Retrospectiva 2022: desafios, conquistas e destaques do cinema
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
O findar de 2022 reúne diferentes acúmulos no panorama do cinema brasileiro: aquele de quatro anos de um governo federal que desestimulou a produção não apenas audiovisual, mas cultural, e aquele de mais de dois anos de pandemia, entre paradas e retomadas. O "filme" que conta este ano traz aspectos aparentemente contraditórios, mas que dividiram lugar: em meio à aridez, pujança. Com produções e repercussões relevantes, o cinema em 2022 foi símbolo do gesto de resistir — movendo-se para um 2023 em que possa, puramente, existir.
Curadora do Cinema do Dragão desde março deste ano — fato que, em si, merece lugar especial como destaque em 2022 —, a pesquisadora e professora Kênia Freitas ressalta como marco do período a "grandequantidade de filmes brasileiros chegando ao circuito, com alguns destaques muito positivos de bilheteria". O movimento, sublinha ela, vai além das produções maiores. "Tivemos grande quantidade de filmes mais independentes, às vezes lançados por pequenas produtoras, distribuição própria" alcançando as salas comerciais. "Isso se explica por esse momento pós-pandemia em que, em 2020 e 2021, muitos filmes ficaram represados", credita.
Além do escoamento das produções, a curadora destaca "gratas surpresas de público" em longas como "Medida Provisória", da Globo Filmes, com direção de Lázaro Ramos, e "Marte Um", produção mineira independente dirigida por Gabriel Martins. "Foram filmes que ficaram bastante tempo no Cinema do Dragão, quase dois meses cada um, e tiveram respostas de público muito boas".
Uma produção que também se destacou neste sentido foi a cearense "Bem-Vinda a Quixeramobim", de Halder Gomes, que alcançou a marca de mais de 70 mil espectadores mesmo tendo passado por poucas salas em poucas cidades brasileiras. Ator da produção, Carri Costa celebra a conquista.
"A gente vem de um processo de quatro anos de desmonte do audiovisual brasileiro, desrespeito aos artistas, diminuição das políticas públicas e isso impactou e vai continuar impactando, mas o bom é que a gente conseguiu fazer, produzir e deixar no mercado brasileiro a comédia cearense, onde Halder coloca o aspecto da molecagem, do humor inteligente, rápido, satírico", elabora o artista.
O destaque pessoal da pesquisadora e cineclubista Kamilla Medeiros traz simbolismos próprios ao reunir contextos do ano: o longa "Três Tigres Tristes", de Gustavo Vinagre, que circulou por eventos como os Festival de Berlim e do Rio e acompanha "um jovem trio tristonho queer perambulando por uma São Paulo distópica, assombrada pela nova cepa de um vírus que deixa as pessoas desmemoriadas".
"Entre o riso e o lamento, a montagem brinca nos fazendo sentir a fábula soprar através da tela. Esse alento foi gerado durante os dias pesados da pandemia de covid-19 e em meio aos desmantelos das políticas públicas pelo agora finado governo Bolsonaro", aponta. Ressaltando a música da obra, a pesquisadora relaciona: "Somos embalados por uma trilha musical original composta por Caetano Gotardo, Marco Dutra e João Marcos de Almeida que nos cantam sobre não esquecermos quem já fomos, quem somos e quem desejamos ser. Seguimos cantando o Brasil nos cinemas em 2023", acredita.
Retrato de uma família negra de classe média baixa no Brasil pós-eleições de 2018, o longa "Marte Um" foi destaque no cinema brasileiro. Da seleção para o Festival de Sundance em janeiro à escolha da produção para representar o País no Oscar 2023, passando pela bilheteria de mais de 75 mil espectadores, a obra — escrita e dirigida pelo mineiro Gabriel Martins e produzida pela independente Filmes de Plástico — acumulou diversos marcos ao longo dos meses.
Memória
Mestres da linguagem, intérpretes de renome e figuras que deram vida a personagens marcantes se foram ao longo do ano. Do Brasil, partiram os diretores Arnaldo Jabor, Breno Silveira e Cássio Pereira dos Santos, e o ator Milton Gonçalves — de trabalhos centrais na filmografia nacional como "A Rainha Diaba", "Ladrões de Cinema" e "Filhas do Vento". Internacionalmente, ressaltam-se os nomes de Jean-Luc Godard, Olivia Newton-John, Jean-Louis Trintignant, Peter Bogdanovich, Sidney Poitier, Monica Vitti, Robbie Coltrane, Irene Papas e Jean-Marie Straub.
Vitórias históricas
Em meio a discussões sobre "representatividade" e o valor de premiações, o Oscar premiou JaneCampion com o troféu de Melhor Direção, fazendo dela a 3ª mulher em mais de 90 anos a vencer a categoria. Entre coadjuvantes, Ariana DeBose (à esquerda), atriz afro-latina LGBT, e Troy Kotsur (no meio), um ator surdo, também saíram premiados. Nas categorias de atuação principal, Will Smith foi somente o 5º negro a ganhar como Melhor Ator — vitória histórica e eclipasada, como as outras citadas, pelo tapa dado pelo artista no humorista Chris Rock após comentário maldoso sobre a esposa do primeiro.
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