Antes de se tornar escritora, jornalista, professora universitária e mãe, Alessandra Oliveira foi uma criança tímida. Durante a infância e o início da adolescência, preferia se aventurar na literatura a formar laços de amizade. Refugiava-se na escrita e tinha medo de mostrar suas produções porque não queria ser julgada. Foi Dalva, uma professora substituta do colégio Ari de Sá Cavalcante, que percebeu que aquela garota tímida tinha potencial para desenvolver suas habilidades. Talvez sem a educadora, nunca tivesse virado a profissional que é hoje. Enquanto busca reencontrar a mulher que lhe ajudou a traçar seu presente, Alessandra Oliveira lança o livro "Ester Conhece Paulo Freire", inspirado livremente em sua própria história.
Na narrativa, Alê é Ester e Dalva leva seu nome real. A primeira interação entre as duas personagens acontece em sala de aula. "Ester acreditava que tinha o poder da invisibilidade. É uma história bem lúdica, singela, de uma menina tímida que se sentia confortável de ser invisível. Um dia, ela chega na sala e tem uma nova professora, que é a Dalva. Ela enxerga a Ester. Eu costumo falar que uma professora freireana enxerga todo mundo", diz. "A Ester adorava desenhar. A professora percebe isso e propõe uma atividade de desenhos", complementa.
A autora começou a produção do livro quando estava de licença maternidade há alguns anos. Tinha afinidade com os ensinamentos de Paulo Freire (1921 - 1997), que completa seu centenário de nascimento neste domingo, 19 de setembro, mas era uma visão voltada para a pesquisa acadêmica. Com mestrado e doutorado em Educação, já havia adentrado no universo infantil por causa da dissertação "Trajetórias juvenis nas ondas da rádio-escola" e de outros trabalhos. Entretanto, retomou a esse mundo com a gravidez e o nascimento de seu filho, Jonas.
"Mergulhei muito na literatura infantil. Então resolvi escrever o livro para o Jonas. Comecei a pensar sobre quais histórias eu queria que meu filho e outras crianças tivessem acesso. Por isso, decidi apresentar o Paulo Freire, que eu já tinha trabalhado e lido muito. Ele tem um pensamento muito bonito, mas que fica restrito aos educadores e acadêmicos", disse. Como as reflexões do educador também abordam o público infantil, decidiu que era importante apresentar às crianças um assunto que trata delas.
Houve, porém, dois desafios principais no processo de produção: adaptar os conceitos freireanos e escrever sem tanta rigidez. "O Paulo Freire fala sobre coisas do cotidiano, é bem interessante de estudar. Ele é um filósofo da educação. Um desafio foi pegar isso e trazer para a linguagem da infância. O segundo foi a escrita, adaptar minha escrita pessoal para que as crianças pudessem entender", explica.
Ela sabe que cada pessoa compreenderá a história de uma forma. Crianças da idade de Ester, por exemplo, conseguirão se identificar com a menina. Educadores perceberão de outra maneira, assim como leigos nas reflexões freireanas. Já Jonas, com apenas dois anos, considera que Paulo Freire é como um avô. "Quando Jonas olha para ele, fala 'vovô', porque o Paulo Freire é uma figura simpática. Ele também é apaixonado pelas ilustrações do Cauex Pessoa e fica apontando para os personagens. Em uma página que os personagens estão na escola, tem uma ilustração com o nome do Jonas. De certa forma, ele também está lá", indica Alê.
A escritora considera que apresentar o filósofo e educador desde a infância é relevante, principalmente, por causa de sua influência para a educação brasileira. "Ele é o patrono da educação brasileira. É o terceiro autor do mundo mais citado em textos acadêmicos. Agora, ele vem sendo muito criticado no Brasil e muitas das pessoas que o criticam nunca leram sua obra. Ele tem uma escrita dialógica, é necessário ler o livro inteiro para compreender todos os conceitos. Ele fala da educação do amor, da inclusão, vale para nossa postura no mundo", comenta.
Em um período de tantos conflitos ideológicos, políticos, sociais e econômicos, ela percebe a necessidade do retorno ao universo infantil e aos ensinamentos de Freire. "Nesse momento em que está todo mundo cheio de certezas, com uma agressividade nos discursos, o olhar da criança é um olhar freireano. Paulo Freire diz que somos todos inacabados. Ninguém está pronto e, inacabados que somos, temos que estar abertos a mudanças. Achamos que sabemos de tudo. Se começarmos com o olhar da infância, talvez seja um caminho bonito para enfrentar a violência nos discursos", defende.
Com a imersão do mundo infantil, Alê Oliveira não escreveu somente um livro. Também começou um podcast chamado "Histórias Para Jonas", que está disponível no Spotify. Focados em crianças, os episódios mostram personalidades famosas. Entre efeitos sonoros e falas rápidas, apresenta: Bárbara de Alencar, uma das lideranças da Revolução Pernambucana e primeira presa política do Brasil; Mercedes Sosa, cantora argentina; e Roberto Burle Marx, artista plástico e paisagista. Ainda haverá um conteúdo exclusivo para Paulo Freire.
"Ester conhece Paulo Freire"
De Alê Oliveira, com ilustrações de Cauex Pascoa
Baioque Livros
22 páginas
Quanto: R$ 35
Mais informações: no perfil do Instagram @aleoliveiraeducadora e no site www.baioque.com.br
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