Por muito tempo, reportagem foi sinônimo de tempo. Tempo para ouvir, para investigar, para voltar ao lugar da história. Para questionar e reescrever.
Hoje, com as engrenagens do mundo digital girando em velocidade vertiginosa, o jornalismo se vê diante do desafio de permanecer relevante sem perder a profundidade. No cenário do consumo acelerado, a reportagem resiste — e precisa continuar resistindo.
O tempo é curto, a atenção é disputada e a velocidade dita o ritmo da informação. Mas há quem escolha parar, ouvir, investigar. E quem escolher parar e ler. A reportagem aprofundada — aquela que exige fôlego, contexto e escuta — ainda encontra seu espaço mesmo na lógica apressada do digital.
Cinco anos após o lançamento do O POVO+, plataforma de streaming do O POVO, esta reportagem especial revisita os caminhos e a relevância desse formato no jornalismo contemporâneo.
O que significa, hoje, contar uma boa história com calma, apuração rigorosa e profundidade? E por que isso ainda importa — talvez mais do que nunca? Use o menu abaixo para ler partes específicas da matéria:
Por trás das telas, das plataformas multimídia, dos alertas instantâneos e da avalanche de dados que atravessam o cotidiano de quem consome notícias no século XXI, ainda há uma convicção persistente: a de que a reportagem é a espinha dorsal do jornalismo.
Para o professor Ronaldo Salgado, jornalista e um dos principais nomes da formação de profissionais no Ceará, não há como dissociar reportagem de aprofundamento: “Toda reportagem, por definição, é aprofundada. Ela precisa ser”.
Salgado, de 68 anos, nasceu no Crato e mudou-se para Fortaleza na década de 1970. Graduou-se em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), entre 1976 e 1979, e voltou à instituição como professor efetivo em 1992.
Desde então, formou gerações de jornalistas, coordenou por muitos anos a revista Entrevista — um projeto-laboratório premiado nacionalmente — e se notabilizou como defensor do jornalismo narrativo, autoral e ético. É dessa perspectiva que ele analisa os dilemas enfrentados pelo jornalismo contemporâneo, especialmente no contexto digital.
“A reportagem sempre foi, para mim, o núcleo essencial da atividade jornalística. Ela é o gênero mais completo porque responde não só às perguntas do
Ao refletir sobre o atual momento do jornalismo, Ronaldo identifica o que chama de uma “crise de transição” entre o modelo tradicional — centrado no impresso e na temporalidade das edições — e o modelo digital, que exige respostas rápidas, conteúdos otimizados para algoritmos e uma presença contínua nas redes.
"A reportagem é o gênero mais completo porque responde não só às perguntas do lide, mas ao porquê, ao como, ao contexto, às contradições."
“O jornalismo que marcou o século XX era profundamente vinculado ao tempo da escuta. O repórter saía da redação, voltava com um caderno cheio de anotações, dias depois entregava uma grande reportagem. Isso mudou. Hoje, a lógica é outra.”
É nesse ponto que se insere a missão de plataformas como O POVO+, que nasceu em meio à pandemia com a proposta de oferecer conteúdo exclusivo, aprofundado e multiformato para assinantes, mantendo viva a tradição da boa apuração, mas adaptando-se aos novos tempos.
Parte do conteúdo é republicado no jornal impresso, mas a experiência digital permite outros recursos: vídeos, podcasts, infográficos, textos de fôlego que se combinam com elementos interativos e narrativas transversais.
Para Ronaldo, essa combinação pode ser promissora — desde que não se perca a essência do ofício: “O que se vê é uma pluralidade de linguagens que ainda está em processo de conformação. A linguagem jornalística digital ainda está buscando sua identidade definitiva. Mas vejo com bons olhos essa tentativa de ampliar a experiência do leitor, de permitir que ele leia, ouça, veja, interaja. Isso pode enriquecer a reportagem, desde que haja rigor, responsabilidade e clareza sobre o que é jornalismo”.
Quando o assunto é inteligência artificial, Ronaldo adota uma postura cautelosa. Ele reconhece o potencial da tecnologia como ferramenta, mas alerta para os riscos de um jornalismo automatizado e sem alma.
“A inteligência artificial pode ajudar, pode acelerar processos, pode sugerir caminhos. Mas ela não substitui o olhar do repórter, não substitui a escuta, não substitui o repertório cultural e ético que um jornalista carrega. O jornalismo é feito por gente e precisa continuar sendo.”
"Vejo com bons olhos essa tentativa de ampliar a experiência do leitor, de permitir que ele leia, ouça, veja, interaja. Isso pode enriquecer a reportagem."
O que está em jogo, segundo ele, é o próprio sentido da profissão. “A grande questão do jornalismo hoje não é só tecnológica, é também existencial. Qual o lugar do repórter? Qual o valor do tempo de apuração? Como equilibrar profundidade e agilidade? Como resistir à banalização da informação, à ditadura da viralização, à tentação do clique fácil?”
Ronaldo não traz respostas prontas, mas reafirma uma certeza: a boa reportagem seguirá essencial. “As grandes reportagens sempre foram aquilo que movia o coração e a mente dos jornalistas. Porque elas permitem mergulhar na complexidade dos fatos, ouvir vozes distintas, cruzar dados, fazer contrapontos. Elas dão ao leitor a possibilidade de entender — e não apenas de saber. E isso, em qualquer tempo, é insubstituível.”
A experiência de quem passou por redações e salas de aula permite que Salgado defenda que “a reportagem em profundidade explica, fundamenta, contextualiza, equaciona, permite que haja uma pluralidade de observações, de contextos, de vários ângulos de abordagem. Isso demanda tempo. Não pode ser ao sabor da instantaneidade. O tempo da reportagem requer maturação, não é liquefeito.”
É nesse ponto que ele enxerga a crise de identidade da profissão: “Hoje, cada pessoa se acha no direito de dar uma informação, uma opinião, fazer uma interpretação sobre um fato. Isso nos coloca num processo de reflexão muito grande.”
E é também nesse ponto que o jornalismo precisa se reavaliar, se reconstruir: “O jornalismo vem sofrendo modificações profundas, não só no seu processo empresarial, mas em termos de linguagem, de sintaxe, de gramática jornalística. É preciso reaprender a escrever, a apurar, a divulgar. A dar conta da complexidade das coisas.”
A liquidez, que parece moldar as dinâmicas contemporâneas, também invade a rotina das redações, precarizando o tempo e a qualidade do fazer jornalístico. “Há empresas em que o repórter é também o motorista, o fotógrafo, o videomaker, o redator, o editor... uma só pessoa passa a fazer o que antes era feito por uma estrutura de redação.”
"É preciso reaprender a escrever, a apurar, a divulgar. A dar conta da complexidade das coisas."
Mas ele alerta: “A alma do repórter não necessariamente significa que ele vai dar conta, narrativamente, de escrever um texto que impacte, que impressione. É preciso formação, sensibilidade, tempo. Reportagem é fronteira entre jornalismo e literatura.”
Neste aniversário de cinco anos do O POVO+, as palavras de Ronaldo Salgado são um respiro que lembra que, mesmo diante da velocidade, da fragmentação e das mudanças de suporte, o jornalismo permanece. E, com ele, a reportagem — esse gênero que exige tempo, corpo e escuta — continua sendo o que sempre foi: uma mediadora de histórias.
A defesa apaixonada da reportagem — essa “forma maior do jornalismo”, como o professor sugere em cada frase — é também uma defesa da democracia, da memória e da linguagem como forma de estar no mundo. Contra o tempo liquefeito, ele nos lembra: o jornalismo ainda pode ser rocha. Mas é preciso querer escavar.
Nos últimos cinco anos, desde o lançamento da plataforma O POVO+, o jornalismo cearense viu emergir um espaço de experimentação e profundidade em meio ao caos informacional.
Em uma paisagem marcada pela instantaneidade, pelo excesso e pela pressa, o produto nativo digital do jornal O POVO tem se proposto a ser uma fresta de fôlego. Não por acaso, é com entusiasmo crítico que a professora Ana Cláudia Peres observa os caminhos dessa iniciativa.
Formada em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com passagens marcantes pela redação d’O POVO (lugar que chama carinhosamente de escola) e uma sólida trajetória acadêmica desenvolvida na Universidade Federal Fluminense (UFF), Peres voltou ao Ceará em 2024. Agora, como professora universitária, carrega consigo uma visão afiada e sensível sobre o papel do jornalismo no tempo presente.
Para ela, a existência de plataformas como O POVO+ é “quase uma vingança particular contra os burocratas da informação”.
E justifica: “Esses que nunca viram que no jornalismo há também espaço para extrapolar alguns limites, ir além do factual, mergulhar no coração da linguagem, brincar com a linguagem, ter coragem para subverter valores-notícia ultrapassados e apostar em outras formas de narrar.”
O que Ana Cláudia Peres defende vai além do simples formato; trata-se de uma postura diante do mundo. Um jornalismo que ousa recusar a lógica da produtividade pela produtividade, que não tem medo de se deixar afetar pelo que vê, ouve e experimenta.
Ela diz: “Acho que há um cansaço daquele jornalismo cheio de certeza e autoridade, que segue tentando enquadrar o mundo e, pior, refém da técnica ou da tecnologia, e que, no entanto, não passa de enfadonho.”
Para a professora, o texto continua sendo o grande trunfo do jornalismo — mas não qualquer texto. “Não o texto ensinado nos manuais de redação, que apenas obedece a regras e ao velho fetiche da objetividade, imparcialidade, neutralidade”, afirma.
Em vez disso, ela propõe uma escrita que acolha a presença do jornalista como parte do processo, uma narrativa que convide o leitor a sentir e refletir.
“Um texto testemunhal, por exemplo, aquele em que o jornalista não apaga os seus percursos e em vez disso elabora a sua presença na cena, levando o leitor a um só tempo a experimentar o acontecimento e crer no que lhe foi dito, é um alívio e uma ferramenta poderosa para colocar sujeitos em relação.”
Essa relação, para Peres, é quase espiritual. “Parafraseando o poeta, gosto de pensar que o bom texto é uma forma de oração – oração aqui no sentido mais sublime mesmo, de me colocar em contato com o outro, de me pôr em relação com outras pessoas, outras gentes, outras histórias de vida.”
"Parafraseando o poeta, gosto de pensar que o bom texto é uma forma de oração."
Na sua crítica à superficialidade de conteúdos formatados apenas para cumprir métricas digitais, Ana Cláudia é contundente: “Prefiro a rima à métrica.” A frase resume uma escolha estética e política: um jornalismo que aposta no lirismo, na escuta, na composição cuidadosa da experiência.
Peres celebra quando encontra esse tipo de narrativa no O POVO+, como em reportagens que “trazem uma cartografia musical de Fortaleza”, quando uma história “não cabe em caixinhas e me apresenta Elza e Almir, dois apaixonados em meio a um diagnóstico que lhes rouba a memória”, ou “uma investigação rigorosa sobre o impacto dos agrotóxicos vai além das intrigas palacianas”.
Ana Cláudia enxerga, porém, os desafios estruturais que cercam essas iniciativas. “Só lamento que, no atual modelo de negócios do jornalismo, ainda seja um produto de acesso restrito — mas essa é uma outra conversa”, aponta.
A crítica se expande para o uso da tecnologia, que muitas vezes aprisiona em vez de libertar. “Deveria ser assim: a tecnologia em favor da narrativa, das histórias que pretendemos contar, e não o contrário.”
Ela defende o jornalismo que, mesmo imerso nas transformações do presente, mantém compromisso com a experiência, com o tempo da escuta, com a mediação afetiva entre repórter, fonte e leitor.
“Uma simples reportagem longa, que apenas encadeia aspas ou um dado atrás do outro, me diz pouco. Um texto que valoriza a experiência, aquilo que se passa em campo entre entrevistadores e entrevistados e que depois será narrado para o leitor, isso sim é revolucionário.”
"Acontece que eu ainda considero o jornalismo — nas muitas formas de exercê-lo hoje — a melhor profissão do mundo."
No contexto universitário, Ana Cláudia se vê em uma espécie de diálogo permanente entre crítica e esperança. “Talvez eles [os estudantes] estejam menos perdidos do que o mercado do jornalismo”, provoca, com o humor ácido que lhe é característico. Ao mesmo tempo, reconhece os desafios dessa formação.
“Como falar de um jornalismo que se importa? Como pensar o jornalismo em meio às múltiplas subjetividades do contemporâneo, se conceitos como objetividade, neutralidade, imparcialidade ainda rondam a prática jornalística como um fantasma?”
Mesmo assim, ela acredita. Crê na potência do jornalismo como ofício transformador, mesmo diante das redações precarizadas, do avanço das inteligências artificiais e da sedução das redes sociais.
“Ontem mesmo, lendo com alunos essa pérola despretensiosa do Prêmio Nobel de Literatura, que era também jornalista, em que ele diz ser o jornalismo ‘o melhor ofício do mundo’, nos perguntávamos sobre todas essas questões”, conta. E completa: “Acontece que eu ainda considero o jornalismo — nas muitas formas de exercê-lo hoje — a melhor profissão do mundo.”
Ao longo dos cinco anos do O POVO+, uma das frentes de atuação da plataforma tem sido exatamente essa: manter viva a tradição da grande reportagem, com espaço para escuta e desenvolvimento de narrativas complexas, como a cobertura ambiental que vai além de tragédias e efemérides.
Para Maristela Crispim, jornalista, professora do curso de Jornalismo da Unifor e idealizadora da Eco Nordeste – Agência de Conteúdo, a profundidade é um dever ético da profissão.
“Não existe reportagem ambiental sem profundidade”, afirma, com a precisão de quem faz dessa prática sua bandeira. “Tanto a pauta ambiental precisa estar presente no dia a dia das pessoas, porque a gente só valoriza e preserva aquilo que conhece, quanto a profundidade é necessária para dar elementos para formação de uma análise crítica por parte da audiência”, explica.
A jornalista observa que muitas vezes o público interessado em entender determinado tema esbarra numa barreira de superficialidade: “Quem nunca pesquisou algo no Google e só encontrou textos curtos, repetidos, um copiando o outro?”.
Para ela, isso cria um vácuo de informação qualificada. E justamente aí entra a importância do jornalismo aprofundado: oferecer à sociedade ferramentas para compreender o mundo com densidade, múltiplas perspectivas e embasamento.
“Se a gente não oferece um conteúdo pesquisado, com fontes diversas, nunca vamos conseguir entregar um conteúdo que ajude as pessoas a entenderem e se posicionarem diante do que está acontecendo.”
"A geração Z é do mundo do Google. Eles sabem de tudo, mas sabem de tudo sem profundidade."
E completa: “É preciso tratar as questões com mais cuidado, com mais empenho, com mais profundidade. Isso é algo inerente às pautas socioambientais”.
Com mais de duas décadas de experiência na cobertura ambiental, Maristela decidiu fundar, em 2018, a Eco Nordeste e, posteriormente, o Instituto Eco Nordeste.
Em vez de mirar grandes centros urbanos ou a Amazônia — que, apesar das dificuldades, ainda recebe atenção de grandes veículos e fundos internacionais —, ela voltou o olhar para o semiárido, para as margens do Brasil noticioso.
“Enxerguei o deserto noticioso socioambiental no Nordeste como um nicho de mercado também. Mas, infelizmente, a gente ainda vive num meio onde há pouca valorização para esse conteúdo.”
A escolha pela independência editorial, no entanto, cobra seu preço: “Se eu aceitasse dinheiro de qualquer fonte, seria mais fácil me sustentar. Mas aí eu não estaria fazendo jornalismo socioambiental independente. E isso é inegociável”.
A sobrevivência da Eco Nordeste depende de editais, parcerias e financiamento ético, por isso as dificuldades não são poucas.
“O jornalismo independente vive hoje uma crise sobre outra crise. A saída de algumas filantropias do Sul global e mudanças na política dos Estados Unidos afetaram diretamente os projetos na América Latina.”
Apesar das dificuldades, ela acredita na importância de continuar: “São sete anos nessa vida, enfrentando várias camadas de dificuldade, desde buscar fontes e recursos até desenvolver habilidades que não fazem parte da nossa formação, como gestão e captação de recursos. Nós somos jornalistas, não fomos formadas para vender”.
Além de sua atuação na imprensa, Maristela vive outro campo de batalha: o da formação. Como professora do curso de jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor), ela acompanha de perto os tensionamentos impostos pela geração digital.
“A geração Z é do mundo do Google. Eles sabem de tudo, mas sabem de tudo sem profundidade. Muitas vezes, têm dificuldade de concentração e de fixação de conteúdo.”
A dispersão causada pelo uso constante de celulares e redes sociais é um obstáculo enfrentado em todas as áreas da educação, mas que, no jornalismo, se torna ainda mais crítico: “A gente conversa, tenta puxar os alunos para pensar, para ler, para escutar. Mas é um processo constante. Ninguém pode proibir o uso do smartphone, mas precisamos lidar com os efeitos disso em sala de aula”.
Maristela ao lado da editora-adjunta do O POVO+, Catalina Leite, e de estudantes da UFC após palestra sobre cobertura de cidades sob a ótica do jornalismo ambiental
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A saída, segundo ela, é insistência. “Escreve bem quem lê muito. Quem quer escrever com profundidade precisa saber ouvir, cultivar fontes, saber pesquisar. Precisa se interessar de verdade pelos temas. É algo inegociável no jornalismo”.
Maristela também destaca a importância de desenvolver habilidades técnicas complementares, como o jornalismo de dados: “Hoje é um diferencial. Se o jornalista escreve bem e sabe lidar com dados, ele se destaca”.
Mesmo com os percalços, ela enxerga sinais de esperança: “Tem muitos bons alunos, alunos interessados, que já perceberam que precisam fazer diferente. São esses que já estão se destacando no mercado.”
"Escreve bem quem lê muito. Quem quer escrever com profundidade precisa saber ouvir, cultivar fontes, saber pesquisar."
A pergunta final ecoa com força: o que perdemos, enquanto sociedade, quando abrimos mão do jornalismo que investiga, que aprofunda, que acompanha uma história ao longo do tempo?
“A gente perde muito. Perde a capacidade de refletir sobre o que é a nossa sociedade. Perde a possibilidade de formar cidadãos críticos. Perde as bases da democracia”, afirma. Ela lembra que foi o jornalismo comprometido, durante a pandemia, que garantiu o acesso a dados, desmentiu falácias e pressionou governos por transparência.
“Se a gente não tivesse jornalistas corajosos, que enfrentaram a desinformação e trouxeram os dados à tona, onde estaríamos?”.
Para a professora, o jornalismo aprofundado é quem ajuda a contar a história de verdade. “Hoje estamos construindo a história que vai ser lida no futuro. E, para isso, a gente precisa acompanhar, destrinchar, analisar. É o jornalismo que mostra os diversos lados, que entrevista os dados, mas também entrevista as pessoas afetadas por eles”.
Maristela encerra com um chamado: “Se a gente não fizer esse trabalho, o que vai restar é uma sociedade apática, alienada, que acredita em qualquer coisa que circula nas redes sociais. É preciso oferecer um contraponto com base científica, com fontes diversas, para que a audiência possa ser crítica e questionadora.”
Neste momento em que O POVO+ comemora seus cinco anos, reforça-se a aposta no jornalismo que vai além da superfície. Um jornalismo que não se curva à pressa, mas que se compromete com a verdade e com a escuta. Como reforça Maristela, “há muitas pessoas com sede de informação; a gente não pode deixá-las sem água”.
Na abundância diária de informações que chegam por meio de vídeos curtos, notificações e manchetes, há quem encontre valor em parar, respirar e mergulhar em uma boa leitura. É o caso da professora Adryane Gorayeb, docente e pesquisadora do departamento de Geografia da UFC, membro do Conselho de Leitores d’O POVO.
“Na realidade, o que é mais 'sexy' na pesquisa científica, para mim, é a gente conseguir responder a um problema da sociedade que não temos resposta. E é exatamente isso o que vocês fazem.”
Ao refletir sobre o papel do jornalismo aprofundado, Adryane vai além do elogio: oferece um diagnóstico preciso sobre o valor do conteúdo que vai fundo, que investiga com calma, que escuta mais do que fala.
“O texto que vocês trazem para os leitores é um texto fundamentado. Vocês vão com perguntas. E eu acho que isso é o mais interessante, porque o texto sempre traz questionamentos muito bem direcionados.”
Em tempos em que o jornalismo é frequentemente pressionado a ser rápido e superficial, Adryane oferece outro olhar. “Não é simplesmente lançar uma nota, dar uma informação. Vocês produzem conhecimento.”
Durante anos, ela sequer tinha o hábito de acompanhar jornais, fossem impressos ou digitais.
“Dentro da minha rotina, eu não tenho perfil em rede social, não assisto televisão, quase nunca assisto ao telejornal. E, para ser sincera, antes da experiência no Conselho de Leitores, eu não tinha esse hábito de ler o jornal, seja impresso ou nas plataformas digitais.”
Foi depois de receber de um amigo o link de uma reportagem do O POVO+ que algo mudou.
“Eu li a reportagem toda e achei quase, assim, como uma crônica, sabe? Nunca fui muito de ler jornal, mas isso me fez começar a me interessar. Era uma publicação bem longa, mas não foi uma leitura lamuriosa nem cansativa.”
Desde então, as reportagens passaram a integrar seu cotidiano acadêmico: “Eu, por ventura, ainda me reporto a elas em sala de aula.”
Ela destaca a forma como os conteúdos do O POVO+ dialogam com sua área de pesquisa — energias renováveis, impactos socioambientais e hidrogênio verde —, mas também com algo mais amplo: o compromisso com o conhecimento público.
“Eu lembro bem de uma vez que recebi uma matéria de vocês que falava sobre pesquisa científica e vi naquilo uma forma de levar divulgação científica para as escolas, para as crianças. É uma forma de mostrar ao público em geral o que a gente desenvolve na Universidade.”
"Não é simplesmente lançar uma nota, dar uma informação. Vocês produzem conhecimento."
A diferença entre o conteúdo aprofundado e o chamado “fast food informativo” também é um ponto de crítica contundente por parte da professora.
“A sensação que eu tenho quando leio notícias jogadas me parece como se a gente estivesse vendo aquelas páginas de vídeo do Instagram, que você passa 40 minutos vendo vídeos de 20 segundos e, quando termina, parece que não lembra de nada. Você pensa: ‘Caramba, parece que estraguei 40 minutos da minha vida’.”
No caso do O POVO+, ela vê o oposto: “Não são simplesmente doses de informação. É um conteúdo profundo, que traz uma fundamentação histórica, que procura fontes divergentes, fontes que têm perfis diferentes, que fazem o contraditório. Isso é muito interessante.”
Mais do que leitora, Gorayeb é investidora em conhecimento — e essa escolha se reflete também na assinatura do jornal.
“Eu invisto muito dinheiro em conhecimento, tanto para mim quanto para minhas duas filhas. Não tem um mês que a gente não compre livros. Eu assino revistas e mais recentemente assinei um jornal econômico por conta de umas reportagens sobre hidrogênio verde. Mas eu nem vou mais assiná-lo, até porque eu prefiro muito mais vocês.”
Ela sabe, porém, que nem todo mundo percebe esse valor com a mesma clareza. “O que eu penso ser o maior desafio é convencer as pessoas de que esse é um bom caminho, que é interessante, e que quem assina consome um produto diferenciado que vale a pena.”
O grande equívoco, segundo Adryane, está na ilusão de que excesso de informação significa acesso ao conhecimento.
“A gente tem essa fantasia, na nossa sociedade, de que já temos muito acesso à informação e que por isso não precisamos pagar. Mas muitas vezes essas notícias estão nos confundindo. A gente está consumindo muito mais o fast food, mas de fato não está se nutrindo; está apenas de barriga cheia e acabando com a nossa saúde.”
No coração do Mucuripe, num elo entre o que é memória e o que é esquecido, Diêgo di Paula aprendeu a ouvir. Fundador do Acervo Mucuripe — museu comunitário que reúne relatos, objetos e registros sobre o território —, ele costuma dizer que “o tempo da comunidade é diferente do tempo do jornal”.
A frase, cunhada em reflexo às dinâmicas entre mídia e periferias, não carrega apenas uma crítica: é também um chamado à escuta.
“Essa frase reflete, mas também significa realidades distintas dentro da temporalidade”, explica. “A comunidade vive em um tempo de rotina que muitas vezes pode não ser compreendido e respeitado pela mídia. Isso ocorre pela pressa do jornalismo estar ‘em cima da notícia’, e não dentro da história.”
“A informação, para se conseguir de forma mais plena, se faz necessário entender o tempo do outro, da disponibilidade e também da vontade. Quando se envolve pouco tempo no trabalho de se conseguir a notícia, perde-se a oportunidade de novas perspectivas. E por isso também se perdem os detalhes.”
Como observa ele, a pressa por manchetes contribui para um apagamento das nuances do cotidiano das comunidades. “As histórias sobre culturas das comunidades, do dia a dia, da cidade com ares provincianos, dão lugar a histórias voltadas para violência. E isso contribui para um olhar violento em cima de quem já vive historicamente tanta microviolência.”
Diêgo lembra que o Mucuripe, outrora representado por narrativas de pesca artesanal e vida comunitária, hoje é mais lembrado pelas ocorrências policiais.
"A informação, para se conseguir de forma mais plena, se faz necessário entender o tempo do outro, da disponibilidade e também da vontade."
Mas há histórias que ainda dormem fora do noticiário: “Os diversos coletivos de artesanato organizados somente por mulheres na região, os chafarizes como lugares de coletividade e memória, o morro que há mais de 40 anos só possui uma única linha de ônibus para o Centro e outra para o terminal, numa população de mais de 40 mil habitantes.”
Ele enumera, também, como guardião do território, os gestos de cuidado cotidiano como o das mulheres que guardam santinhos de vizinhos falecidos há mais de 60 anos. “E tantas outras coisas mais...”
Ao avaliar o papel do O POVO+ nesse cenário, ele reconhece avanços. “O jornal, ao investir em conteúdos específicos e de audiovisual, passa a contribuir com essa memória tão importante no registro do áudio e som. Isso proporciona curiosidade e emoção na sociedade, além de atrair o nicho que ainda consome o jornal tradicional e convidar novos públicos a esses novos formatos.”
Para Diêgo, a força da reportagem aprofundada está na capacidade de romper com os silêncios estruturais. “A partir delas, contornos importantes dos territórios vão ganhando espaço. Penso que aos poucos o jornal tem conseguido isso — e que pode fazer sempre mais.”
por Pedro Vasconcelos*
Em 2025, o jornalismo digital completa 30 anos de existência no Brasil. Com ele, o valor da instantaneidade, intrínseco à nossa profissão, ganhou ainda mais força.
Produzimos e consumimos conteúdo como se tudo se resumisse a notas, threads, relatos curtos, fragmentados e — muitas vezes — incompletos.
Mas essa tendência encobre o fato de que o ambiente online também permite a elaboração de matérias aprofundadas, inclusive agregando recursos multimídia, hipertextuais e interativos.
É a oportunidade de escrever textos densos, de usar a criatividade, mergulhar nas problemáticas, propor novas abordagens e ouvir fontes pouco habituais.
Não se deve permitir que espaços tão importantes desapareçam ante a aceleração do mundo, a eterna crise financeira da indústria noticiosa e a suposta falta de interesse do consumidor.
Mantê-los, acima de tudo, significa insistir no jornalismo de qualidade e de interesse público.
Daí o mérito de iniciativas como O POVO+, cujas rotinas produtivas tenho acompanhado durante minha pesquisa de doutorado em Comunicação e Culturas Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia (Póscom/UFBA).
A exemplo de outros arranjos editoriais brasileiros, preserva-se ali a oportunidade de planejar, de refletir sobre o que está sendo construído, de driblar a tirania do urgente.
Muito se discute o futuro do jornalismo. Talvez, uma das formas de conservar sua relevância em um panorama de caos informacional seja insistir nos projetos de fôlego, na profundidade, no cuidado — mesmo que, assim, pareçamos estar à contramão.
*Pedro Vasconcelos é jornalista, mestre em Comunicação pela UFPE e doutorando em Comunicação e Culturas Contemporâneas pela UFBA, onde pesquisa sobre planejamento no jornalismo
Por Luciana Dummar, presidente institucional e publisher do Grupo de Comunicação O POVO
O POVO+ — OP+ nasceu como uma plataforma nativa digital e exclusiva para assinantes. Que espaço ele veio preencher dentro do ecossistema do Grupo de Comunicação O POVO e o que motivou a criação dessa plataforma?
Luciana Dummar — O Jornalismo é dinâmico por essência. O POVO, como um veículo moderno e atualizado com as novas tendências, apresentou a plataforma O POVO+ como um conglomerado de conteúdo qualificado para atender a uma demanda exigente e que está em vários meios digitais.
A ideia é congregar tradição e inovação para termos um ecossistema diversificado de distribuição de notícias, em todos os meios disponíveis.
O POVO+, a primeira plataforma de streaming de jornalismo e cultura da América Latina, entrega aos usuários tudo aquilo de que precisam, com foco na opinião embasada, para estarem bem informados.
OP+ — Lançar um produto fechado em um cenário de abundância gratuita de informação foi uma decisão ousada. Que estratégias têm ajudado a sustentar esse modelo ao longo desses cinco anos?
Luciana Dummar — A credibilidade da marca O POVO aliada ao conteúdo de excelência que publicamos.
Isso tudo se soma ao trabalho exaustivo de uma equipe de jornalistas comprometida com a verdade e um time bem-sucedido de colunistas que coloca à disposição do público análises e pontos de vista calcados em informações seguras e em avaliações fundamentadas.
OP+ — O GCOP transita entre múltiplas linguagens: do jornal impresso à produção audiovisual. Como a pluralidade de formatos tem sido integrada ao O POVO+ e ao fortalecimento da marca?
Sempre defendemos que o importante são os princípios, e não somente o suporte utilizado para distribuir a notícia. Entendemos ainda que a avalanche de informações que circula nas redes sociais não representa o fim do jornalismo profissional. Pelo contrário, torna-o mais necessário e relevante.
No O POVO+, investimos em reportagens e em conteúdos mais elaborados, com recursos audiovisuais interativos, a fim de levar a informação de forma mais explícita possível ao público.
O destaque na reportagem chama a atenção, e o foco na análise é protagonismo para o pensamento crítico e reflexivo.
OP+ — O que representa ver o produto mais novo do grupo completar cinco anos no atual cenário do jornalismo e o que essa trajetória diz sobre o futuro do jornalismo local?
Luciana Dummar — Nós sempre rejeitamos os insensatos que diziam que as empresas de comunicação deveriam deixar de imprimir jornais, pois seria um meio ultrapassado.
Nós respeitamos os leitores que ainda querem receber seu jornal impresso cotidianamente e temos certeza de que o papel continuará a ter relevância.
No entanto, os grandes e bons jornais, como é o nosso caso, não podem hesitar em atender a uma demanda que clama pela notícia em outros meios, em outras plataformas, sob outros vieses.
Assim, fazemos Jornalismo de excelência onde estivermos. No O POVO+ e em todos os outros produtos e veículos desta Casa, a técnica está sempre subordinada aos princípios e à ética jornalística, que nos orientam nos períodos turbulentos. Esse é o nosso diferencial.
Dar continuidade ao espírito inquieto e visionário do meu pai, Demócrito Dummar, foi o que levou a dar início à transição digital do O POVO como expressão de outra característica que nos acompanha: nunca tivemos (nem temos nem teremos) medo da evolução tecnológica.
A falsa compreensão de que a internet seria uma ameaça ao Jornalismo ou ao futuro dos jornais nunca nos comoveu. Assim, O POVO+ representa o que há de mais moderno no Jornalismo local — mas nunca engessado. Sempre avançando, como o mundo nos demanda.
Aproveito a oportunidade para também agradecer pelos milhares de leitores e usuários que nos acompanham no O POVO+. Hoje somos 6.566.100 usuários. É essa relação de confiança que nos move dia a dia. Vida longa ao O POVO+!
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