Com o grito de ação, começam as gravações no set. Cinegrafistas, técnicos de luz e som, diretores e produtores preenchem os espaços atrás das câmeras e as apontam para os participantes da cena.
Os atores e atrizes à frente delas vivem várias vidas e os seus rostos são conhecidos por todos: em cartazes, nos próprios filmes e na promoção das obras - tapetes vermelhos, festas e premiações.
Em todos esses locais, a sensação de déjà vu pode atingir o público. A busca pela beleza europeia e o fascínio pela juventude tornou os perfis semelhantes ao longo dos anos, especialmente entre o elenco feminino: mulheres brancas, loiras e - certamente - jovens.
As premiações são um reflexo do que aparece em frente às câmeras que, por sua vez, reflete a configuração social da época na qual o filme foi gravado. A predominância etária, neste sentido, é real pois se manifesta no histórico do Academy Awards, ou Oscar, conforme revelam os números de levantamento do O POVO+.
Mulheres com mais de 50 anos consistem na minoria das indicações ao longo da história da premiação.
Números ainda indicam uma mudança gradual, explicitada na edição de 2025. A lista oficial do Oscar deste ano saiu em 23 de janeiro e, das cinco indicadas na categoria Melhor Atriz, três têm mais de 50 anos: Demi Moore, Karla Sofía Gascón e a brasileira Fernanda Torres. Mais que isso, eram as protagonistas e elos dos respectivos filmes dos quais participaram.
A questão agora, no entanto, é o intenso foco a qual a categoria tem ganhado. O destaque não rodeia atuação ou participação destas mulheres nos filmes, por exemplo, mas um resgate de erros antigos e falas polêmicas delas, em uma verdadeira "caça às bruxas".
O ano de 2025 traz a 97ª edição do Academy Awards, premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos. A maior premiação do cinema em termos de audiência e repercussão teve início em 1928, com foco nos destaques dos anos de 1927 e 1928.
De lá para cá, foram 481 pessoas indicadas a Melhor Atriz, uma média de quase cinco por ano - total atual. Somando-se indicadas e vencedoras, a média de idade é de 38,1 anos. Considerando somente vencedoras o percentual diminui: as 97 tinham em média 36,9 anos no momento da entrega do prêmio.
Também é possível calcular a moda, ou seja, a idade mais frequente entre as concorrentes de Melhor Atriz. Dentre todas, foi 35 anos. Considerando-se somente as premiadas, 26 anos. A metodologia completa no levantamento de dados está no fim da matéria.
Os valores são todos consideravelmente inferiores aos índices dos concorrentes à categoria de Melhor Ator. Foram 477 indicados nas
Ao contrário das mulheres, a idade aumenta entre os vencedores: os 97 tinham em torno de 44,3 anos quando receberam o Oscar. A idade mais frequente dos vencedores foi de 38 anos, 12 a mais que as mulheres.
Uma filtragem de idade revela que mulheres com 50 anos ou mais tiveram 76 indicações ao longo da história da premiação. Sendo 481 concorrentes, este recorte de idade representa 15,8% do total.
O percentual cai um pouco quando consideradas apenas as vencedoras: apenas 14 mulheres com 50 ou mais venceram o Oscar de Melhor Atriz. Valor corresponde a 14,4%.
Entre os homens, são 132 indicados com 50 anos ou mais, ou seja, 27,8% das indicações. Já os vencedores, considerando o mesmo recorte de idade, consistiram em 24, ou seja, 24,7% do total.
Em resumo, homens mais velhos tiveram 13 pontos percentuais a mais de representantes nas indicações e 10,3 p.p a mais nos vitoriosos do Oscar, ao longo dos anos. Um número considerável de chances a mais do que as mulheres tiveram.
Uma característica intensifica ainda o “apagamento” de mulheres: a raça. A média de idade de atrizes negras indicadas é de 34,8 anos. Foram 15 ao longo de toda a história. As indicadas tinham de 9 a 55 anos. Apenas Viola Davis (A Voz Suprema do Blues, 2020) tinha 50 anos ou mais no momento da premiação.
Quanto às vencedoras negras, não é sequer possível levantar uma média, tendo em vista que há apenas uma: Halle Berry (Monster's Ball, 2001) tinha 35 anos quando venceu o principal prêmio de atuação da noite. O feito ocorreu na cerimônia de 2002. Desde então, nenhuma outra atriz negra venceu a principal categoria de atuação.
O século XXI comporta 42% das indicações de mulheres com 50 anos ou mais na categoria de Melhor Atriz. De 2001 para cá, foram 34 indicadas. Assim, as 73 edições anteriores totalizam 42 indicações de atrizes 50+, um percentual não tão distante do recente (58%).
Quanto às vencedoras, o número é de mulheres com 50 anos ou mais premiadas é o mesmo de 2001 para cá e de todo o restante das edições do Oscar. No século XXI, foram sete vitórias de mulheres com mais de cinquenta anos. De 1929 para 2000, também foram sete.
Números absolutos de indicações e vitórias de atrizes 50+ no Oscar
A comparação temporal pode ser lida como uma mudança de paradigma. Este cenário é melhor perceptível em uma linha do tempo por década: a evolução do gráfico aponta claramente um aumento na idade média das indicadas e vencedoras.
As décadas com maior idade média das mulheres indicadas são respectivamente: a de 2020 - correspondente até 2025, a de 2010 e a de 2000. A linha, neste caso é gradual. Saiu-se, aos poucos, de uma média de 31 para 45,1 anos das indicadas.
As décadas com vencedoras mais velhas são respectivamente: a de 2020, a de 1980 e a de 2010. O aumento foi gradual com exceção dos anos 1980, cujo salto na idade das indicadas é um ponto fora da curva.
Média de idade das mulheres indicadas ao Oscar ao longo da história da premiação
As personagens interpretadas pelas mulheres com mais de 50 anos são um aspecto adicional à mudança na representação ao longo dos anos. O perfil das mulheres representadas mudou, acompanhando, claro, as lutas femininas ao longo dos anos e os locais conquistados pelas mulheres reais.
A primeira vencedora, Marie Dressler, conquistou o prêmio em 1931 interpretando uma personagem cujo nome estampa o título do filme: Min, de Min and Bill (1930). A relação dela com a filha adotiva e um colega de vizinhança é o que movimenta o filme, uma representação positiva.
Vencedoras de Melhor Atriz com 50 anos ou mais das décadas de 1930 à década de 1980
Idade da atriz: 62. Personagem: Marie interpreta Min, dona de uma pousada. Bil é capitão de um barco de pesca, implica com Min, mas a relação é de amizade
Idade da atriz: 54. Personagem: Shirley interpreta Lola Delaney, descrita na sinopse como uma "dona de casa de meia-idade desleixada". O marido é o protagonista.Há cenas de violência
Idade da atriz: 60. Personagem:Hepburn interpreta a mãe da protagonista, vivida pela sobrinha, Katharine Houghton, a protagonista
Idade da atriz: 61. Personagem: O filme trata da sucessão do rei Henrique II da Inglaterra. Katharine interpreta a ex-esposa dele, Eleanor da Aquitânia
Idade da atriz: 74. Personagem: Katharine Hepburn interpreta Ethel Thayler. O plot gira em torno do esposo dela, Norman Thayler Jr.
Idade da atriz: 61. Personagem: Geraldine interpreta Carrie Watts, que viaja para o lugar onde passou a infância. É uma obra sobre envelhecer e saudade
A vitória seguinte foi de Shirley Booth (Come Back, Little Sheba, 1952) no papel de uma "dona de casa de meia-idade desleixada", segundo a sinopse do filme. Há cenas de violência do homem protagonista contra a personagem de Booth e mesmo assim os dois ficam juntos no fim do filme.
A atriz não interpretava a protagonista do filme, assim como ocorreu nas três vitórias seguintes - todas de Katharine Hepburn. A atriz mais premiada do Oscar chega a roubar a cena de plots que, no entanto, não protagoniza.
A década de 1980 trouxe a vitória de Geraldine Page, no filme The Trip to Bountiful (1985) sobre uma jornada de envelhecimento e saudade. Jessica Tandy (Driving Miss Daisy, 1989), outra vencedora da década, foi a mais velha indicada e ganhadora do Oscar, interpretando uma idosa em uma jornada de descoberta. Ambas as obras tratam de novas perspectivas de vida, na velhice.
Idade da atriz: 80. Personagem: No sul dos EUA, senhora reluta em contratar um motorista negro mas, com o passar dos anos, eles se tornam grandes amigos
Idade da atriz: 61. Personagem: Hellen Mirren interpreta a rainha da Grã-Bretanha, Elizabeth II
Idade da atriz: 62. Personagem: Meryl Streep é Margaret Thatcher. O filme trata de várias fases da vida dela
Idade da atriz: 54. Personagem: Julianne Moore é Alice Howland, professora de Harvard e especialista em linguística diagnosticada com Alzheimer
Idade da atriz: 60. Personagem: Frances McDormand é Mildred Hayes, uma mulher cuja filha foi assassinada
Idade da atriz: 50. Personagem: Renée Zellweger interpreta a atriz e cantora Judy Garland já no fim da vida. A história inclui lembranças de velhas histórias com amigos e fãs
Os anos de 2001 a 2020 trouxeram cinco vitórias de mulheres acima de 50. Três eram figuras históricas e/ou famosas: Helen Mirren (The Queen, 2006), como rainha Elizabeth II; Meryl Streep (The Iron Lady, 2011), como Margaret Thatcher; e Renée Zellweger (Judy, 2019) como Judy Garland.
No meio tempo, também venceram Julianne Moore (Still Alice, 2014), interpretando uma professora na descoberta de um Alzheimer; e Frances McDormand (Três Anúncios Para Um Crime, 2017), na pele de uma uma mulher cuja filha foi assassinada.
As vencedoras 50+ da década de 2020
Idade da atriz: 63. Personagem: Fern perde tudo na Grande Recessão, e passa a viver como uma nômade moderna
Idade da atriz: 60. Personagem: Evelyn precisa usar seus novos poderes para lutar contra os perigos bizarros do multiverso
As últimas duas vencedoras vivem personagens cuja trama é costurada por elas. Frances McDormand (Nomadland, 2020) venceu novamente em 2021, vivendo uma mulher na casa dos 60 anos. Depois de perder tudo na Grande Recessão, embarca em uma viagem pelo Oeste americano, vivendo como uma nômade moderna.
Por fim, a personagem de Michelle Yeoh (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, 2022) comanda uma trama de ficção científica sobre viagem do tempo, protagonizada por uma família asiática.
O Oscar de 2025 traz novas facetas das mulheres nas tramas, algumas nunca vistas. Demi Moore (A Substância, 2024) está indicada por um filme de terror, gênero por si só dificilmente presente na premiação. A obra trata da pressão estética na indústria, em uma clara metalinguagem à exclusão feminina devido à idade.
Fernanda Torres (Ainda Estou Aqui, 2024) protagoniza uma obra sobre Eunice Paiva, esposa do ex-deputado Rubens Paiva, sequestrado e morto na Ditadura Militar brasileira. O filme não é sobre ele, mas sobre ela, que ficou, comandou a própria vida e ajudou diversos outros em meio à dor.
Já Karla Sofía Gascón (Emília Perez, 2024) é a primeira trans indicada a melhor atriz. Ainda que rodeado de polêmicas, Emília Perez é um filme singular na história do Oscar: quase todo falado em espanhol, um musical sobre tráfico.
A coordenadora cultural Bete Jaguaribe, diretora de Formação e Criação do Instituto Dragão do Mar e da Escola Porto Iracema das Artes e coordenadora do curso de Cinema e Audiovisual da Unifor, analisou dados apurados para este material. Para além do fator idade, ela dissertou sobre o “apagamento” da mulher no cinema e na história, de um modo geral. “Por que é um processo que excluiu a todas nós, de cargos específicos, de espaços”, argumentou.
O surgimento do cinema é atribuído a 1895, quando os irmãos Auguste e Louis Lumière realizaram a primeira exibição pública do cinematógrafo, aparelho para exibir imagens em movimento. Era uma época de indústria forte e de exaltação da cultura cosmopolita e europeia da Belle Époque.
Ainda que surgido na França e sob a influência da época, o cinema virou foco na indústria americana muito devido à situação econômica dos países europeus e o fortalecimento dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. Ou seja, nas décadas iniciais do Oscar.
Bete Jaguaribe comenta uma divisão de três eixos na montagem da indústria americana: o cinema de estúdio, o cinema de gênero e o cinema de de estrelas. Sobre esta última, a doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), diz haver não apenas “um elemento romântico dos filmes, mas estratégico de mercado”.
“Então, para você fazer ganhar um papel importante nos filmes, como o de mocinha, e portanto ter acesso à indicação do Oscar, você tinha que seguir determinados padrões de beleza”, disse.
Esse padrão de beleza seria o europeu: mulheres jovens, brancas e loiras. A característica teria duas consequências. A primeira seria o controle das atrizes “dentro do padrão”, que estampavam pôsteres e cuja vida por si só era comercializada, tornando-se uma coisa pública ou um produto.
“Marilyn Monroe, por exemplo, uma grande referência do sistema de estrela americana, nos anos 1950. Teve uma uma vida trágica, porque tinha uma vida controlada”, comentou Bete.
O segundo impacto da configuração da indústria seria justamente a exclusão de todas as mulheres que estivessem fora do considerado adequado. Este último grupo inclui as mulheres negras e com mais de cinquenta anos, ainda que o fator da raça fosse tratado como um “agravante” ao apagamento, conforme mostraram os números desta reportagem.
“Esse levantamento indica e comprova a grande estratégia da indústria americana, resultado desse lugar da beleza, da estrela de cinema. Não é uma ideia boba e natural. É uma produção histórica e do sistema capitalista da indústria”, disse a coordenadora cultural.
Os aspectos se referem, em específico, à atuação, mas o “apagamento” atingiu demais setores do cinema. Jaguaribe cita Alice Guy-Blaché, considerada a primeira mulher diretora de filmes. Francesa, ela começou a filmar aos 23 anos, em 1896, um ano após a “descoberta do cinema”. Historiadores apontam um acervo de mais de 700 filmes em uma produtora própria de cinema.
“E ninguém sabia da existência dela até o lançamento de um documentário”, disse Bete, se referindo ao longa Be Natural: A História não Contada da Primeira Cineasta do Mundo, de 2018.
“O machismo no cinema vai desde da indústria mais pesada, como a norte-americana, até as experiências de cinemas mais periféricos, no sentido da indústria. América Latina, o Brasil, a França, o lugar da mulher sempre foi de apagamento”, disse Bete Jaguaribe.
Marta-Aurélia, atriz cearense de 63 anos, conversou com a reportagem enquanto aguardava o início da cerimônia de pré-estreia do filme Centro Ilusão (Pedro Diógenes, 2024), do qual participa. Estava no Cinema do Dragão, na Praia de Iracema. Jornalista, atriz, cantora, compositora e experimentadora, ela narra que sentiu a ausência feminina desde o primeiro trabalho que realizou nas artes.
“Eu comecei a cantar ali, logo que eu entrei na Universidade Federal do Ceará, no curso de Jornalismo. Na minha cabeça juvenil e inocente, eu achava que quando chegasse na universidade, ia me deparar com coisas muito mais avançadas. Nós, intérpretes mulheres, musicistas mulheres, éramos raras nesses lugares. O que você via eram bandas com homens”, disse.
Por volta do mesmo período, entrou no teatro. Segundo ela, ao longo do tempo, percebeu uma mudança nos personagens oferecidos. Chamou de “perfil”, algo, para Aurélia, preguiçoso. “A avô, a mãe”, exemplificou.
Em um dos casos, interpretava uma avô em uma produção independente. Nos trajes da personagem, foi alvo de um comentário de um dos membros do figurino. “Ele disse que sentia falta de um terço. Não havia nenhuma indicação do roteiro de que esse elemento fizesse sentido na história. Mas por que que isso foi pensado? Porque é uma mulher mais velha, é uma avó, uma mulher de cabelos brancos”, comentou.
E completou: “Na verdade, há exclusão ocorre no meio artístico e outros meios sociais. Nós estamos em todos os lugares, em todos os lugares a gente vive esse mesmo tipo de situação no meio artístico também”, disse.
A história é a chave-mestre do presente, que abre novos caminhos até esbarrarmos no hoje. Não foi um “corte de cena” que ocasionou a mudança de exclusão sistêmica para o cenário atual de maioria de mulheres mais velhas indicadas ao Oscar. Pelo contrário, essas duas coisas ainda coexistem e o processo de ruptura foi intenso e provocado pelas próprias mulheres.
Um dos aspectos da participação maior de mulheres mais velhas é o envelhecimento populacional. A expectativa de vida aumentou gradativamente ao longo dos anos. No Brasi, por exemplo, em 1900 as pessoas viviam, em média, 29 anos. Em 2020, 74,8 anos.
Mas, há outro fator. O cinema e o meio social compartilham um único fio condutor, que indica o óbvio: os avanços sociais vieram em conjunto com uma maior abertura no audiovisual.
A luta feminista permitiu que, em 1920, mulheres pudessem votar nos Estados Unidos. Em 1964, a Lei de Direitos Civis permitiu a participação de mulheres negras - outro avanço conquistada por elas.
Estas mudanças afetam todas as áreas da vida, incluindo o cinema. As histórias passaram a se diversificar e, em 2017, o movimento Me Too mirou em específico a indústria americana. Atrizes e atores denunciaram casos de assédio sofridos, nos bastidores das produções cinematográficas, por parte de grandes produtores, diretores e demais poderosos de Hollywood.
Dois grandes movimentos sociais cobraram diversidade no século XXI: OscarsSoWhite, em 2015, e Black Lives Matter, em 2018. O primeiro tratava-se de uma hashtag levantada após mais uma edição com apenas pessoas brancas indicadas nas categorias de atuação. A segunda foi um movimento social internacional pelo fim da violência policial contra pessoas negras.
“A academia não resolveu mudar agora porque virou boazinha. A sociedade não aguenta mais o apagamento dessas dessas populações femininas, negras, LGBT. Não aguenta mais esse tipo de repressão, de ocultamento e de apagamento” comentou Bete Jaguaribe.
Mesmo com os avanços, a campanha do Oscar deste ano foi alvo de outro tipo de apagamento, segundo Bete Jaguaribe e Marta-Aurélia. A categoria de Melhor Atriz virou foco, mas por resgates de momentos e falas consideradas problemáticas. O alvo foi justamente as três atrizes com mais de cinquenta anos: Demi Moore, Fernanda Torres e especialmente Karla Sofía Gascón.
Para Marta-Aurélia, o cenário vem da característica social de “colocar mulheres contra as outras”, algo maior do que o cinema, mas com claros reflexos nele. “Nós não somos inimigas naturalmente. Isso não existe, mas fizeram com que muitas de nós acreditassem nisso, que éramos rivais de nascença. Então, quando há possibilidade de um grande encontro, isso está na estrutura da sociedade e torna-se uma força tensionada. Vem à tona”, disse.
Já Bete Jaguaribe foi resoluta: “Eu nunca vi essa polêmica em torno do melhor ator. Há uma uma loucura em torno desse lugar de melhor atriz, com uma tensão muito forte. Eu não quero nem entrar nessa polêmica porque eu identifico claramente a questão do marketing”.
O debate ainda é situado em um contexto de discursos de ódio por parte do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ondas de imigração e deportações em massa, perseguição contra grupos minoritários e ataques públicos.
Questionada sobre se os avanços no cinema poderiam estar ameaçados pelo contexto atual, Bete Jaguaribe comentou: “O tempo da história não é linear. Os povos originários costumam tratar do circular. A vida é assim, a gente vive momentos de grandes conquistas, vitórias e momentos em que a direita, por exemplo, volta a ameaçar a humanidade. Mas, não durará para sempre”, disse.
Nesses momentos, segundo ela, o cinema sempre vira alvo pelo poder de mobilização e de sensibilidade que ele tem. No entanto, mesmo a indústria vista por muitos anos como estagnada, teve de se modificar. “O peso das lutas, que pesa na arte”, disse Bete.
Para ela, refroçar a idade das atrizes indicadas, neste sentido, ganha peso. “Se a academia deixar de reconhecer essa questão etária, a relevância de ter todo tipo de mulher nas premiações, a causa deixa de ter importância. Tem tudo a ver com o peso da representatividade dos diversos setores da população. Mulheres, negros, indígenas”, disse.
O mesmo foi comentado por Marta-Aurélia, se referindo em específico às mulheres: “Essa força está se tornando cada vez maior. Uma das várias qualidades da presença feminina está aumentando: estamos mais conscientes e firmes do quanto a nossa presença causa algo. Eu acho isso perfeito”.
As informações desta matéria foram calculadas com base no levantamento do repórter e colunista do O POVO+, Wanderson Trindade, para a reportagem “Apenas 3,78% dos indicados nas principais categorias do Oscar são negros”, publicado em meio à edição passada, de 2024. O levantamento racial das mulheres negras no Oscar também partiu deste banco de dados.
O cálculo da idade foi feito com base na data de nascimento dos atores e atrizes em relação ao ano em que o filme foi lançado. Foram montadas quatro planilhas, com os valores das vencedoras, das vencedoras 50+, das indicadas e das indicadas 50+. Há ainda planilhas com os dados dos atores, para fins de comparação.
Os valores das mulheres se referem à categoria de Melhor Atriz unicamente. A idade, na maior parte dos casos, se refere ainda à que as(os) concorrentes tinham no momento da entrega da premiação, tendo em vista que ela ocorre no início do ano posterior ao lançamento das obras.
Vale lembrar que alguns atores e atrizes concorreram inúmeras vezes ao longo das edições. Portanto, aparecem na listagem com diferentes idades, no decorrer da carreira.
"Olá! Aqui é Ludmyla Barros, repórter do O POVO+. O que achou desta reportagem? Te convido a comentar abaixo!"
Acompanhe a cobertura do O POVO+ sobre a premiação do Oscar