Logo O POVO+
"O filme chega pra dar uma chacoalhada", frisa diretor de "Cabeça de Nêgo"
Foto de João Gabriel Tréz
clique para exibir bio do colunista

João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

"O filme chega pra dar uma chacoalhada", frisa diretor de "Cabeça de Nêgo"

Distribuição independente, passagem por periferias e expectativas por debates sobre educação e política marcam circulação de "Cabeça de Nêgo"
Tipo Notícia
Precarização da educação pública e ocupações escolares são alguns dos temas de 'Cabeça de Nêgo' (Foto: Marcos K Hirano)
Foto: Marcos K Hirano Precarização da educação pública e ocupações escolares são alguns dos temas de 'Cabeça de Nêgo'

Janeiro de 2020: "Cabeça de Nêgo" estreava oficialmente na Mostra de Tiradentes. "Era uma incógnita como seria a recepção, era a primeira exibição pública do filme e a gente tava bem apreensivo. O filme foi bem aplaudido, o que nos surpreendeu - não porque a gente duvidasse, mas é notório que os públicos de alguns festivais são muito exigentes, críticos, e isso é muito bom", lembra o cineasta Déo Cardoso. A boa repercussão chamou atenção de distribuidoras e os prognósticos eram positivos. Dois meses depois, a pandemia remexeu com os caminhos traçados de todo o mundo e o longa ficou em suspenso. Quase dois anos depois, "Cabeça de Nêgo" chega às salas de cinema em sete cidades com estratégia de lançamento independente, planos de uma importante circulação não comercial e pronto para "dar uma chacoalhada".

"A gente saiu de Tiradentes com algumas propostas de distribuição, mas veio a pandemia e as distribuidoras que haviam entrado em contato ficaram também sem saber como reagir. Se não sabiam o que fazer com os filmes que já estavam em vias de lançamento, imagina novos", narra o realizador.

Leia também | Cearense "Cabeça de Nêgo" estreia propondo debate sobre "feridas sociais"

Pessoalmente, Déo compartilha também ter passado por dificuldades financeiras. Professor de faculdades particulares, foi afetado pela crise, mas passou em um concurso da Universidade Federal do Ceará no final de 2020 e garantiu "um respiro importante - inclusive para negociar uma distribuição independente" do longa.

Nesta semana, o filme estreia em três salas em Fortaleza, além de também chegar nos circuitos de Aracaju, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Palmas e Manaus. A intenção é, na segunda semana, expandir para Maceió, Salvador e Recife.

De forma bem-humorada, o diretor reconhece que o momento é de "lutar contra o Venom, o 007, o 'Eternos'", mas também que a cota de tela - medida que demanda inclusão de obras brasileiras nas salas comerciais seguindo determinados critérios estabelecidos, mas que está enfraquecida nos últimos anos - é "muito necessária" ao cinema brasileiro.

Leia também | Relembre cobertura da participação de "Cabeça de Nêgo" na Mostra de Tiradentes em 2020

"Em geral, o povo brasileiro gosta também de ver filme sem ler legenda. A comédia é um filão muito forte, mas nosso filme difere. Tem duas pessoas mais conhecidas, mas o resto é a juventude de Fortaleza, é independente, não tem um maquinário publicitário… Nossa ação é nas redes, é lutar contra o Venom, o 007, o 'Eternos'. Nunca vai ter uma data boa, sempre vai estar saindo um filmão desses, então a cota de tela se faz necessária. Infelizmente, nossos governos são muito subservientes aos lobbies americanos", avalia.

Após o lançamento nas salas de cinema, "Cabeça de Nêgo" já tem um caminho traçado que inclui a estreia numa plataforma de streaming ainda a ser definida - "está entre duas populares", adianta Déo - e, depois, uma terceira etapa de circulação não comercial por espaços como escolas, periferias, assentamentos, aldeias indígenas e comunidades quilombolas.

Lucas Limeira em cena do longa 'Cabeça de Nêgo'(Foto: Marcos K Hirano)
Foto: Marcos K Hirano Lucas Limeira em cena do longa 'Cabeça de Nêgo'

"A gente recebeu um financiamento de um fundo sueco que acreditou muito na nossa estratégia de popularizar o filme. Será com professores, lideranças comunitárias, levar o filme e ter debates nesses espaços. Essa é a parte que eu tô mais empolgado", admite Déo.

Lucas Limeira, o protagonista, compartilha uma "ansiedade" em "muitas camadas". "Tem a profissional, a afetiva. Agora ele já tá chegando em muita gente, mais do que antes, e espero que muita gente assista e converse comigo", afirma.

Déo também admite expectativas em relação às reações ao filme, levando em conta os temas do filme, que referencia, entre outras, Panteras Negras e Paulo Freire, e o contexto do Brasil. "Em um país polarizado, às vésperas de uma eleição importante, o filme chega pra dar uma chacoalhada, testar", antevê o cineasta.

"Você tem que ter a cabeça pra entender os elogios, tapinhas nas costas e críticas, admitir alguns erros e defender outros, mas quando o filme tá na rua, já era. Pega as críticas, se engrandeça, reforce ou embaralhe suas convicções, e prepare o próximo", compreende.

Um dos pontos que o cineasta já se prepara para debater é a presença da violência em partes do filme - um tema, entende Déo, inescapável. "A violência, infelizmente, é uma linguagem, e uma com a qual a periferia convive diariamente", observa o cineasta, ressaltando, porém, um contraponto: "Se tem corpos negros apanhando, tem corpos negros revidando, defendendo".

"A mensagem que fica é: se prepare, me aguarde, porque de um jeito ou de outro, vai ter revide - e não só de vingança física. Pode ser um revide estratégico, intelectual, epistemológico", sugere Déo.

Jéssica Ellen interpreta a  professora Elaine no longa cearense(Foto: Marcos K Hirano)
Foto: Marcos K Hirano Jéssica Ellen interpreta a professora Elaine no longa cearense

"Intercâmbio dentro do próprio Brasil"

O elenco principal de "Cabeça de Nêgo" traz, principalmente, jovens talentos cearenses, além de nomes já reconhecidos: junto de Lucas Limeira, estão Nicoly Mota, Jenniffer Joingley, Mayara Braga, Wally Menezes, Mateus Honori, Larissa Góes, Hilton Costa, Raphael Souma, Jeff Pereira, Lucas Madi, Renan Pereira, Carri Costa, Marta Aurélia e José Ilton Neto. Ao grupo, somaram-se as presenças do baiano Val Perré (atualmente no ar como Potifar na novela "Gênesis") e a carioca Jéssica Ellen (que interpretou Camila em "Amor de Mãe" e encerrou recente participação no reality "The Masked Singer Brasil").

"Já ouvi muito falar do cinema independente do Ceará, mas nunca tinha trabalhado aqui", divide Val. A escalação para trabalhar em "Cabeça de Nêgo", onde o ator dá vida ao porteiro Walter, veio por indicação do amigo e também ator Ailton Graça.

"Estou tendo a oportunidade de conhecer de perto e é um tudo muito potente. As pessoas realmente de fato estão trabalhando juntas nesse cinema independente e que está cada dia mais fortalecido. É impressionante ver toda a união. o cinema nasce muito da força de cada um", considera.

Também professora no último trabalho de ficção na TV, Jéssica aponta a importância de retratar o papel da arte e da educação tanto em "Amor de Mãe", cuja exibição encerrou neste ano, quanto no longa, filmado antes da novela.

"Fiquei muito encantada com o roteiro e com a maneira como a professora assina embaixo da queixa dos alunos. Mais pra frente, ter tido a oportunidade de fazer a Camila reiterou a importância da educação e da arte na nossa formação como pessoas, cidadãs", ressalta. "Antes de ser uma artista, sou uma pessoa que paga as contas e quer ter um país melhor. Falar sobre isso no atual cenário e ter um filme em que o protagonista é um aluno é muito importante", avança Jéssica.

A atriz carioca torce para "Cabeça de Nêgo" e suas discussões se expandirem por todo o Brasil. "Quando o Déo me fez o convite, vibrei muito com o roteiro porque fala de coisas nas quais acredito e que tocam outras pessoas. A arte que chega é muito concentrada em duas cidades do Sudeste e quem perde é o País. O Brasil é continental, cada estado tem culturas completamente distintas e as políticas públicas são fundamentais para que a gente faça esse intercâmbio dentro do próprio Brasil. Quanto mais diverso, melhor é um país — mais atento, mais rico", considera. (Colaborou Bruna Forte)

Tenha acesso a todos os colunistas. Assine O POVO+ clicando aqui

Foto do João Gabriel Tréz

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?