A agitada eleição entre o prefeito eleito José Sarto (PDT) e o candidato Capitão Wagner (Pros) foi a terceira mais acirrada entre as capitais brasileiras, tendo apoio do próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao candidato do Pros. Por trás da candidatura ao Legislativo, um grande apoio às propostas na nova bancada de 2021: os vereadores. Foram 1.359 concorrentes às 43 vagas da Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor). Dessas, 20 são reeleições.
Assim, Fortaleza iniciará o ano com uma bancada municipal parcialmente renovada. Ao mesmo tempo, a Câmara segue um padrão de homens brancos, com média de 46 anos e Superior completo para representar um eleitorado fortalezense em sua maioria feminino, entre 35 a 39 anos e com Ensino Médio completo, segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Inclusive, detalhe curioso é o Partido da Mulher Brasileira (PMB) ter eleito dois homens: os vereadores Wellington Sabóia e Germano Heman.
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Dos 43 eleitos e eleitas, um total de nove não declararam bens ao TSE e outros quatro declararam bens avaliados em mais de R$ 1 milhão. São 23 autodeclarados pardos, duas pretas e 18 brancos. (com Marília Freitas / Especial para O POVO)
Propostas: as mais e menos mencionadas
Dentre os assuntos mais mencionados nas propostas dos eleitos e eleitas estão a Saúde (33), Educação (28) e Esporte (22). De modo geral, os fortalezenses podem esperar por discussões envolvendo a requalificação e ampliação dos serviços dos postos de saúde e dos Centros Regionais de Assistência Social (Cras), assim como a disponibilização de mais escolas de tempo integral e das creches e incentivos financeiros às práticas esportivas.
No entanto, vale lembrar que a aprovação e consequente construção de obras públicas cabem ao poder executivo. A responsabilidade dos vereadores é apenas de legislar, sugerir e fiscalizar as obras.
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Propostas relacionadas à Religião (6), à Comunidade LGBTQI+ (7), à Segurança Pública (8) e ao Gênero e Raça (11) estão entre as menos pautadas pelos legislativos e legislativas de 2021. Mesmo algumas menções são inespecíficas, garantindo apenas “apoio” ou “políticas públicas” para mulheres, pessoas não brancas e pessoas LGBT. Ainda, existem os vereadores que pontuam o “combate à ideologia de gênero” e a contrariedade ao aborto.
Já quando o assunto é segurança pública, as propostas mais específicas dizem respeito à manutenção do programa Cada Vida Importa, do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA). Instituída em 2016, a comissão está subordinada à Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE).
Atenção redobrada ao TEA
A pauta de acessibilidade para 2021 deve abordar principalmente o transtorno do espectro autista (TEA), especialmente para as crianças. Muitas estão voltadas para criação de espaços de convivência para crianças e adolescentes com autismo e o cadastro e acompanhamento de crianças autistas até os seis anos.
O vereador Bruno Mesquita (Pros), por exemplo, traz o direito das pessoas autistas como proposta principal. Ele deverá sugerir a implantação do Centro de Referência do Autista, sistema já existente em cidades da Bahia, de São Paulo, do Rio Grande do Sul e de Goiás; além da criação de núcleos de atendimento em cada Regional. Também deve lutar por espaços para inserção profissional de adultos com autismo em Fortaleza.
No entendimento da advogada Beatriz Xavier, membro da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça), o enfoque no TEA se dá pelo trabalho mais contundente nos últimos anos dos militantes pelo reconhecimento das pessoas com autismo. “Por isso, é natural que os novos legisladores falem mais sobre isso. Mas isso não diminui a importância e a necessidade de se trabalhar as outras pessoas com deficiência”, alerta.
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De fato, quando outras PCDs foram mencionadas nas propostas dos vereadores, as demandas foram reduzidas à mobilidade urbana. Para Beatriz, que também é professora na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), os setores da saúde e da educação carecem de atenção legislativa municipal. Afinal, ainda que o Brasil tenha o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), os vereadores devem trabalhar para aproximar a lei à realidade de Fortaleza.
“A gente precisa fazer cumprir a estrutura de saúde mental, cumprir a legislação que é contra o manicômio. É reforçar o Centro de Atenção Psicossocial (Caps), que está em uma situação sucateada. Isso é política que precisa ser feita”, pontua. Ela também cita a importância de investir em atendimento escolar especializado para promover a inclusão dentro das escolas, principalmente no que tange a formação contínua dos professores.
“A educação básica é de obrigação do município. E o município precisa melhorar, não só na oferta, mas na política dentro da escola. A gente tem muitos dados de que as crianças desistem. Porque as escolas não atendem à demanda e porque não têm como chegar [em relação à mobilidade]”, conclui.
Meio ambiente
As cadeiras do Psol serão destaque nas discussões envolvendo o meio ambiente. Enquanto a maioria das propostas ambientais (defendidas por 13 vereadores) envolvem animais domésticos e reciclagem, os mandatos do Psol focarão em aspectos de proteção e fiscalização ambiental, assim como desenvolvimento sustentável. Nem mesmo a candidata do partido Rede Sustentabilidade, vereadora Estrela Barros, traz propostas ambientais.
O vereador Gabriel Aguiar (Psol) deve trabalhar especificamente 201 propostas para o desenvolvimento sustentável de Fortaleza, que foram apresentadas ao prefeito eleito José Sarto (PDT) no dia 12 de dezembro de 2020. Além das sugestões que tangenciam saneamento básico, desenvolvimento humano e proteção ambiental, o biólogo também foca no atendimento de animais silvestres - uma das ideias é converter o Zoológico Municipal Sargento em um Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres.
Gênero e raça
Os três tópicos estão entre os assuntos menos prioritários para os vereadores e vereadoras de Fortaleza. As diretrizes de direitos humanos abordam propostas que permeiam entre os setores ideológicos: de um lado, o setor tido como progressista se pauta em projetos relacionados ao combate a violência doméstica, investimentos em fundos de igualdade racial e combate à homofobia. Já os perfis tido como conservadores se pautam em causas contrárias a legalização do aborto e contra a destruição dos valores da família. Os planejamentos das propostas abordam diversos assuntos, mas, em sua maioria, não detalham as ações.
Propostas relacionadas à questão de gênero e de raça são citadas como pauta principal por 11 vereanças. Desses, sete são mulheres e, entre elas, apenas a candidata Estrela Barros (Rede) não pauta as propostas da causa como principais. Uma curiosidade é o Partido da Mulher Brasileira (PMB) ter elegido dois homens, os vereadores Wellington Saboia e Germano Heman. Deles, Wellington é o único que pontua ações relacionadas às mulheres: sem mais detalhes, a de lutar para políticas públicas a elas. O vereador já declarou que não é preciso ser mulher para defender pautas feministas.
Sob divergentes tensionamentos ideológicos da Câmara, o eleitorado fortalezense pode passar por complicações em aprovações de políticas públicas para elas. "Temos uma prefeitura em que uma parte dessas mulheres farão o enfrentamento. Mas dentro de todos esses feminismos e vertentes, temos um grupo conectado em articulação política e temos outro mais conservador", destaca a pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC) Paula Vieira.
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Já a pauta de raça, citada por apenas dois dos 11 candidatos e candidatas que falam sobre gênero, tem foco em proteções às minorias e em projetos e fundos municipais que estimulem o combate à qualquer natureza de discriminação.
Marcus Giovani, advogado e pesquisador do CNPq sobre o assunto, pauta que ainda falta uma real representação na Câmara de Vereadores de Fortaleza e que o padrão de homens brancos, com alta escolaridade e renda não refletem necessariamente o perfil representativo do eleitorado cearense.
O advogado ainda cita a candidatura de duas pessoas pretas para a CMFor 2021: das 43 vereanças, apenas duas candidaturas são de pretas - Tia Francisca (PL) e Adriana do Nossa Cara (Psol). "Ainda há uma sub-representatividade da população negra nesse despacho de poder. Tanto que nas pesquisas do censo [demográfico, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] a maioria das pessoas não assume que são pretas. Elas geralmente falam que são pardas, morenas, morena escuro forte”, cita Marcus.
Cinco perspectivas para 2021
Diversidade
A sub-representação é ainda mais gritante quando procuram-se propostas para a população transexual. Os vereadores que mencionam diretamente a população trans, Nossa Cara (Psol), Gabriel Aguiar (Psol) Enfermeira Ana Paula (PDT) e Guilherme Sampaio (PT), sugerem o fortalecimento e criação de políticas públicas de apoio às vítimas de transfobia, além de projetos de empregabilidade, no caso dos mandatos do Psol.
No entanto, não há vereanças transexuais em Fortaleza, o que faz com que as discussões relacionadas ao segmento tendam a ser inferiorizadas ou inexistentes. Quem analisa é a Lucivânia Sousa, mulher trans, pesquisadora de Diversidade Sexual e Gênero e articuladora da Coordenadoria Especial de Políticas LGBT da Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS).
"Se temos lugares de poder, de fala e decisão ocupados por pessoas trans, logo temos a possibilidade de elas e eles narrarem suas histórias, trajetórias, fomentar novos olhares e possibilidades de inclusão e respeito. Igualmente, discorrerem quais são as necessidades desse segmento da população que raramente ocupam essas acomodações", contrapõe.
"A partir do momento em que eu não possibilito um lugar onde essas pessoas se posicionem e reivindiquem seus direitos, inclusive direitos humanos básicos, eu reforço processos sistemáticos, naturalizados e retroalimentados em nossa sociedade de exclusões, estigmas, apagamentos e morte social, física e simbólica", comenta.
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O apagamento, segundo ela, vem desde a falta de publicações com dados de violência contra a população trans, o que impede a formulação de políticas públicas. Nos dez primeiros meses de 2020, o Ceará foi o segundo estado que mais matou pessoas trans, indica boletim da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Foram 19 assassinatos, oito a mais que em 2019. Mesmo assim, o Estado não enviou esses dados ao 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
No entanto, a articuladora também comenta os avanços da SPS em "promover e defender" os direitos humanos da população LGBT no Ceará. Ela destaca a "Campanha Ceará de Todes", da Coordenadoria Especial LGBT (COELGBT), que dialoga com a sociedade sobre os direitos da população LGTBT e o enfrentamento à LGBTfobia. Na esfera municipal, a Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS), por meio da Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual, tem trabalhado projetos similares.
"Hoje, uma das principais demandas de políticas públicas desse segmento na cidade de Fortaleza e no Estado como um é a promoção e efetivação da saúde integral da população LGBT", aponta Lucivânia. A pesquisadora também reforça a importância de continuar e fortalecer as políticas voltadas para a empregabilidade, outro grande desafio da população trans na conjuntura atual.
As mulheres da CMFor
Serão nove mulheres na CMFor em 2021, um aumento de três candidaturas em quatro anos. Cinco delas se declaram pardas, duas brancas e as outras duas pretas. Das eleitas, cinco têm como propostas predominantes o cuidado com o Social, duas a Saúde e as outras duas a Primeira Infância e o setor de Religião e Família Tradicional.
Cinco delas são novatas na Câmara: Kátia Rodrigues (Cidadania), Enfermeira Ana Paula (PDT), Tia Francisca (PL), Estrela Barros (Rede) e Adriana do Nossa Cara (Psol). Ana Aracapé (PL), Cláudia Gomes (DEM), Larissa Gaspar (PT) e Priscila Costa (PSC) estarão por mais quatro anos em seus respectivos mandatos. (com Marília Freitas / Especial para O POVO)
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