No Nordeste, em tempos de estiagem, tudo o que resiste floresce também como símbolo de força. A rosa do deserto (Adenium obesum) é o exemplo perfeito: robusta, de flores exuberantes, cores vibrantes e caule espesso.
Conquista desde jardineiros iniciantes até colecionadores apaixonados. É uma flor que não apenas desafia o clima árido, mas se impõe sobre ele com suas formas elegantes e cores vivas, contrastando com a aridez ao redor.
Fortaleza vem se consolidando como um polo do cultivo e comércio da rosa do deserto. Com clima favorável e crescente interesse por jardinagem ornamental, a planta encontrou terreno fértil na Terra do Sol. Da varanda de apartamentos à entrada de casas, a planta já faz parte da paisagem urbana cearense, com presença marcante tanto pela beleza quanto pela resistência.
A combinação entre estética e adaptação climática criou uma verdadeira febre por essa planta, que vai muito além de uma moda passageira: é estilo de vida, é cuidado e é conexão com a natureza.
De acordo com Gilson Gondim, presidente da Câmara Setorial de Floricultura e Plantas Ornamentais de Fortaleza e fundador da empresa Brazil Plant, a rosa do deserto chegou por volta dos anos 2000, mas só começou a se popularizar realmente entre 2010 e 2015, quando começaram a surgir comunidades online de entusiastas e pequenos comerciantes. Em Fortaleza, a planta encontrou condições ideais para se desenvolver graças ao clima quente e estável.
A partir de experiências individuais, o cultivo foi se expandindo, ganhando destaque em feiras, floriculturas e, mais recentemente, em comércios especializados.
O mercado da rosa do deserto em Fortaleza é parte de um cenário muito maior: o crescimento da floricultura como segmento econômico relevante no Brasil. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Floricultura (Ibraflor), o setor movimentou cerca de R$ 10,9 bilhões em 2023, um salto significativo em comparação aos R$ 6,7 bilhões registrados em 2020.
O mercado da floricultura no Brasil
Desse montante, cerca de 80% da produção se concentra nas regiões Sudeste e Sul, mas o consumo tem crescido de forma expressiva no Nordeste, especialmente em capitais como a do Ceará.
“O mercado da floricultura cresceu mais de 60% nos últimos cinco anos. Houve um ‘boom’ durante a pandemia, mas o mais interessante é que o ele se manteve estável depois disso, indicando um amadurecimento do setor”, analisa Gilson Gondim.
Segundo ele, Fortaleza já representa cerca de 7% do mercado nacional em consumo de flores ornamentais, sendo um polo de destaque no Norte e Nordeste.
Esse crescimento está diretamente relacionado a uma mudança de mentalidade da população urbana. “Antes, planta era sinônimo de quintal e sítio. Hoje, ela está dentro do apartamento, em sacadas e varandas gourmet. Virou item de decoração e de bem-estar”, completa Gilson.
Ele também destaca que o cultivo da rosa do deserto teve um papel simbólico durante o isolamento social: “A rosa virou símbolo de superação. Muita gente encontrou nela uma forma de terapia e também de renda”.
Dentro desse mercado em expansão, surge a Rosa do Deserto Fortaleza. Localizada no bairro Guajeru, em Fortaleza (CE), a loja foi fundada por Fernando Coelho e suas duas irmãs, Renata e Érika Coelho, após interesse inicial no cultivo da planta como hobby.
Hoje, eles contam com viveiro próprio no município de Fortim (CE), equipe de mais de 30 pessoas em Fortaleza e uma rede de vendedoras on-line espalhadas por diversos estados brasileiros.
“A gente começou cultivando para uso pessoal, mas a demanda cresceu rápido. As pessoas queriam saber mais, comprar, aprender. Fomos profissionalizando tudo, desde a produção das sementes até o processo de enxertia e entrega”, explica Fernando.
Ele ressalta que o trabalho é artesanal e meticuloso. “A gente cultiva desde a polinização. Cada flor é resultado de um processo cuidadoso. Temos mais de 200 cores catalogadas. E por ser clone da planta mãe, conseguimos garantir exatamente o que o cliente vai receber. Isso faz diferença principalmente para colecionadores”.
O professor Bruno Edson, do curso de Ciências Biológicas da Universidade Estadual do Ceará (Uece), acrescenta que a qualidade genética e os cuidados na produção são determinantes no sucesso do cultivo.
“A rosa do deserto, se bem tratada, pode florescer durante meses. Mas para isso, precisa estar sob sol pleno, com substrato bem drenado e adubação correta. O processo de enxertia garante não só a cor, mas também o vigor da planta”.
O impacto da rosa do deserto na economia local vai além do comércio direto. Segundo Gilson Gondim, da Câmara de Floricultura de Fortaleza, a planta se tornou porta de entrada para um processo mais amplo de profissionalização no setor da floricultura. “Ela é fácil de cuidar, tem beleza exótica e é muito propagada nas redes sociais. Por isso, muita gente começa com ela e depois se aprofunda, fazendo cursos, aprendendo sobre nutrição vegetal, poda, enxertia. O hobby vira uma profissão”, explica.
Em 2022, o setor de flores e plantas ornamentais gerou mais de 250 mil empregos diretos e indiretos no Brasil, segundo levantamento da Ibraflor. E Gilson acredita que esse número pode ser ainda maior, considerando a informalidade no setor.
“Tem muita gente vendendo pelo Instagram, em feirinhas, no boca a boca. Isso movimenta uma cadeia enorme: desde produtores, vendedores e artesãos até fornecedores de vasos, substratos, adubos e embalagens”.
Além disso, as lojas especializadas também têm impulsionado a cadeia criativa e o turismo rural. A Brazil Plant, por exemplo, realiza visitas técnicas e cursos mensais voltados para iniciantes e colecionadores. Já a Rosa do Deserto Fortaleza investe em workshops e encontros de cultivadores, atraindo público de outros estados e movimentando a economia da cidade.
A rosa do deserto também movimenta um mercado de luxo: algumas variedades raras chegam a custar até R$ 5 mil, segundo relatos de colecionadores e comerciantes especializados no segmento premium.
Os preços mais altos geralmente envolvem exemplares com caules grossos (caldex avantajado), múltiplas flores simultâneas e pétalas de coloração escura, como o roxo profundo ou o preto.
“É um mercado com nichos muito definidos. Tem quem coleciona, quem quer cultivar para vender, quem só quer decorar. E tem também o público do luxo, que quer exclusividade, cor inédita, flor de simetria perfeita”, observa Renata Coelho, cofundadora da Rosa do Deserto Fortaleza.
Essa diversidade de perfis também se reflete nos canais de venda. As vendas físicas continuam fortes, especialmente em feiras e garden centers, mas os canais digitais ganharam protagonismo. De acordo com o Sebrae, mais de 70% dos produtores e vendedores de flores passaram a utilizar plataformas online ou redes sociais para comercialização desde 2021.
Para o professor Bruno Edson, o futuro do setor depende da inovação genética e da responsabilidade ambiental. “Já há estudos sobre usos cosméticos e agrícolas do látex da planta, apesar de ser tóxico. Mas o foco principal ainda é a estética. O importante é que esse crescimento seja acompanhado de capacitação e boas práticas de cultivo”.
Para além do comércio, o cultivo da rosa do deserto também floresce na vida de colecionadores apaixonados. É o caso de Eduarda Peres, 25, colecionadora e vendedora em Fortaleza (CE), que se encantou pela planta ao começar a trabalhar como vendedora em uma empresa especializada no comércio de rosas do deserto.
“Sempre gostei de plantas, mas não sabia da variedade e comecei a me apaixonar”, conta. O cultivo se tornou, inclusive, um apoio emocional importante: “Me ajudava na ansiedade e depressão”.
Sua primeira experiência com a rosa do deserto foi aos 17 anos, quando ganhou uma muda da avó. Já na vida adulta, Eduarda passou a cultivar com mais dedicação e hoje tem 30 mudas. “Perdi algumas, outras minha mãe e avó levaram, acaba que vira uma paixão de família.”
O que mais encanta a vendedora é a resistência da planta e a variedade de cores e formas. “Elas podem ficar um mês deslocadas e ainda assim sobreviverem, além da variedade de rosas, antes de começar não sabia que tinha tantas.” A favorita da sua coleção é a Dunhuang II. “Ela floresce amarela e desbota pro rosa, é fotocromática”, explica com entusiasmo.
A rotina de cuidados é constante. “Todo domingo eu adubo minhas mudas, toda manhã quando tomo café verifico se tá tudo certo com elas. Rega a cada 3 dias, adubação semanal, poda somente quando a chuva passa e troca de substrato a cada 6 meses.”
A dedicação é tanta que, inclusive, motivou mudanças práticas na vida: “O principal motivo de ter me mudado de casa foi pra ter um espaço melhor para elas”. Morar em uma casa com quintal era fundamental para garantir o sol necessário e evitar os alagamentos que prejudicavam suas plantas.
Quando perguntada sobre o que aprendeu com as rosas do deserto, ela responde de forma direta: “Paciência e muito conhecimento”.
Enquanto isso, o professor da Uece, Bruno Edson, enxerga na rosa do deserto um potencial que vai além do paisagismo. “Ela é uma planta muito interessante do ponto de vista da adaptação. Por ser uma suculenta originária de regiões áridas da África e do Oriente Médio, possui um sistema de armazenamento de água eficiente, o que a torna ideal para estudos sobre fisiologia vegetal e estratégias de sobrevivência em ambientes hostis”, explica.
Além disso, ele destaca o papel da rosa do deserto como ferramenta pedagógica. “É uma planta que desperta curiosidade. Podemos usá-la para ensinar morfologia de caule, folhas, flores, processos de fotossíntese, de floração induzida e até mesmo técnicas de enxertia. E como ela é esteticamente bonita, o aluno se engaja mais”, afirma Bruno.
Para ele, o fenômeno social em torno da planta também merece atenção. “A rosa do deserto carrega um valor simbólico forte. É uma flor que floresce em condições difíceis. Não é à toa que ela ganhou tanta força no imaginário coletivo, especialmente no pós-pandemia. Representa uma ideia de resistência, de beleza em meio à escassez”, reflete.
Ele ainda aponta que esse fenômeno também oferece oportunidades para estudos em áreas como etnobotânica, psicologia ambiental e cultura material.
“É interessante ver como uma planta pode ocupar o lugar de amuleto, de objeto de desejo ou de ferramenta terapêutica. Ela não é só decorativa, ela dialoga com as emoções das pessoas”, conclui.
A rosa do deserto pertence à família Apocynaceae, originária das regiões áridas da Península Arábica e da África, entre o deserto do Saara, ao norte, e a savana do Sudão, ao sul. Seu cultivo, antes restrito a essas regiões, começou a ganhar o mundo com a globalização do mercado de plantas ornamentais.
Essa trajetória foi reforçada ainda mais durante a pandemia da Covid-19, quando o interesse por jardinagem e autocuidado cresceu substancialmente em centros urbanos como a capital cearense, devido à necessidade física e mental das pessoas de se ocuparem com algo durante um momento tão sombrio da humanidade.
Além da mais conhecida Adenium obesum, há diversas outras espécies, como a Adenium arabicum, Adenium multiflorum e a Adenium boehmianum. Cada uma possui características próprias, como o formato das flores, espessura dos galhos ou o tom das folhas.
Rosa do deserto Maria Flor de floração cor rosa claro
Rosa do deserto Céu Estrelado de floração cor roxo escuro
Rosa do deserto Anchieta de floração cor vinho
Com flores que vão do rosa ao branco, roxo, vinho e até tons pretos, a planta encanta por sua aparência e resistência. Seu caule engrossado, conhecido como caldex, armazena água e nutrientes, em uma adaptação natural às secas prolongadas. É justamente essa estrutura que lhe dá uma estética tão única.
Na sua composição, a rosa do deserto apresenta veneno em todas as partes, especialmente nas raízes, caule e seiva. Essas substâncias tóxicas podem causar irritação na pele e, se ingeridas, problemas digestivos.
Porém, de acordo com as fontes entrevistadas para essa reportagem, o sabor identificado como extremamente amargo quase impossibilita a ingestão da planta e possíveis adversidades. Assim, a rosa do deserto torna-se segura para se ter em casa, tanto para os humanos, quanto para os pets.
Além da beleza, há simbolismo. Uma lenda árabe fala de um xeique que oferecia a suas esposas tudo o que o dinheiro poderia comprar. Quando perdeu sua fortuna, ele vagou pelo deserto à procura de outro presente sem interesse financeiro, encantando-se com a beleza da rosa e levando-a como um símbolo de amor puro e verdadeiro.
Além desse significado, dizem que a flor simboliza a força para seguir em frente, mesmo nos momentos mais difíceis.
Cultura e cuidados: como cultivar e cuidar
O substrato ideal
1.Parte de areia grossa de construção
2.Parte de carvão vegetal triturado
3.Parte de casca de arroz carbonizada ou perlita
4.Parte de terra vegetal peneirada
Cuidados com a rega
O objetivo é garantir que, ao regar, a água escorra em poucos segundos, sem empoçar. O processo pode ser feito em camadas dentro do vaso, colocando-se primeiro uma camada de pedrinhas no fundo para garantir a drenagem, seguida pelo substrato
Tempo de sol
O toque final é posicionar a planta em local com pelo menos quatro horas de sol direto por dia. Ao tocar o solo e perceber que ele está seco, é hora de regar novamente
Para cultivar bem uma rosa do deserto, é essencial recriar, dentro do possível, as condições naturais do seu habitat de origem. A planta exige sol direto e solo bem drenado.
A combinação de luz, substrato correto e rega controlada é o segredo para ver a rosa do deserto florescer com vigor. "O barro seria totalmente o contrário do que ela precisa", alerta Fernando, produtor da loja Rosa do Deserto Fortaleza.
Em Fortaleza, a ausência de grandes variações de temperatura favorece o florescimento contínuo. O professor de Botânica Bruno Edson explica que “o florescimento pode durar de dois a quatro meses, se a planta estiver sob sol pleno, com substrato apropriado e adubação correta”. Há inclusive fertilizantes específicos para prolongar a floração.
A propagação pode ser feita por sementes ou enxertia. Para quem está começando, a propagação por sementes pode ser mais acessível, pois exige menos conhecimento técnico.
No entanto, há o desafio da imprevisibilidade: não é possível saber exatamente qual será a flor resultante, já que pode haver variações genéticas significativas. Além disso, o crescimento é mais lento e pode levar anos até que a planta atinja o estágio de floração.
Já a enxertia, apesar de exigir mais técnica, oferece maior controle sobre o resultado. Com esse método, é possível garantir a cor e o tipo da flor, já que se utiliza uma mudinha (enxerto) de uma planta com características desejadas, inserida em outra com maior rusticidade (porta-enxerto).
Essa combinação entre técnica e natureza revela não apenas um cultivo, mas um modo de relação entre pessoas e plantas. Seja optando pela semeadura ou pela enxertia, cada método envolve escolhas baseadas em expectativas e objetivos.
Em Fortaleza, onde o clima funciona como uma estufa natural, as condições estão lançadas para um futuro ainda mais florido. A rosa do deserto, com sua força silenciosa, continua brotando onde antes só havia aridez: nos jardins, nas sacadas e na vida de quem decidiu florescer com ela.