A influência da Ferrovia Transnordestina medida em um raio de 300 quilômetros ao redor do curso dos trilhos lança impacto positivo direto sobre 47,9% da população da Região, onde é gerado 40,9% do Produto Interno Bruto (PIB) nordestino e se projeta como a espinha dorsal da economia do Nordeste. É a avaliação de Guilherme Muchale, gerente do Observatório da Indústria da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec). Ele conduziu uma pesquisa inédita sobre a área de impacto da Transnordestina que será revelada pelo O POVO, na primeira edição de especiais na parceria entre o Grupo de Comunicação e a Fiec com foco em temas relevantes para a economia do Ceará e do Brasil.
O primeiro tema a ser explorado tem a Transnordestina como alvo justamente pelo peso da obra para a Região. A ferrovia foi idealizada ainda na década de 1990, perpassou governos e tem no atual trajeto - entre Eliseu Martins (PI) e o Porto do Pecém (CE) - a expectativa de conclusão em 2027 após o desembolso final de R$ 3,5 bilhões pelo Governo Federal.
Com 1.206 quilômetros de extensão, a ferrovia atravessa 53 cidades de Piauí, Pernambuco e Ceará com a promessa de interligar também as economias. "A Transnordestina se transforma em um instrumento muito relevante para o desenvolvimento", afirma Muchale, ao apontar que 1.007 municípios estão na área de influência mapeada pelo Observatório, onde habitam 26,18 milhões de pessoas.
Os dados mostram ainda que o PIB do raio de 300 quilômetros atinge um total de R$ 509 bilhões, enquanto a média do PIB per capita dos municípios situa-se em R$ 14.667. Valores gerados a partir de 219,3 mil empresas devidamente formalizadas - ou 38,3% do total de estabelecimentos ativos do Nordeste - e que empregam formalmente 3,5 milhões de profissionais.
Sobre os impactos, Muchale diz que ainda não foram mensurados, mas a ideia é de uma promoção crescente na economia da Região. “Existe um tempo de adequação das empresas, que é algo natural. Mas, com a Transnordestina, as empresas vão começar a explorar e buscar oportunidade em novos mercados próximos da ferrovia e esse impacto, a cada ano, vai ser elevado ainda mais", analisa.
Responsável pela obra da ferrovia, a Transnordestina Logística SA (TLSA) - empresa do grupo CSN - afirmou ao O POVO que 71% das obras já estão concluídas e o início da operação da chamada Fase 1 é prevista para 2027. "A conexão do Piauí com o Porto do Pecém (passando por Salgueiro, em Pernambuco) é o foco desta fase, que deve ser finalizada até 2027, quando a ferrovia entra em operação. Já a fase II tem prazo de conclusão até 2029 conforme cronograma aprovado", informa a empresa sobre o trecho de 1.040 quilômetros.
O ano passado encerrou, segundo a TLSA, "com 4 lotes em obras (MVP4 a 7) gerando aproximadamente 3,8 mil postos de trabalho diretos" e a assinatura de contratação do lote 11, localizado na região do Pecém, feita com a construtora.
"A expectativa é iniciar as obras nos três lotes restantes (MVP8 a 10) no decorrer de 2025, o que significa que no ano que vem teremos 8 lotes mobilizados simultaneamente. Em média, cada lote gera de 800 a mil postos de trabalho diretos e até 3 mil indiretos", acrescenta.
Para 2025 também é projetado o início da construção do TUP Nelog (Terminal de Uso Privado) no Pecém, estrutura para armazenamento e escoamento de produtos para exportação e importação. “Já a fase II (inteiramente no Piauí, entre as cidades de Eliseu Martins e de Paes Landim) tem prazo de conclusão até 2029 conforme cronograma aprovado”, observa a empresa.
Setor produtivo adianta negociações para assegurar ganhos
Mas não cabe apenas à TLSA e ao Pecém preparar a infraestrutura que deve forjar a espinha dorsal da economia do Nordeste, como cita o especialista da Fiec. O setor produtivo também prepara estratégias de negócios e quer impulsionar o potencial da ferrovia desde agora.
Os mais atuantes são justamente aqueles apontados por Guilherme Muchale como os principais beneficiados pela Transnordestina: indústrias química, de calçados e moda, metal mecânico, mineral e agronegócio.
"E pode ajudar até na integração da cadeia de hidrogênio verde. São produtos de grande volume que o custo do frete é muito relevante. O benefício fica ainda maior quando se fala de uma quantidade muito grande de carga com peso bem substancial", avalia o gerente do Observatório da Indústria.
Muchale considera ainda que o modal ferroviário é benéfico para as finanças públicas também, uma vez que os governos “não precisam se preocupar de maneira tão crítica como fazem em relação às estradas pelo intenso tráfego de caminhões”.
Agronegócio: ferrovia dará suporte para projetos em desenvolvimento
Já o agronegócio acredita que pode ser o principal setor produtivo a viabilizar a operação da Transnordestina desde o início das atividades, segundo avalia Amílcar Silveira, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec). A lógica dele alia a demanda pelos grãos do Piauí pelos agropecuaristas cearenses e o retorno de fertilizantes para a área do Matopiba.
Além disso, ele acredita que a fruticultura nordestina também deve colaborar com a estruturação dos negócios da ferrovia com a produção de mangas, uvas e demais frutas produzidas no Vale do São Francisco e que já são exportadas via Porto do Pecém.
“A forma de viabilizar a transnordestina é o agronegócio. Eu, particularmente, estou muito esperançoso, apesar de não acreditar nos prazos de entrega da obra. Acho que vai demorar um pouco mais por ser uma obra muito complexa”, ponderou.
Com a ferrovia, Amílcar acredita que o próximo foco da Federação poderá ser fortalecido. Ele se refere especificamente à movimentação dos grãos que são utilizados pelos criadores de aves no Ceará.
“Isso vai dar suporte na nossa nova empreitada que é fazer um polo de avicultura no Sertão. Achamos que a questão da pobreza pode ser amenizada quando a gente leva desenvolvimento para essas áreas mais sofridas. O Sertão Central e o Inhamuns são regiões assim e temos que ter um foco diferente lá”, adiantou ao O POVO.
Os planos da Faec é de formar um polo avicultor em Quixadá, localizada no Sertão Central, a 168 quilômetros de Fortaleza. O objetivo é tirar proveito do clima seco da região para criar um ambiente controlado para a criação de aves, o qual irá se tornar um polo consumidor de grãos.
“O que tem se discutido pouco é o impacto dessa logística entre o Nordeste, ou seja, o produtor rural dos interiores do Ceará, Piauí ou mesmo de Pernambuco vai poder escoar a produção tanto para grandes mercados consumidores como Fortaleza, a 4ª maior cidade do Brasil, como também para os produtores, principalmente da pecuária do Vale do Jaguaribe e do Sertão Central, vai poder receber grãos com um custo logístico muito menor”, complementa Muchale.
Perguntado sobre a utilização de terminais multimodais nesse projeto, Amílcar Silveira afirmou que está atento ao desenvolvimento de um empreendimento do tipo vizinho a Quixadá e considera a operação benéfica aos negócios do agro.
Reportagem parceria O POVO e Fiec
Este projeto faz parte do primeiro produto jornalístico e de dados gerado a partir da parceria entre o Grupo de Comunicação O POVO (GCOP) e a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec).
As partes assinaram, em novembro de 2024, acordo de cooperação técnica que visa a produção de reportagens jornalísticas a partir de estudos e análises exclusivas produzidas pelo Observatório da Indústria, referentes a diversos segmentos econômicos, nas esferas estadual, nacional e mundial.
Neste especial de inauguração da parceria, o primeiro episódio detalha os números que demonstram a espinha dorsal de desenvolvimento do Nordeste. Leia amanhã sobre os impactos nos municípios cearenses em busca de investimentos em torno da ferrovia.