonstra.

 

FORTALEZA, CE, BRASIL,10.03.2023: Super prédios em Fortaleza. Ana Bilhar com Desembargador Moreira.(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA FORTALEZA, CE, BRASIL,10.03.2023: Super prédios em Fortaleza. Ana Bilhar com Desembargador Moreira.

Segundo a professora, que é doutoranda da Universidade Federal Fluminense (UFF), há ainda prejuízos à saúde humana, já que quando os habitantes são submetidos a situações de estresse térmico por longos períodos, aumentam os casos de desidratação, irritabilidade, desmaios, exaustão por calor e até morte — riscos que são maiores para grupos como idosos, crianças, cardíacos ou asmáticos, por exemplo.

Além dos problemas de saúde, as Ilhas de Calor Urbanas (ICUs) podem provocar diversos transtornos na infraestrutura da cidade, maior consumo energético e aumento de poluição, conforme destaca o professor Dr. Renan Leite, do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC.

“Maior quantidade de carros circulando naquela região, pressão maior sobre esgotamento sanitário, abastecimento d'água, sombreando no entorno, reduzindo um potencial de iluminação e ventilação da circunvizinhança, enchentes urbanas devido à impermeabilização de superfícies e aumento das precipitações, já que o calor faz aumentar a evaporação da água”, exemplifica.

 

FORTALEZA,CE, BRASIL, 14.04.2022: Ambulante vende água mineral no trânsito da Av. Domingos Olimpio. Onda de calor em Fortaleza.    (Fotos: Fabio Lima/O POVO).(Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA FORTALEZA,CE, BRASIL, 14.04.2022: Ambulante vende água mineral no trânsito da Av. Domingos Olimpio. Onda de calor em Fortaleza. (Fotos: Fabio Lima/O POVO).

Leite salienta que as taxas de radiação solar já são fortes o ano inteiro em virtude do clima tropical úmido de Fortaleza, mas a urbanização crescente nas últimos décadas, principalmente com o boom de prédios superaltos, tem um impacto ambiental expressivo.

“Aumenta a percepção de que está quente e aquilo que vem a rebote. Maior consumo de energia com ventiladores e ares condicionados, nossas atividades cotidianas se concentram em ambientes climatizados: academia, trabalho, casa”, frisa.

“Isso sem citar a destruição da nossa memória, do patrimônio material e imaterial da paisagem urbana, que vai se perdendo sem que haja estudos de convivência como já é estimulado pelo próprio Plano Diretor, para que a cidade tenha esse desenvolvimento equilibrado”, pontua.

 

FORTALEZA-CE, BRASIL, 25-01-2022: Crédito imobiliário. Imagem mostra prédios da região do bairro da Aldeota em Fortaleza-Ce.  (Foto: Júlio Caesar/O Povo)(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR FORTALEZA-CE, BRASIL, 25-01-2022: Crédito imobiliário. Imagem mostra prédios da região do bairro da Aldeota em Fortaleza-Ce. (Foto: Júlio Caesar/O Povo)

Esse fenômeno estimulou o surgimento de diversas pesquisas sobre, como a tese de doutorado do geógrafo Antonio Junior, que estuda o clima urbano e tem mapeado as áreas prioritárias para ações de mitigação ao estresse térmico em Fortaleza, levando em consideração as características tropicais e costeiras da Capital.

“As mudanças climáticas globais têm relação com o aumento da sensação de desconforto relatada pelos citadinos, mas as mudanças a nível local (relacionadas à urbanização) apresentam grande parcela de responsabilidade para essa sensação de desconforto. Em Fortaleza, isso tem uma forte relação com o adensamento urbano (vertical e horizontal)”, sublinha.

Em Fortaleza, a direção predominante dos ventos alísios é do quadrante leste-sudeste. Isso significa que as edificações construídas ao longo da Avenida Washington Soares e da Praia do Futuro são mais prejudiciais para reduzir a velocidade dos ventos em relação àqueles da Avenida Beira-Mar. Contudo, de modo geral, construções próximas ao mar interferem na entrada das brisas e, portanto, contribuem com aumento da temperatura.

FORTALEZA, CE, BRASIL, 26-08-2016: Vista geral de casas do bairro Vicente Pinzón, ao fundo prédios (contraste). Ceará Pacífico - Bairros que diminuiram os índices de criminalidade após instalação das Unidades Integradas de Segurança do Ceará (Uniseg), policiamento. (Foto: Camila de Almeida/O POVO)(Foto: Camila de Almeida/O POVO 26-08-2016)
Foto: Camila de Almeida/O POVO 26-08-2016 FORTALEZA, CE, BRASIL, 26-08-2016: Vista geral de casas do bairro Vicente Pinzón, ao fundo prédios (contraste). Ceará Pacífico - Bairros que diminuiram os índices de criminalidade após instalação das Unidades Integradas de Segurança do Ceará (Uniseg), policiamento. (Foto: Camila de Almeida/O POVO)

Por outro lado, os prédios produzem sombreamento durante o dia e, portanto, nem sempre as áreas próximas à praia serão as mais quentes dentro da cidade, principalmente no período diurno.

De acordo com o pesquisador, que tem trabalhado em parceria com o Instituto Sueco de Meteorologia e Hidrologia (SMHI) e a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), a falta de planejamento da cidade contribuiu para que os padrões e as estruturas construtivas utilizadas fossem os menos adequados possíveis, o que também atinge as regiões periféricas da cidade.

Os resultados do estudo apontam para áreas mais quentes na periferia que em bairros como Aldeota e Meireles, por exemplo.

Doutorando em Geografia pela UFC, Junior pesquisa um modelo de representação do Clima Urbano para Fortaleza levando em consideração características tropicais e costeiras, indicando áreas prioritárias para ações de mitigação ao estresse térmico(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Doutorando em Geografia pela UFC, Junior pesquisa um modelo de representação do Clima Urbano para Fortaleza levando em consideração características tropicais e costeiras, indicando áreas prioritárias para ações de mitigação ao estresse térmico

Lotes totalmente edificados, ruas estreitas e a verticalização demasiadamente próxima à orla são exemplos de fatores que contribuíram para o aumento da temperatura e a mudança na circulação do ar nesses locais.

As falhas sinalizadas pelo geógrafo no gerenciamento da expansão do território não apenas exacerbam as desigualdades urbanas como também contribuem para maiores riscos econômicos e ambientais para a cidade como um todo. Nesses pontos, inclusive, as pessoas costumam sofrer mais com problemas respiratórios e alérgicos.

“As populações socialmente mais vulneráveis são as que têm sua qualidade de vida mais comprometida. As regiões periféricas, (Regional I - Vila Velha, Álvaro Weyne, Barra do Ceará... e Regional V - Bom Jardim, Mondubim, José Walter..., e toda a região que circunda a periferia de Fortaleza) apresentaram as temperaturas mais elevadas, devido aos padrões construtivos e organização do espaço apresentado”, ressalta.

O Parque do Cocó, por sua vez, apresenta temperaturas mais amenas, demonstrando a importância dessa estrutura verde para o conforto térmico. Segundo Junior, um dos objetivos da pesquisa é indicar quais áreas são prioritárias para ações do poder público.

De acordo com a secretária de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza, Luciana Lobo, a formação das ilhas de calor na Capital está muito mais atrelada aos processos de urbanização e de adensamento do que dos altos prédios.

“É importante sublinhar que a cidade tem no máximo quatro ou cinco prédios nessa categoria de superprédios "O termo "superprédios" se refere às edificações que ultrapassam o limite estipulado pelo Plano Diretor de Fortaleza, que varia conforme a área da cidade e possui um limite de 95 metros (32 andares). A expressão foi cunhada pelo jornalista Cláudio Ribeiro em uma reportagem sobre a construção de mega prédios sob uso de artifícios como a outorga onerosa, em que a construtora paga para construir além dos limites estabelecidos." , então não tem como ter relação direta. A ilha de calor acontece por um conjunto: elevado número de habitações, impermeabilização dos solos, concentração de edifícios, poluição atmosférica, materiais como asfalto, concreto”, cita.

Com base em um mapeamento da Seuma, Lobo afirma que “alguns bairros como Coaçu, Cambeba, Bonsucesso, Granja Portugal, Henrique Jorge e Autran Nunes são lugares onde há maior exposição, e são afastados da praia”.


A titular menciona que a pasta conta com ações relacionadas à implementação de estruturas que funcionam como mitigadoras desse potencial estresse térmico, como microparques e arborização.

“Uma das melhores formas de combater esse problema é com programas de arborização e estamos fazendo isso. De 2023 até 2024 estamos implementando 30 microparques, que são espaços de respiro, temos um número recorde de plantio de árvores e queremos alcançar pelo menos mais 50.000 nesse período”, indica.

As medidas fazem parte, ressalta a secretária, de um compromisso da Prefeitura pela promoção de mais áreas verdes na cidade, um dos mecanismos de mitigação dessa realidade urbana.

 

FORTALEZA,CE, BRASIL, 14.04.2022: Mulher protege criança do forte calor com sombrinha. Onda de calor em Fortaleza.    (Fotos: Fabio Lima/O POVO).(Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA FORTALEZA,CE, BRASIL, 14.04.2022: Mulher protege criança do forte calor com sombrinha. Onda de calor em Fortaleza. (Fotos: Fabio Lima/O POVO).

 “A política é determinada pelo prefeito Sarto, inclusive na quadra chuvosa a gente vai ter uma quantidade boa de plantio. Na Beira-Mar recentemente foram plantados coqueiros, e isso faz parte desse plano”, explana.

Luciana acrescenta que há, em vista, um financiamento do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) que deve estruturar o plano urbano de arborização para Fortaleza, um meio de mapear as áreas da cidade que mais precisam do plantio e os tipos de espécie que podem ser cultivadas nesses locais.

Além de avaliar a temperatura, potencialmente influenciada pelo tipo de material usado na construção dos prédios e do asfalto, que pode conservar mais calor, pesquisadores também estudam como os cânions urbanos podem impactar a dispersão ou retenção dos poluentes urbanos.

Assim como acontece com os ventos, as toxinas ficam “presas” nos desfiladeiros, podendo gerar mais problemas de saúde para os pedestres, e até mesmo a presença de vegetação é um fator que influencia o processo de retenção desses poluentes.

Atualmente doutoranda da Universidade Federal Fluminense (UFF), a cientista ambiental Camille Arraes é pesquisadora do Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará (Labomar/UFC)(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Atualmente doutoranda da Universidade Federal Fluminense (UFF), a cientista ambiental Camille Arraes é pesquisadora do Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará (Labomar/UFC)

A professora Camille Arraes é integrante de um desses estudos e explica que, apesar de realmente terem a capacidade de amenizar a poluição atmosférica, a depender da geometria do cânion, as árvores podem ter um efeito negativo quando postas em desfiladeiros urbanos.

“Dentro dos cânions, elas podem não ser uma boa opção, porque dificultam a dispersão, que já está alterada. Elas podem aprisionar os poluentes sob as copas, piorando o ar para os pedestres”, afirma.

Trata-se de um levantamento difícil devido à necessidade de avaliação em microescala e às características topográficas do ambiente, irregular pela configuração dos edifícios.

Mas com os dados, os pesquisadores esperam conscientizar a gestão pública da presença dos cânions urbanos em Fortaleza.

Como soluções para os problemas constatados, os cientistas defendem o respeito às normas de altura máxima dos edifícios e sua construção sobre pilares (como aqueles embaixo dos prédios onde há espaço para estacionamento) que proporcionem melhor circulação do vento.

 

 

Em que período do ano os ventos ficam mais fortes em Fortaleza e como grandes construções afetam sua velocidade?

Em entrevista ao O POVO, a gerente de Meteorologia da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), Meiry Sakamoto, aponta que as mudanças de temperatura diária na Capital e a formação das ilhas de calor têm relação direta com a velocidade dos ventos que percorrem a cidade — e como ela é afetada pelas estruturas urbanas.

"Mesmo com o aumento da velocidade do vento em alguns pontos, que acontece principalmente após o fim do período chuvoso, a velocidade do vento será menor em áreas onde há maior concentração de edifícios, o que dificulta, inclusive, a dispersão de poluentes", evidencia.

Sakamoto explica que as ilhas de calor urbana são causadas pela modificação local do meio natural por estruturas urbanas, e à medida que se distancia do Centro para áreas suburbanas e rurais, as temperaturas se tornam relativamente menores.

FORTALEZA,CE, BRASIL, 11.10.2022: Venda de vovo gelado para enfrentar a Onda de calor em Fortaleza. centro(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA FORTALEZA,CE, BRASIL, 11.10.2022: Venda de vovo gelado para enfrentar a Onda de calor em Fortaleza. centro

"Em Fortaleza, as maiores velocidades de vento são observadas na orla, enquanto que na área mais central há uma redução dos ventos, devido às construções. Além de outros fatores, como o conglomerado urbano, poluição atmosférica, redução de corpos hídricos e da vegetação nas grandes cidades, a velocidade do vento e a direção do vento desempenham papéis importantes na formação e intensificação da ilha de calor urbana", assinala.

Sakamoto pontua que quando há situação de céu claro e menores velocidades do vento, o resfriamento noturno nas regiões rurais ocorre mais rapidamente do que em uma área urbana, tornando as diferenças de temperatura entre essas duas localidades acentuadas.

"Isso ocorre porque o asfalto e os prédios possuem uma capacidade maior de armazenar calor. Além disso, o aglomerado de construções elevadas contribuem para reduzir ainda mais a velocidade do vento", explica.

Fortaleza, CE, Brasil, 03-03-2016: Meire Sakamoto, meteorologista. Inauguração da nova sala de monitonamento e previsão de tempo, e da sala de treinamento de servidores da Empresa de Assistência técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematence) na sede da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). (Foto: Mateus Dantas / Especial para O Povo)(Foto: MATEUS DANTAS)
Foto: MATEUS DANTAS Fortaleza, CE, Brasil, 03-03-2016: Meire Sakamoto, meteorologista. Inauguração da nova sala de monitonamento e previsão de tempo, e da sala de treinamento de servidores da Empresa de Assistência técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematence) na sede da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). (Foto: Mateus Dantas / Especial para O Povo)

Conforme explicita a gerente de Meteorologia da Funceme, as condições que influenciam a elevação da intensidade dos ventos, especialmente em áreas próximas à costa cearense, estão relacionadas ao deslocamento da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) para o hemisfério Norte e a aproximação do Sistema de Alta Pressão do Atlântico Sul à região Nordeste.

Assim, os ventos alísios de sudeste ficam mais intensos e constantes. Em áreas do litoral cearense, a velocidade do vento entre agosto e setembro ultrapassa 30 km/h e, em outubro, a intensidade ainda é alta.

A partir daí, com a aproximação da pré-estação chuvosa que inicia em dezembro, a velocidade dos ventos na costa cearense tende a cair para valores em torno de 25 km/h. Em Fortaleza, durante a quadra chuvosa (fevereiro a maio) a velocidade média dos ventos não ultrapassa 10 km/h e passa de 16 km/h, em setembro.

 

 

Fortaleza pode se tornar a nova Balneário Camboriú?

Conhecida como “Dubai brasileira”, a cidade de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, abriga seis dos dez edifícios residenciais mais altos da América do Sul. A maioria dos prédios altos fica ao longo da Praia Central, a mais famosa da cidade.

Mas essa concentração de gigantes também abriga um lado literalmente sombrio: ainda no início da tarde, os arranha-céus bloqueiam a luz do sol que antes alcançava a faixa de areia, o que fez com que a orla passasse a viver na sombra.

Mesmo após passar por megaobras de alargamento dessa porção de terra, o crescimento desordenado do local, que possui projetos de prédios com até 290 metros de altura "Localizado em Balneário Camboriú, o One Tower é o edifício mais alto já construído no Brasil e o segundo mais alto arranha-céu da América do Sul, com 290 metros de altura e 77 andares." , impede que a área receba a iluminação natural.

Ao O POVO, especialistas afirmam que Fortaleza pode, sim, ter um destino parecido — ainda que esteja em posição e condições diferentes.

 

Sombra dos edifícios na Praia Central de Balneário Camboriú(Foto: Diorgenes Pandini, Arquivo)
Foto: Diorgenes Pandini, Arquivo Sombra dos edifícios na Praia Central de Balneário Camboriú

 Para o professor Paulo Sousa, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), “se pensarmos na orla de Fortaleza, existem meses em que podemos ver o pôr-do-sol dos espigões e meses onde o sol se põe por trás dos prédios”.

“A relação da posição do sol com a faixa de praia é um fator importante a ser considerado, mas esta relação depende de fatores como a posição do sol, o horário e a altura dos prédios, e sobre este aspecto é importante observar que o surgimento dos superprédios está se intensificando”, pondera.

O doutor em Oceanografia pela Universidade de São Paulo (USP) avalia que “os impactos dessas estruturas podem ser compreendidos a partir do cenário atual, que propicia um momento importante de reflexão para gestores, órgãos ambientais e cidadãos fortalezenses para observar os desdobramentos”.


Os arranha-céus ao longo da Praia Central deixam a faixa de areia na sombra até seis horas antes do pôr do sol(Foto: Cassio Wollmann)
Foto: Cassio Wollmann Os arranha-céus ao longo da Praia Central deixam a faixa de areia na sombra até seis horas antes do pôr do sol

Opinião que coaduna com o que diz a professora Camille Arraes: “Com certeza pode acontecer sim. E não está ligado só ao fator estético, de: a praia ficará toda na sombra e as pessoas não poderem mais se expor ao sol. Há outras consequências. Esse sombreamento causado pelo paredão de prédios gera um desequilíbrio no ambiente que naturalmente é para estar sob a ação do sol”.

“Entre as duas cidades, claro, há diferenças. Estão geograficamente distantes, Fortaleza no Nordeste e Balneário no Sul, possuem climas bem distintos. Mas a consequência gerada por essa intervenção humana no ambiente é a mesma”, alerta.

 

 

Arraes evidencia que a intensidade do fenômeno será diferente entre as duas cidades, pois Balneário está numa posição estratégica para que ocorra o sombreamento total da orla por causa dos prédios, considerando que o sol nasce a leste e se põe a oeste.

“Em Fortaleza, serão períodos mais curtos de sombra e nunca será o sombreamento total, será só em algumas partes da orla. Então realmente não será igual. Os impactos serão bem menores do que em Balneário”, finaliza.

Fortaleza, Ce, BR - 21.10.21 Possibilidade de reveillon em Fortaleza apesar da pandemia do coronavirus. Vista aérea do Aterro da Praia de Iracema (Fco Fontenele/O POVO)(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Fortaleza, Ce, BR - 21.10.21 Possibilidade de reveillon em Fortaleza apesar da pandemia do coronavirus. Vista aérea do Aterro da Praia de Iracema (Fco Fontenele/O POVO)

 

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