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Passado e presente: como a música brasileira aborda questões políticas
Reportagem Especial

Passado e presente: como a música brasileira aborda questões políticas

Primeiro turno das eleições presidenciais chega ao Brasil em meio a diversas críticas ao governo de Jair Bolsonaro. Assim como em outras décadas, a música ajuda a expor os descontentamentos sobre os governos vigentes

Passado e presente: como a música brasileira aborda questões políticas

Primeiro turno das eleições presidenciais chega ao Brasil em meio a diversas críticas ao governo de Jair Bolsonaro. Assim como em outras décadas, a música ajuda a expor os descontentamentos sobre os governos vigentes
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Já se passaram dois anos desde que a banda Detonautas Roque Clube lançou o single “Micheque”. A música, cujo vídeo hoje soma mais de 3,7 milhões de visualizações no YouTube, viralizou no Brasil em 2020 ao repercutir sobre os R$ 89 mil em cheques depositados por Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro.

No último dia 15, o cantor e compositor Chico César lançou a canção “Bolsominions”. A letra critica os eleitores do presidente Jair Bolsonaro (PL). O músico também participou neste mês, junto com outros artistas, de uma “canção-manifesto” (intitulada "Hino ao Inominável") contra a reeleição de Bolsonaro. Atores como Bruno Gagliasso e Wagner Moura e cantores como Lenine e Zélia Duncan interpretaram letra baseada em declarações do presidente, especialmente durante a pandemia de Covid-19.

Em 2018, grandes nomes do rap nacional, como Marcelo D2 (Planet Hemp), Criolo, Emicida, Mano Brown e Tássia Reis assinaram um manifesto contra, até então, a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência da República e a favor da democracia. Eles acusavam o candidato de defender o autoritarismo e incentivar ataques contra minorias.

Ao longo de quatro anos, o governo Bolsonaro foi alvo de constantes críticas de diferentes setores, entre eles a cultura. Na música, profissionais utilizaram suas artes e suas influências para, de maneiras diferentes, expressarem suas visões sobre o que aconteceu durante o mandato presidencial. Em meio ao primeiro turno das eleições, o Vida&Arte discute como a música no Brasil ajuda a retratar o momento político vivido por seus trabalhadores - e apreciadores.

Entre críticas indiretas e posicionamentos mais explícitos - a favor ou contra - ou até a “falta” de posicionamento, artistas da música no Brasil se viram em meio a um caldeirão de efervescências políticas neste mandato. Vários retrataram esse período, como os Titãs em seu álbum “Olho Furta-Cor” (2022), em que a faixa “Apocalipse Só” anuncia a devastação crescente na Amazônia.

O grupo de rock Fresno, no disco “Vou Ter Que Me Virar” (2021), anuncia na intuitiva música “FUDEU!!!”: “O presidente basicamente quer te exterminar/E o ideal fascista já conquistou teu núcleo familiar”. Os versos abordam a conduta de Jair Bolsonaro durante a pandemia e a escalada de autoritarismo em seu governo.

A contestação não vem apenas dos criadores, mas também de seus consumidores. Em festivais de música como o Lollapalooza e o Rock In Rio, ambos realizados neste 2022, não foram poucos os coros da plateia em protesto contra o atual governo - alguns até comandados por artistas, como Emicida.

Rapper Emicida(Foto: Rogério Vital/Divulgação)
Foto: Rogério Vital/Divulgação Rapper Emicida

Mesmo que o protesto por meio da música não seja algo estrito deste período, o jornalista, pesquisador musical e analista político Renato Contente avalia que, em retrospecto mais recente, alcançando o recorte de dez anos para cá, a chamada “nova MPB” e o rap talvez tenham sido os gêneros musicais que “desenvolveram com mais força e consistência reações estéticas à situação política brasileira contemporânea, redesenhada radicalmente desde as Manifestações de Junho de 2013”.

Para o pesquisador, vale citar questões sobre raça, gênero e sexualidade, que tiveram importante proeminência. Além disso, temas como democracia e liberdade passaram a ser “mobilizados com bastante ênfase em canções, álbuns e espetáculos” a partir do impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

Ele cita artistas como Linn da Quebrada, MC Carol, Letrux, Djonga, Liniker, Criolo, Emicida, Tulipa Ruiz, Baiana System e Luedji Luna, além do “folk-fofo” de AnaVitória e o “neodesbunde” de Bala Desejo - nesses dois últimos casos, o protesto estaria “sobretudo em seus corpos, em sua doçura ou tresloucamento”, mas não necessariamente em pautas políticas explícitas.

“A questão do corpo é importante porque é central no pop mainstream recente de Pabllo Vittar, Luísa Sonza, Anitta e Ludmilla, que tendem a ser desprezados e estigmatizados pela elite cultural, assim como o bregafunk recifense e, em termos de discurso, o ‘feminejo’”, acrescenta.  

 

O novo e o consagrado também se posicionam politicamente

Além da “nova MPB”, o pesquisador analisa que artistas da “velha MPB” também propuseram “diálogos interessantes” com o contexto político nos últimos quatro anos. Elza Soares tratou da violência estrutural contra negros, mulheres e pessoas trans/travestis no álbum “Planeta Fome” (2019). Gal Costa e Maria Bethânia voltaram a emitir posicionamentos políticos publicamente com mais ênfase, como quando “fizeram o L” em apoio a Lula durante o “Coala Festival” em setembro.

 

Na música “2 de junho”, Adriana Calcanhotto fala sobre a morte do Miguel Otávio, que morreu em 2020 após cair do 9º andar de um prédio de luxo no Centro do Recife (PE). Em “Não Vou Deixar”, do álbum “Meu Coco” (2021), Caetano Veloso deixa sua mensagem de “não deixar esculachar” a história do Brasil.
Um efeito importante também foi observado nesse tempo. Além de canções novas, músicas antigas e consagradas durante a ditadura militar foram plataformas de denúncia e críticas à atual gestão presidencial, como “Cálice”.

Na avaliação do pesquisador, essa conexão entre passado e presente na música brasileira se dá pelo histórico “violento e autoritário” do Brasil desde sua fundação, sendo a história do país “desdobramentos dessa origem” marcada pela escravização. Assim, apresenta-se uma construção marcada por reações de resistência.

“Quem sabe, com muita sorte, essas canções se tornem datadas. Mas músicas como ‘Cálice’, ‘Divino maravilhoso’ ou ‘Como nossos pais’ não envelhecerão enquanto não superarmos o autoritarismo e a violência que residem de maneira tão capilarizada no tecido social brasileiro e que, de dez anos para cá, conseguiu recuperar uma força que há tempos parecia quase inerte”, reflete.

 

 

Os outros lados 

Assim como entram em evidência artistas que realizam denúncias e protestos contra o governo atual, também são citados aqueles que se manifestam a favor do mandato de Bolsonaro, independentemente do estilo musical. O roqueiro Roger Moreira, do Ultraje A Rigor, e os sertanejos Gusttavo Lima, Zezé di Camargo e a dupla Zé Neto e Cristiano são alguns exemplos.

Zé Neto, por sinal, esteve no centro das atenções de uma polêmica com a Anitta em maio deste ano - ação que desembocou em uma “caixa de pandora” sobre o uso de verbas públicas em shows sertanejos, Durante um show no Mato Grosso, ele criticou a Lei Rouanet - afirmando que “quem paga seu cachê é o povo” - e que “não precisava fazer tatuagem no ‘toba’ para mostrar se estava bem ou mal”.

Anitta virou alvo dos artistas apoiadores de Bolsonaro(Foto: divulgação)
Foto: divulgação Anitta virou alvo dos artistas apoiadores de Bolsonaro

Essa última fala faz referência à tatuagem íntima na região do ânus feita por Anitta. Na época, famosos e fãs da cantora defenderam a artista, e com a repercussão vários shows sertanejos passaram a ser investigados por terem sido pagos com altos valores de dinheiro público em cidades com quantidade pequena de população.

Anitta, aliás, passou a ser forte alvo de ataques bolsonaristas devido às suas constantes críticas ao presidente da República. Além desses dois “segmentos de artistas” - tanto os que são a favor quanto os que são contra Bolsonaro -, há profissionais da música que preferem se manter “neutros” publicamente, isto é, sem demonstrar de qual lado estão.

Para Renato Contente, existem algumas explicações possíveis para essa postura: “O medo de perder patrocínios, trabalhos de publicidade e de se comprometer financeira e politicamente de alguma forma, além de possíveis ameaças de violência (como ocorreu com Marília Mendonça após aderir à campanha ‘Ele Não’, em 2018) podem ser algumas das razões pelas quais determinados artistas têm receio de se posicionar politicamente, seja para um lado ou para o outro”.

Esse posicionamento “isento”, porém, não inviabiliza as críticas aos artistas que a ele aderem. Renato cita o caso da cantora Ivete Sangalo, que chegou a ser chamada de “isentona” por não se manifestar enfaticamente sobre seu posicionamento. Em um show em Natal em dezembro, entretanto, a plateia começou a gritar contra Bolsonaro e ela, em resposta, disse para falar “mais alto”. No último Rock in Rio, ela afirmou que “no dia 2 vamos mudar tudo”. De todo modo, é certo que a produção musical neste período ajuda a narrar os principais acontecimentos dos últimos anos.

 

 

Os gritos também são locais

 Compositor, cantautor e violonista cearense Paulo Araujo tem em sua discografia recente músicas críticas ao governo de Jair Bolsonaro(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Compositor, cantautor e violonista cearense Paulo Araujo tem em sua discografia recente músicas críticas ao governo de Jair Bolsonaro

Falar sobre as condutas e os momentos mais marcantes do governo federal não se restringe a artistas com repercussão nacional. No Ceará, também há profissionais da música que se posicionaram - e continuam se posicionando - de modo a retratar suas impressões sobre o atual governo.

Um exemplo disso é o cantautor Paulo Araujo, experiente em festivais de música e parceiro de artistas como Marcelo Delacroix, Giuliano Eriston e Luciano Franco’. Natural de Iguatu, afirma que, “considerando as canções que estão acessíveis em plataformas de streaming, três álbuns e apresentações em festivais”, o governo Bolsonaro está em 12 músicas por ele compostas.

Em suas canções, aposta “em uma abordagem mais sentimental e psicológica”, e aponta que “não são tão marcadas cronologicamente” ao mencionar as diferentes fases atravessadas pelo governo atual. O artista cita “Apneia”, música interpretada por Bruna Moraes e presente no álbum “A Caverna dos Sonhos Esquecidos” (2021).

Na música, “a falta de ar é o tema, remetendo não somente à pandemia, mas também à opressão, ao racismo, ao preconceito de modo mais amplo”. Em “Febre Aftosa”, ele usa a ironia para questionar a negação das vacinas. Há também as canções “Catedral”, “Vendeta” e “Coco do Leviatã”, do disco “O Traficante das Canções” (2021). Elas apontam o descontentamento com o que chama de “desgoverno”.

Em seu último álbum, “Eu Não Paguei Jabá”, Paulo também apresenta repertório com canções políticas, como “O Querubim”, em que, ambientada no Rio de Janeiro, é desenvolvida uma “história fantástica” com narrativa de descontentamento, mas com esperança de que dias melhores virão. “Acho que a junção das canções do período o retratam por inteiro”, pontua.

O músico, entretanto, não passa intacto com seu posicionamento. Paulo Araujo afirma que chegou a ser criticado por um amigo “entusiasta do atual governo” por suas produções trazerem “lamúria, decepção e sofrimento”. Ele, porém, reforça sua postura: “O artista tem que retratar seu tempo. Não posso ficar pedindo calma e distribuindo flores enquanto existe um imenso desconforto no País. De fato, trago lamúrias, mas o olhar de que podemos construir algo melhor, e o artista tem que ter o olhar e ato crítico do seu lugar. É mesmo obrigação”.

Guiado por essa obrigação, ele afirma que “a crítica social sempre esteve presente” em suas obras, mesmo em governos anteriores. “A crítica maior que sempre fiz - e faço - é à desumanidade, e isso inevitavelmente chega na crítica política. A diferença maior é que antes as críticas eram de caráter econômico-social, enquanto que agora a coisa extrapola para críticas de temas que imaginávamos não voltar, como à moralidade e ao caráter dos governantes”, relata. 

 

 

Movimentos tectônicos

Não exatamente sobre o governo Bolsonaro, mas inevitavelmente atravessado por ele, a música “Tectônica”, da cantora e atriz Marta Aurélia, reflete sobre questões que continuam presentes em seu mandato, como crise climática e a políticas que prejudicam grupos minoritários no País.

Marta Aurélia, cantora e atriz.  (Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Marta Aurélia, cantora e atriz.

“Eu entro em metáforas, deixo a coisa acontecer espontaneamente. Quando pensei no que ia falar na música, refleti sobre o movimento das placas tectônicas, que geram os abalos sísmicos. Pensando que somos o próprio planeta e a nossa humanidade também faz esses movimentos acontecerem, estamos vivendo momentos de grandes abalos sísmicos metafóricos”, comenta. Ela acrescenta: “O governo Bolsonaro tem acentuado muitos problemas que já existiam. É um projeto de destruição cotidiana”.

Para Paulo, é “função do artista” e de “qualquer pessoa que pense em um mundo melhor e mais solidário” a mobilização na construção desse cenário. Assim, profissionais da música que ignoram o contexto social em que vivem são “coniventes”. “O músico que hoje só canta ‘eu te amo, meu Brasil, eu te amo’ é omisso e conivente com todo desserviço prestado. Temos que avançar em diversas áreas sociais, pelos direitos à educação, saúde e trabalho digno”, afirma. 

 

 

Uma história que não é de hoje

Chico Buarque foi um dos principais expoentes da música brasileira em contestação contra a ditadura militar(Foto: Francisco Proner/Divulgação)
Foto: Francisco Proner/Divulgação Chico Buarque foi um dos principais expoentes da música brasileira em contestação contra a ditadura militar

Apesar de ter se intensificado durante os últimos quatro anos, o movimento de contestação política na música brasileira não é recente. Um dos grandes exemplos disso é a produção vista na ditadura militar, mas, ainda assim, é possível ir ainda mais longe no tempo para resgatar essa relação entre o meio artístico e a política - e como a música ajuda a contar o Brasil de seu tempo.

Na década de 1910, por exemplo, o poeta, cantor e compositor Eduardo das Neves retratou a campanha patriótica republicana e falou sobre a população negra em suas valsas e modinhas. Ele também refletia sobre as consequências das desigualdades raciais e de gênero em um País que havia saído recentemente da escravidão.



A produção mais notável aconteceu durante o período da ditadura militar, que ocorreu de 1964 a 1985. Em 21 anos de repressão e cerceamento de direitos, a produção musical “foi intensa e diversa”, como afirma o professor de história Clodomir Freire. Ele destaca como exemplos movimentos como o Tropicalismo, a Jovem Guarda e as músicas de protesto, que tiveram presenças marcantes em festivais de MPB.

Tão marcantes foram essas duas décadas para a música brasileira que muitas produções seguem dialogando com o Brasil de hoje, mesmo com a distância temporal. “Cada movimento, à sua maneira, construiu trilhos que nos conduziram à produção musical do Brasil de hoje”, introduz Clodomir.

Ele prossegue: “No entanto, o DNA militarista e autoritário do governo atual, o seu desrespeito pela cultura e pela imprensa livre entram em contraponto com a resistência e a mobilização em favor da democracia, nos remetendo às músicas de contestação à Ditadura Militar”.

Para o professor de história, duas músicas se encaixam no contexto de protesto e de indicação de esperança, sendo elas “Apesar de Você”, de Chico Buarque, e “Novo Tempo”, de Ivan Lins. “No novo tempo, apesar dos perigos / Da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na luta / Pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver / Pra que nossa esperança seja mais que a vingança / Seja sempre um caminho que se deixa de herança”, afirma a canção.

 


Para além da “beleza” de suas músicas, os artistas que se destacaram na ditadura militar foram “porta-vozes de uma juventude amordaçada”, influenciando gerações de cantores e compositores que, “além do caráter lúdico, emprestam à música o papel de cronista do seu tempo”, na visão de Clodomir.

As repercussões disso viriam já nos anos seguintes ao início do processo de redemocratização do País. “No período pós-ditadura, na segunda metade dos anos de 1980, denominado ‘Nova República’, jovens artistas como os Titãs, Cazuza (Barão Vermelho) e Lobão expressavam em algumas das suas músicas sentimentos de desesperança e decepção com o Brasil que emergia da Ditadura Militar”, afirma.

Clodomir cita a canção “Carta à República” (1997), de Milton Nascimento e Fernando Brant, como um exemplo dessa desesperança. É possível percebê-la a partir de versos como “A esperança que a gente carrega/ É um sorvete em pleno sol/ O que fizeram da nossa fé?”. Há também o disco “V” (1991), da Legião Urbana, que se referencia ao governo de Fernando Collor de Mello - inflação em alta e confisco da poupança eram destaques negativos à época.


Voltando ainda mais no tempo nesse resgate histórico, música e política também se entrelaçaram durante o Estado Novo varguista. Clodomir Freire destaca o samba, usado pelo governo como “referência de nacionalidade”, mas que entrava em embate com ele ao se apresentar como “voz dissonante” da tentativa de glamourização do universo do trabalho.

A composição “O Bonde de São Januário”, de Wilson Batista e Ataulfo Alves, é um exemplo. Censurada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), a letra original, que falava “O bonde de São Januário/leva mais um sócio otário/só eu não vou trabalhar”, se tornou “O Bonde de São Januário leva mais um operário/Sou eu que vou trabalhar”.



Como lembra o pesquisador e jornalista Renato Contente, “o diálogo entre a canção brasileira e a situação sociopolítica do País nunca cessou, fosse antes ou depois da ditadura militar”. “A vanguarda paulista e o BRock, nos anos 1980, e o manguebeat, nos anos 1990, são exemplos pulsantes de movimentações significativas e de “protesto” pós-ditadura. Fora do mainstream ou da “elite cultural”, os exemplos são ainda mais numerosos, como o rap, o funk e as manifestações relacionadas sobretudo à cultura popular nordestina e nortista, que nunca se calaram diante das opressões e dificuldades que a população vivencia”, destaca.

Mas, afinal, por que, mesmo diante de repressões e ataques, artistas continuam resistindo e refletindo sobre o período em que vivem? Para o professor de história Clodomir Freire, os motivos para essa continuidade passam pelos entendimentos que os profissionais têm sobre a relação entre a arte e a liberdade - em que uma está intrinsecamente ligada à outra.

“Os artistas que emprestam sua obra à resistência, à denúncia e ao protesto o fazem por entender que a arte, que não se dissocia da liberdade, pode ser, para além do seu caráter lúdico, uma voz contrária a toda forma de dominação e um instrumento de transformação social. São, assim, reafirmamos, a voz dos que não possuem voz”, argumenta.

 

 

 Linha do tempo: um passeio para acompanhar a jornada da música cantando a política


 


>> Ponto de vista

A música sempre traduziu os momentos históricos

Por Marcos Sampaio *

Todos os grandes momentos da história brasileira foram retratados por artistas atentos aos seus momentos e, quando o assunto é música, ganharam trilha sonora. No entanto, nenhuma dessas trilhas é tão forte e marcante quanto a da ditadura militar.

Marcos Sampaio Jornalista do O POVO(Foto: O POVO)
Foto: O POVO Marcos Sampaio Jornalista do O POVO

Na mesma época em que o governo foi tomado por militares, nascia uma geração de artistas que acreditava que sua música tinha poder de transformação. Vindo das universidades, essa geração teve como palco os festivais de música que atraia milhares de pessoas para os auditórios e para a frente da televisão.

Com tamanha audiência, eles percebiam que o mais importante não era só rimar amor com flor. Era preciso combater canhões com notas musicais. Assim nasceu um rótulo, "música de protesto", que, como todos os outros rótulos, é limitador e claustrofóbico.

Artistas que foram etiquetados como "cantor de protesto" recusaram esse título por acreditar que eram só artistas mesmo. Protestar era uma obrigação cidadã, nunca um ofício, uma profissão.

Maria Bethânia, etiquetada ora como "cantora de protesto", ora como "cantora romântica", vê o amor como ato político, mistura rótulos e ignora todos. Chico Buarque, outro exemplo, pulou fora do barco da "música de protesto" cedo, deixado uma obra politizada ainda hoje requisitada.

Tanto que ele, e outros dos seus contemporâneos, são sempre cobrados para fazerem música criticando esse ou aquele candidato do agora. Mas pra que ele faria isso? O que foi feito segue sendo atual. Ainda lutamos pelo pão pra comer e pelo chão pra dormir, ainda agonizamos no meio do passeio público, ainda queremos ter voz ativa, no nosso destino mandar e Pedro ainda segue penseiro esperando o trem.

Marcos Sampaio é jornalista, crítico de música e editor do suplemento Vida&Arte do O POVO

 

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