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Antártica em chamas: o incêndio florestal há 75 milhões de anos
Reportagem Seriada

Antártica em chamas: o incêndio florestal há 75 milhões de anos

Pesquisa brasileira encontra pistas de um incêndio florestal na Antártica no período Cretáceo superior. A partir dela, os paleontólogos abrem novas possibilidades de perguntas e paralelos com a crise climática atual
Episódio 10

Antártica em chamas: o incêndio florestal há 75 milhões de anos

Pesquisa brasileira encontra pistas de um incêndio florestal na Antártica no período Cretáceo superior. A partir dela, os paleontólogos abrem novas possibilidades de perguntas e paralelos com a crise climática atual
Episódio 10
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Quem olha o deserto antártico mal pode acreditar que há 75 milhões de anos a paisagem era de florestas copiosas, de grandes coníferas e angiospermas "Representadas por pinheiros e araucárias (coníferas) e as plantas que têm frutos e flores (angiospermas)." . Ainda, quem imagina o frio entre -10°C e -60°C pode achar difícil crer que essas florestas um dia pegaram fogo — a ponto de deixar marcas fósseis.

Milhões de anos se passaram e pesquisadores de instituições brasileiras, incluindo a Universidade Regional do Cariri (Urca), e do Museu de História Natural Senckenberg (Alemanha), encontraram evidências fósseis que provam a ocorrência de incêndios florestais na Antártica, durante o Cretáceo superior.

Paleoarte de reconstrução da Antártica no Cretáceo superior, durante o incêndio florestal. Na imagem, o incêndio foi provocado por atividade vulcânica.(Foto: Maurílio Oliveira)
Foto: Maurílio Oliveira Paleoarte de reconstrução da Antártica no Cretáceo superior, durante o incêndio florestal. Na imagem, o incêndio foi provocado por atividade vulcânica.

“São novas evidências de que a Antártica era coberta de floresta densa e era mais quente. E também de que a vegetação era acometida por incêndios espontâneos", explica a paleontóloga e líder da pesquisa Flaviana Lima, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em entrevista coletiva. A pesquisa, publicada na quarta-feira, 20 de outubro, na revista científica Polar Research, é inédita e essencial para o entendimento climático do planeta.

Fóssil encontrado durante escavação na Antártica.(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Fóssil encontrado durante escavação na Antártica.

Com isso, a comunidade científica pode criar paralelos das dinâmicas climáticas do passado com a crise que vivemos atualmente. “A certeza e a clareza dos impactos que estamos causando ainda não é mensurável”, comenta o pesquisador André Jasper, da Universidade do Vale do Taquari (Univates).

Mas no momento que existem dados sobre as tendências climáticas naturais, é possível identificar o quanto a interferência humana está impactando o meio ambiente.

“Qualquer variação climática envolve alguma extinção como resposta”, menciona o paleontólogo Álamo Saraiva, da Urca. Ele exemplificou como para a megafauna do Quaternário na América do Sul — quando existiam tigres dente-de-sabre, tatus e preguiças gigantes — foi necessário “apenas” uma mudança abrupta de temperatura (do mais frio ao mais quente) para extinguir boa parte destes animais.

Se continuarmos da forma que estamos, o nosso futuro é um colapso”, alerta Jasper.

 

 

70 dias de expedição na Antártica

O acampamento estava localizado no nordeste da Ilha James Ross, na península Antártica.(Foto: Edson Vandeira)
Foto: Edson Vandeira O acampamento estava localizado no nordeste da Ilha James Ross, na península Antártica.

Mas o que o Brasil tem a ver com a Antártica? Como é possível que antigamente o território era cheio de florestas? E porque os pesquisadores foram tão longe para identificar incêndios florestais?

Tudo faz sentido ao viajarmos no tempo: para o período Cretáceo superior, há 75 milhões de anos, quando o mundo ainda era dividido por dois supercontinentes. Um era a Gondwana, constituída pelo que hoje chamamos de América do Sul, África, Oceania e Antártica. Outro era a Laurásia, com os continentes do hemisfério norte, como América do Norte, Europa e boa parte da Ásia.

Ou seja, Brasil e Antártica estavam unidos. Por isso, a pesquisa envolvendo o continente congelado diz muito sobre as dinâmicas do hemisfério sul. No Ceará, outra pesquisa sobre incêndios florestais no Cretáceo superior já tinha sido desenvolvida, sendo uma das poucas do tipo no sul do planeta.

Dividiram o acampamento seis pesquisadores brasileiros, cinco pesquisadores de outros projetos e mais três alpinistas que cuidavam da segurança do grupo.(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Dividiram o acampamento seis pesquisadores brasileiros, cinco pesquisadores de outros projetos e mais três alpinistas que cuidavam da segurança do grupo.

Diferente da condição sulista, o hemisfério norte tem mais de cem anos em estudos sobre incêndios florestais dentro da paleontologia. “O fogo era um aspecto global durante o Cretáceo, mas não tínhamos dados suficientes do hemisfério sul para comparar com os do norte. Isso demonstra como a ciência precisa ser internacional, com parcerias internacionais”, destaca o pesquisador alemão Dieter Uhl, do Museu de História Natural Senckenberg.

Como a Antártica é um território com pouca alteração durante os períodos, os paleontólogos decidiram continuar a busca mais intensiva por incêndio florestais por lá. Foram 70 dias de expedição pelo projeto Paleoantar, do Museu Nacional do Rio de Janeiro (MN-RJ) com apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).


 

Uma tonelada de fósseis e muito carvão!

A expedição ocorreu entre dezembro de 2015 e fevereiro de 2016, totalizando 70 dias. Deles, 43 foram acampados na Ilha James Ross, um local mais distante da estação brasileira na Antártica.

Pesquisadores brasileiros em campo na Antártica. Da esquerda para a direita: Luiza Ponciano, Alexander Kellner e Luiz Weinschütz.(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Pesquisadores brasileiros em campo na Antártica. Da esquerda para a direita: Luiza Ponciano, Alexander Kellner e Luiz Weinschütz.

“Estar na Antártica é muito diferente de estar em qualquer outro lugar. A cada dia se renova a esperança de achar fósseis”, relembra Rodrigo Figueiredo, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Ele foi um dos seis pesquisadores "Alexander Kellner, Juliana Sayão, Luiza Ponciano, Luiz Weinschütz, Rodrigo Figueiredo e Taissa Rodrigues."  do Paleoantar na expedição, junto com outros cinco pesquisadores de diferentes projetos e três alpinistas "Edson Vandeira, Ricardo Leizer e Renato Dias - eles garantiram a segurança dos pesquisadores durante a expedição." .

Durante os 43 dias, a equipe escavou uma tonelada de macro e microfósseis que, mais tarde, foram analisados em laboratório. O que mais chamou a atenção deles, ainda em campo, foi a presença de fósseis parecidos com o carvão vegetal usado em churrascos, do tamanho de uma moeda de um real.


 

A paleontóloga Flaviana Lima explica que esses são os fósseis dos troncos queimados. Usando um microscópio eletrônico de varredura, eles foram capazes de analisar as paredes celulares das plantas fossilizadas, identificando-as como da família de gimnospermas Araucárias. Também a nível microscópico, eles conseguiram identificar que a planta tinha queimado antes de ser fossilizada.

“Não sabemos ainda quanto tempo os incêndios duraram. Precisamos saber qual a frequência desses incêndios, coletar mais fósseis em outros locais”, diz a líder da pesquisa. Pode até parecer que a equipe tem poucas respostas, mas é justamente esse o rumo natural da ciência: formular perguntas constantes e, aos poucos, encontrar as soluções.

 

 

O potencial da pesquisa científica brasileira

Durante a entrevista coletiva de apresentação do estudo, os pesquisadores das diferentes instituições brasileiras ressaltaram como a pesquisa inédita demonstra o potencial e qualidade da ciência nacional.

“Nós temos condições de fazer pesquisa. Falta um bom oculista que cure a miopia dos nossos políticos”, comenta o paleontólogo Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional, sobre a falta de investimentos em ciência pelo Governo Federal.

A publicação vem algumas semanas após o corte de 92% dos recursos destinados à Ciência, aprovado pelo Congresso Nacional no dia 7 de outubro. A porcentagem equivale ao corte no total de R$690 milhões reservados para o MCTI, principalmente para bolsas e para o CNPq; agora, apenas R$55,2 milhões serão investidos.

Participaram do estudo pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Museu Nacional/UFRJ, Universidade do Vale do Taquari (Univates), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Centro Paleontológico da Universidade do Contestado (Cenpaleo) e Universidade Regional do Cariri (Urca).

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