A última semana foi movimentada no mundo da Paleontologia, principalmente no que tange os insetos fósseis do Cariri. Os insetos são o grupo mais diverso em espécies do Cariri, com cerca de 378 espécies registradas - uma das razões é a conservação excepcional na Bacia do Araripe, que facilita a preservação de seres mais delicados, como insetos e plantas.
Em apenas uma semana, a região protagonizou a descoberta de uma nova espécie de cigarra, novas suspeitas da importação de fósseis para a França e a notícia de retorno da Cretapalpus vittari para casa. Vamos lá:
Grudadinha a uma samambaia pré-histórica (Ruffordia geoppertii), paleontólogos da Universidade Regional do Cariri (Urca) encontraram uma nova espécie de cigarra nas lâminas de calcário da Formação Crato. Do Cretáceo inferior, entre 145 milhões e 100,5 milhões de anos atrás, a Hallex martinsnetoi é a nova espécie representante do gênero Hallex de cigarrinhas — até então, apenas seis espécies do gênero foram descritas na região.
Para os padrões da Bacia do Araripe, é menos comum encontrar cigarras nas rochas da formação, que já garantiu diversos espécimes de libélulas, baratas e grilos fósseis. No entanto, o mais interessante da descoberta é o fato de a
“Não é muito comum encontrar associação entre organismos”, comenta o paleontólogo Renan Bantim, professor temporário na Universidade Regional do Cariri (Urca) e um dos autores da pesquisa. Segundo ele, assim como animais maiores geralmente são descritos a partir de pedaços isolados do esqueleto, os insetos costumam ser encontrados solitários.
Mas a cigarrinha da vez não apenas estava acompanhada de uma samambaia, como também por marcas de alimentação na planta.
“Pode ter sido uma coincidência também”, destaca o pesquisador. Por outro lado, há uma possibilidade ainda maior de o inseto e a planta indicarem “interação ecológica entre organismos”, uma pista essencial para se imaginar quais eram as condições do ambiente passado.
“Diferente do estudo de dinossauros e grandes répteis, o estudo de insetos traz mais possibilidades de trazer mais inferências ecológicas sobre o ambiente”, explica. A partir disso, os pesquisadores podem comparar os hábitos das cigarrinhas atuais com as das antigas para compreender, por exemplo, como era o clima do Cariri há milhões de anos atrás.
Foi o que uma pesquisa de 2020 da paleontóloga Arianny Storari fez ao analisar uma mortandade em massa de efêmeras do Cariri. Com a descrição de uma nova espécie de efêmera (um inseto que, ao chegar à fase adulta, vive apenas o suficiente para se reproduzir), a pesquisadora pôde identificar que o aumento rápido da temperatura na água matou milhares do grupo por
Em um fio no Twitter, o paleontólogo Juan Cisneros, da Universidade Federal do Piauí (UFPI), alertou para a publicação de cinco pesquisas científicas da França que analisam insetos fósseis do Cariri. Nenhuma das pesquisas dá indicações de como os materiais chegaram aos acervos dos museus, assim como não têm participação ou reconhecimento de pesquisadores brasileiros.
“(Acompanhar os estudos) É um hábito que está relacionado ao nosso trabalho, para continuarmos atualizados”, explica Cisneros. Nesse processo, identifica-se quase facilmente estudos que não apresentam os documentos de exportação dos fósseis, além daquelas que têm envolvimento apenas de pesquisadores estrangeiros.
"Só o fato de serem estudos feitos (apenas) por estrangeiros já é uma questão bem complicada, porque é uma exploração de um recurso de outro país."
“Desde que comecei a estudar Paleontologia, há mais de vinte anos, vivo vendo esses estudos aparecendo. Nós sabemos que está tudo errado neles se eles nunca reportam nenhum tipo de autorização de coleta e de exportação. E só o fato de serem estudos feitos (apenas) por estrangeiros já é uma questão bem complicada, porque é uma exploração de um recurso de outro país”, comenta o pesquisador.
Dentre os fósseis sem origem explicada, está a descrição das novas espécies de libélula, a Araripelibellula sennlaubi e a Primumaeshna britta, pelos pesquisadores André Nel e Jean-Marc Pouillon; ambos do Museu de História Natural e Etnografia, em Colmar (França). Os mesmos paleontólogos, além do pesquisador Corentin Jouault, também participaram da descrição da vespa Cratosirex sennlaubi, que também está no acervo do museu de Colmar.
Por último, o fóssil da vespa Curiosivespa sennlaubi também está no museu de Colmar, com descrição de André, Corentin e os pesquisadores Alexandr Rasnitsyn e, novamente, Jean-Marc Pouillon.
"Muitos pesquisadores, principalmente os estudantes, acabam caindo nesses problemas sem saber."
Já a Prosyntexis sennlaubi, nova espécie de hymenoptera (a família das vespas, abelhas e formigas) descrita por André e Corentin, estaria no acervo do Museu Nacional de História Natural (MNHN), em Paris. Ao O POVO, o museu explicou que o fóssil segue na coleção particular de Markus Sennlaub, à espera para ser depositado no acervo do Museu de Colmar. Por isso, o MNHN não teria documentos explicando a origem do fóssil. “Mas estamos negociando com um museu brasileiro para que seja depositado nele, e não em Colmar”, afirmou o MNHN por assessoria.
O POVO também contatou o Museu de Colmar para averiguar a existência de quaisquer documentos que expliquem a saída dos fósseis do Brasil e atualizará esta reportagem quando obtiver retorno.
Apesar de apresentar os nomes dos pesquisadores, Cisneros destaca que nem todos sabem que estão trabalhando com fósseis provavelmente traficados - principalmente os estudantes, geralmente induzidos ao antiético pelos orientadores. Um exemplo é o doutorando do MNHN, Corentin Jouault, um dos envolvidos na descrição da Curiosivespa, da Cratosirex e da Prosyntexis. “Muitos pesquisadores acabam caindo nesses problemas sem saber”, reflete o paleontólogo.
No fio do Twitter, Cisneros até marcou Corentin, na tentativa de explicar as razões para os fósseis serem patrimônios brasileiros. “Depois disso, ele entrou em contato comigo e ele explicou que ele realmente entende a questão agora. Ele se deu conta de que isso não deveria ter acontecido desse jeito e já estava procurando opções de como transferir esses fósseis de volta ao Brasil”, comemora.
Apesar dos vários casos suspeitos e da dificuldade de conseguir a repatriação da maioria dos materiais, a aranha Cretapalpus vittari - que homenageia a drag queen Pabllo Vittar - finalmente voltará para casa. O retorno foi possibilitado por negociações entre os paleontólogos Renan Bantim, da Universidade Regional do Cariri (Urca), e Rodrigo Pêgas, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, com a Universidade do Kansas (EUA).
Diferente do caso do Ubirajara jubatus, o pesquisador Matthew R. Downen, autor principal da descrição da aranha quando estava no doutorado, se colocou à disposição para discutir a repatriação do fóssil da Cretapalpus para o Brasil.
The Crato fossil spider I described is being returned to Brazil! Thank you @RenanBantim and @pegasaurus_42 for reaching out to me and initiating repatriation. Science can advance so much more when we use ethical practices and collaborate. https://t.co/T2wg8BpBWq
— Matthew R Downen, PhD (@the_mattydyo) September 29, 2021
“Ele mesmo percebeu que tinha feito algo errado após a publicação do fóssil e até postou um tweet explicando que se sentia mal por ter feito isso. Eu achei muito admirável da parte dele”, comenta o paleontólogo Juan Cisneros.
Além da Cretapalpus, outros 35 fósseis de aranhas retornarão ao Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, conta ao O POVO o professor Renan Bantim. Elas correspondem a toda a coleção de fósseis caririenses da Universidade do Kansas.
Todos os materiais já chegaram ao Brasil, aguardando agora para serem encaminhados do Rio de Janeiro para o Ceará. "Foi tudo amigavelmente, num acordo entre instituições, sem necessidade de envolver nenhum processo jurídico", comemora Renan. Logo mais, os fósseis estarão no Museu Paleontológico Plácido Cidade Nuvens - que foi declarado, no dia 30 de setembro de 2021, como patrimônio cultural de Santana do Cariri (CE).
Reportagens do O POVO exploram o universo dos fósseis do Brasil e do mundo