Pé no chão, resiliência e disposição para pensar e agir de maneira coletiva. Este tem sido o caminho que a executiva Annette de Castro, de 62 anos, CEO e vice-presidente da Mallory Eletroportáteis, tem trilhado para manter o equilíbrio em meio a uma das mais graves crises econômicas e sanitárias do mundo. Apesar dos dissabores, a companhia encerrou o ano de 2020 com crescimento de 20% e ampliação de 35% do quadro de funcionários.
Nascida em Huddersfield, pequena cidade no norte da Inglaterra, Annete de Castro está em Fortaleza há 37 anos. Nesta entrevista ao O POVO, ela relembra essa trajetória, fala sobre as dificuldades que ainda impedem que mais mulheres ocupem cargos de liderança no Brasil e também como a experiência de 2020 com a pandemia ainda não é suficiente para fazer frente às incertezas deste ano. “Ninguém sabe o que vai acontecer. Se a gente vai ter uma queda e depois vamos engatar uma recuperação igual a do ano passado, ou se teremos um momento mais demorado de pandemia e não vamos ter a mesma recuperação.”
Annette está coordenando no Ceará as ações da campanha Unidos pela Vacina, pelo grupo Mulheres do Brasil, movimento que nacionalmente é liderado pela Luiza Helena Trajano, do Magazines Luiza. O objetivo é dar suporte para que o País possa acelerar o plano nacional de imunização. “O Brasil tem uma política de prioridade de vacina e se tem meios de apoiar, facilitar e fazer com que isso aconteça, temos que fazer a nossa parte”.
O POVO - Annette, você é de onde na Inglaterra? E por que decidiu se mudar para o Brasil?
Annette de Castro - Sou de uma pequena cidade no norte da Inglaterra, Huddersfield. Eu vim para o Brasil há 37 anos. Naquela época, morava em Londres com Marcos, meu marido, que estava estudando e teve um momento em que ele teve que voltar e eu achei que fazia sentido vir para cá. Na época, eu trabalhava na Shell Internacional.
O POVO - E você costuma viajar para sua cidade?
Annette - Eu sempre volto. Todo ano estou lá, uma ou duas vezes. E ainda tem meu irmão, minha irmã, meus sobrinhos e nossa família inglesa que é bastante grande. Só no ano passado que eu não consegui voltar por causa da pandemia.
O POVO - E qual a lembrança mais forte da época em que vivia em Huddersfield?
Annette - Na realidade, não tem uma lembrança apenas. É a nossa juventude, toda minha escola foi lá, toda a minha criação.
OP - Quando veio para o Brasil, a senhora já chegou ocupando um cargo executivo?
Annette - Na realidade, eu trabalhava na Shell Internacional na época, até poderia ter sido transferida para cá, mas, naquela época, era só São Paulo. E São Paulo era muito longe de Fortaleza, então, eu tive que pedir demissão. O que é raro, porque poucas pessoas entram no programa de trainee da Shell e pedem para sair, porque é muito bom. Eu cheguei aqui sem falar português e acho que foi um grande susto. Eu sabia que queria vir, queria estar com Marcos, mas não tinha pensado muito bem o que que eu ia fazer. E poucas pessoas aqui falavam inglês na época. Depois de algumas semanas, comecei a entender que eu tinha tomado uma decisão na minha vida, mas não entendia muito bem a consequência daquilo. Então, comecei a sair e procurar as escolas de inglês para ver se eu podia dar aula e começar a me entrosar na sociedade. Lembro que na época eu fui em várias escolas e, em uma delas, me disseram que eu não falava bem inglês. Se eu falasse português, eu teria dito que ela é quem não falava a língua real, mas naquela época eu não falava direito português para dizer isso. Comecei a dar aula de inglês no Fisk, acho que dei uns dois anos de aula, também dei aula de russo na Casa de Cultura Russa na Universidade Federal do Ceará (UFC) e assim fui tentando encontrar o meu caminho nesse país desconhecido.
O POVO - Mas quando foi para o mercado corporativo, sentiu a diferença em relação ao tratamento de gênero? Hoje a senhora ocupa um alto cargo de direção e, mesmo nos dias de hoje, ainda não é tão comum no Brasil ver tantas mulheres nestes cargos de liderança. Como isso perpassa dentro da Mallory?
Annette - São duas coisas. A primeira coisa é que eu tive bastante sorte logo no início porque o meu cunhado na época trabalhava na Esmaltec, do grupo Edson Queiroz, e eu conheci o Edson Filho que me convidou para trabalhar lá, mesmo sem falar português. Eu até penso que era bonito ter uma inglesa trabalhando. Mas o fato é que tive muita sorte de terem me aberto as portas e comecei a trabalhar na área de exportação. Tanto é que eu fiz um trabalho de mais de 30 anos no grupo Edson Queiroz, em várias posições de executiva e terminei como superintendente na Esmaltec. Hoje eu estou na Mallory. O que eu diria? Eu tenho mais de 30 anos em cargos de gestão no Brasil, assumi (cargos de) gerências muito cedo, sempre em empresas familiares, e nunca tive grandes problemas ou dificuldades para me posicionar. Mas eu tive sim problemas em trazer mais mulheres para esses cargos e isso é até uma frustração. Hoje eu até consigo ter ao meu redor várias mulheres gerentes na Mallory, o que até então não tinha conseguido. Isso era uma frustração. As pessoas sempre diziam que eu era uma inspiração. Mas como eu seria uma inspiração se não consigo multiplicar isso? Então acho que é até um defeito. E não tinha uma razão clara para não conseguir ter outras mulheres nestas posições. Muitas vezes, eu acho que é até a própria mulher que enxerga algumas limitações. É óbvio que tem restrições dentro das empresas; é óbvio que ainda não tem equidade de gênero e nem de salário; mas eu entendo que a gente como mulher precisa se firmar, se posicionar e buscar a nossa posição. Hoje eu acho que está acontecendo mais, mas ainda temos um longo caminho pela frente.
O POVO - Como a pandemia cruzou o caminho da Mallory? E como a empresa conseguiu, em meio à crise, terminar o ano com crescimento?
Annette - A gente cresceu 20% no ano passado, apesar de ter ficado tudo fechado por quase três meses. Fomos uma das únicas indústrias de portáteis que teve que fechar. A gente entende isso, tivemos que fechar, fizemos redução de jornada. Foram três meses de zero produtividade, mas foram três meses de uma nova aprendizagem. Eu acho que, inicialmente, a nossa maior preocupação era em como garantir a saúde das pessoas e o bem-estar de todos. Não só o físico, como psicológico. Eu acho que um dos grandes desafios dessa doença era assegurar que as pessoas se sentissem seguros, de não pegar a doença, de não perder o emprego. Mas, ao mesmo tempo, a gente se preocupava em como íamos sobreviver, porque nos dois primeiros meses não tinha pedido, só gente que estava deixando de pagar, as lojas fechadas, uma série de problemas com todos os nossos clientes. Foi um momento inédito para todos nós, um momento em que a área comercial ficou de cabeça baixa, sem saber o que fazer, não podia vender e tínhamos que organizar nosso dia a dia para sobreviver. A nossa sorte é que, com as pessoas em casa, elas começaram a precisar de produtos de casa. O nosso ramo, a partir do mês de junho, começou a voltar a ter uma demanda bastante interessante e isso foi acelerando até o final do ano passado. O que também gerou outros problemas porque as outras indústrias, os fornecedores de matérias-primas, não estavam preparados para atender a esse aumento de demanda. Não tivemos um momento de calma em 2020. Foram momentos de estado de choque, inicialmente. Depois a gente começou a ver uma luz no fim do túnel e, quando este túnel abriu, começamos a ter problema de falta de matéria-prima, de inflação nos custos de matéria-prima.
O POVO - Mas a Mallory conseguiu não demitir?
Annette - Ao contrário, a gente aumentou em aproximadamente 35% o quadro de funcionários em 2020. Tivemos um pequeno momento, no início da pandemia, que a gente demitiu, mas não por causa do Covid-19, mas porque o nosso negócio é sazonal. A gente fabrica ventilação, então, sempre em março e abril temos uma queda, onde saem algumas pessoas, e voltam no mês de agosto. Tivemos uma pequena queda no mês de março, mas se eu for comparar o início do ano passado com o fim do ano passado, crescemos 35% porque a demanda veio muito forte a partir do mês de agosto. E a gente tinha que tentar recuperar os volumes perdidos nos três meses em que estivemos parados.
O POVO - Já se resolveu a questão da ruptura da cadeia, da falta de insumos?
Annette - Não, eu acredito que a gente vai ter um 2021 muito difícil. Se você for analisar a situação do ano passado, o nosso comitê de crise começou no início de janeiro porque dependemos muito da China e o Covid estourou na China em janeiro e fevereiro, no ano novo chinês. Montamos o comitê de crise justamente para entender o que faríamos com a falta de abastecimento, porque para nós eles não iriam mais nos abastecer, não voltariam do ano novo chinês no ano passado, entraram em lockdown. Os chineses, obviamente, deixaram de abastecer naqueles meses de fevereiro, março e abril, mas quando eles começaram a voltar, éramos nós que estávamos entrando em lockdown. Vários de nós estavam cancelando pedidos, atrasando pedidos, porque realmente o País estava parado. Quando começou a voltar, veio o desequilíbrio no mercado internacional. As demandas voltaram, os chineses começaram a subir a sua produção, aqui o pessoal também tentou aumentar a produção, mas veio a inflação e também aconteceu uma coisa no último quadrimestre do ano passado que foi a falta de navio para abastecer o Brasil. Só para ter uma ideia, a gente pagava menos de US$ 2 mil em um contêiner da China em fevereiro do ano passado, hoje a gente está pagando US$ 10 mil. Este desequilíbrio de oferta fez com que tudo que estava saindo da China, você tinha que pagar o adicional no seu frete para poder receber sua mercadoria. A situação de frete internacional está no pico ainda. O ano novo chinês acabou de terminar, nós vamos sentir o que vai acontecer, mas estamos pagando o auge do frete da China. E a falta de matéria-prima e a inflação nos preços ainda continua, não teve um equilíbrio de oferta e demanda.
O POVO- Mas já é possível vislumbrar uma luz no fim do túnel?
Annette - Eu fiz a nossa reunião de conselho hoje pela manhã (no dia 24 de fevereiro de 2021) e eu disse para eles que eu não sei como é que vai ser. Eu não sei como o dólar vai ficar, como o frete estrangeiro vai ficar, o abastecimento de matéria-prima, a demanda no Brasil, se o mercado continuará aberto. Ninguém sabe o que vai acontecer. Se a gente vai ter uma queda e depois vamos engatar uma recuperação igual a do ano passado ou se teremos um momento mais demorado de pandemia e não vamos ter a mesma recuperação.
A gente continua com otimismo, mas não tem um cenário muito previsível aqui no Brasil. Juntamente com isso, tem um caos político que predomina... Então, eu acho que vai ser um momento muito difícil e é preciso pé no chão
O POVO - Você acredita então que é um cenário pior do que no ano passado?
Annette - A gente diz que é menos pior porque a gente já viveu a pandemia. Então estamos com a cabeça antenada para passar de um lado para o outro, para repensar estratégias. Mas se formos analisar que tivemos uma rápida recuperação no ano passado, eu não sei se isso vai se repetir. O auxílio emergencial não vai vir nos mesmos valores, as pequenas e médias empresas estão sofrendo muito e para a gente ter uma economia saudável precisamos que todos os níveis da economia estejam funcionando. Hoje a gente vê que as maiores empresas ainda estão mais estáveis, mas as menores estão sofrendo muito. A gente continua com otimismo, mas não tem um cenário muito previsível para gente aqui no Brasil. Juntamente com isso, tem um caos político que predomina e é preciso também até mesmo a gente se sentir um pouco mais seguro na forma com que vai lidar com esta segunda onda. Então, eu acho que vai ser um momento muito difícil e é preciso pé no chão.
O POVO - Quais as principais mudanças que a Mallory fez para atravessar por este momento de maior turbulência?
Annette - O primeiro foi o trabalho de home office pela segurança de todos. E, de modo geral, esse trabalho de home office gera uma produtividade, apesar de ter as suas deficiências. Obviamente, tivemos também um foco muito forte na redução de custos, isso é um trabalho diário em todas as áreas, além de automatização de dados e de inteligência comercial.
O POVO - A indústria passou a vender mais de forma direta para o consumidor final também não é…
Annette - Sim, a gente aumentou o nosso e-commerce. Tanto o nosso e-commerce próprio, como também o trabalho com marketplace. E o foco, sem dúvidas, gerou um aumento bastante interessante, até porque todos os nossos clientes também aumentaram suas vendas pelo comércio eletrônico. Sem dúvidas, é um canal que vai ter uma importância muito maior para todos nós no ramo de eletro portáteis.
O POVO - Annette, a senhora também está à frente do Mulheres do Brasil no Ceará e este é um movimento que vem com uma campanha muito forte pela vacinação no Brasil. O que está sendo feito na prática? Pretendem comprar mais vacinas?
Annette - Não, a gente não quer comprar vacina. Entendemos que o Governo tem que comprar a vacina, o que a gente quer enquanto sociedade civil é unir forças para assegurar que todo o resto possa acontecer. A gente tem neste momento um foco muito forte na pesquisa com os municípios que aplicam a vacina para entender essa realidade, o que precisa exatamente. Seja em termos de logística, de refrigeração, de EPIs, de seringas, de internet para assegurar que todos os municípios estejam bem preparados para quando a vacina vier. O que a campanha Unidos pela Vacina deseja fazer é colaborar com o Governo Federal e apoiar os pequenos municípios e dar mais segurança para que eles possam fazer o seu trabalho. O movimento Mulheres do Brasil, que é liderado pela Luiza Helena Trajano, tem como meta ajudar o Brasil a vacinar todo mundo até setembro deste ano. Isso significa que todas as áreas precisam estar preparadas. E a gente entende que a sociedade civil tem que fazer sua parte, não dá simplesmente só para cobrar, cobrar e cobrar do Governo. Nós, por exemplo, da Mallory, estamos lançando uma campanha de conscientização na região de Maranguape, porque falando com a secretaria municipal de saúde a gente enxerga que, muito do problema, infelizmente, continua sendo a falta de disciplina das pessoas com os cuidados mínimos necessários. Continua a festa, continua gente andando sem máscara, levando vida normal quando ainda não podermos ter esse tipo de liberdade.
Entendemos que o Governo tem que comprar a vacina, o que a gente quer enquanto sociedade civil é unir forças para assegurar que todo o resto possa acontecer
O POVO - Quais foram as principais dificuldades identificadas e como a indústria pode ajudar?
Annette - A gente já está começando a ver problemas de logística, desde a logística das pessoas para chegar até o local da vacina, a aglomeração ao redor dos postos de vacinação. Então existem parcerias que estão sendo montadas para ajudar nessa logística. Enxergamos dificuldade na refrigeração das vacinas; percebemos problemas de internet, alguns municípios não estão conseguindo dar baixa na prestação da vacina; e tem um grande problema na comunicação.
O POVO - Existe um debate muito forte, em âmbito nacional, se a iniciativa privada deveria ou não comprar vacinas. Inclusive, houve um embate porque uma parte das empresas que estavam à frente deste movimento entendia que os lotes deveriam ser integralmente doados ao Governo e outra parte queria doar apenas metade e usar o restante para imunizar seus funcionários. Como a senhora está enxergando esta questão?
Annette - Em primeiro lugar, eu acho que todas as iniciativas são positivas no sentido que todo mundo quer fazer sua parte, quer ajudar. Temos que tomar muito cuidado com as críticas. Agora, o como fazer é a grande raiz do problema. O Brasil é um dos melhores países do mundo de vacinação em massa. Então, a primeira coisa é que temos que confiar bastante no Governo e na estrutura criada pelo SUS para fazer a vacinação. Entretanto, se tem meios para a sociedade civil apoiar, acho que o Governo também tem que abrir as portas para permitir essa ajuda. No mês passado, quando houve essa situação da compra de 33 milhões de vacinas da AstraZeneca, pela indústria, tiveram alguns equívocos na negociação. O que foi posto era que as empresas receberiam as vacinas e doariam 50% para o Governo. O que eu entendo é que isso fere a política de vacinação no País, porque é a política de vacinação quem define quem deveria ser o público prioritário e a gente tem que respeitar aquilo, sabendo que o Brasil é especialista em vacina. Então, se, porventura, existir alguma situação de compra de vacina pela iniciativa privada, desde que ele siga a política de vacinação do País e desde que isso esteja de acordo com a política do Governo, eu não vejo nenhum problema. O problema é comprar para uso próprio, ai já tem um problema de ética.
Têm pessoas que não conseguem se privar e não sair. Mas o respeito básico é um grande problema no Brasil. Se a pessoa não usa a máscara ela não se respeita, mas este não é um problema só dele, é de todos
O POVO - Como a senhora avalia a forma com que o Governo Federal vem conduzindo esta questão da vacinação? E em que medida isso vem, de certa forma, dificultando o processo de recuperação da economia?
Annette - É como falei, é sempre muito mais fácil criticar. Mas, agora, nós somos um país que teve três, quatro ministros da saúde em plena pandemia. Qualquer empresa que tenha três ou quatro CEOs durante um ano vai sofrer. Infelizmente, tivemos problemas políticos. O que eu considero o maior erro vem sendo a não antecipação da negociação das vacinas. Isso está acontecendo em vários países. Eu sou inglesa, a gente viu que lá o Governo foi um desastre no início da pandemia porque negou-se que existia uma pandemia e partiu para a imunidade de rebanho. E, pronto, a Inglaterra está em lockdown há quase um ano, mas em contrapartida, já em agosto do ano passado, estava negociando a vacina.
OP - Neste contexto, como ficou o trabalho do Mulheres do Brasil? Antes da pandemia, vocês estavam fazendo um trabalho no Estado que começava a ganhar ritmo, na reinserção de mulheres que estão encarceradas, com as rendeiras. Como ficou a realidade dessas pessoas que eram assistidas pelos projetos?
Annette - Se for falar a nível nacional, a gente entrou na pandemia com 40 mil mulheres e hoje está com 76 mil no Mulheres do Brasil. Então a gente quase dobrou a quantidade de pessoas que aderiram ao movimento. Quando a gente olha para Fortaleza, como em qualquer empresa, tomamos um susto logo no início, mas, rapidamente, começamos a entender e a ver o que podíamos fazer. Tínhamos acabado de inaugurar a nossa sede, abriu e depois voltamos para casa. Mas partimos para digitalizar quase todos os programas que a gente tem. O único que a gente teve mais dificuldade foi dentro do presídio porque realmente não podíamos estar lá dentro com as aulas de artesanato e os ciclos de paz e cultura de não violência. Realmente não pudemos mais fazer isso, mas, em contrapartida, a gente conseguiu digitalizar muitas coisas. Por exemplo, as artesãs que temos, logo no início, a gente partiu para doação, doamos mais de cem toneladas de cestas para várias comunidades que a gente apoia porque percebemos que eles tinham parado de trabalhar. E no fim do ano passado, a gente lançou o nosso e-commerce de artesanato, onde estamos comprando o artesanato das artesãs e trabalhando no mercado digital. É um novo trabalho que iniciamos.
O POVO - Mas compra este artesanato e faz o quê?
Annette - A gente vende, tem plataforma de e-commerce, o Terra Artesã, compra artesanato e revende. E estamos comprando também de ex-egressas do sistema carcerário que saíram e continuam fazendo o trabalho de artesanato. Tem um programa de melhoria para jovens internas, que era presencial, e hoje está acontecendo de forma virtual. Tem programa de gestão para as organizações sociais (OSCs), onde conseguimos aumentar de 12 para 25 as OCS assistidas por meio da capacitação remota. Também lançamos o programa de escuta com afeto que tem mais de 30 voluntários que oferecem sua escuta para pessoas que estão sofrendo psicologicamente na pandemia.
O POVO - E como você avalia esse comportamento das pessoas, os decretos de restrições? Por que ainda temos tantas pessoas que resistem ao uso de máscara? Acredita que ainda é negação da doença?
Annette - Não sei, mas acho que ainda tem muito de autonegação. Têm pessoas que não conseguem se privar e não sair. Mas o respeito básico é um grande problema no Brasil. Se a pessoa não usa a máscara ela não se respeita, mas este não é um problema só dele, é de todos. Se as medidas (de restrição dos Governos) estão corretas ou não estão corretas, a gente pode questionar até morrer, mas o fato é que se existe uma medida o que custa a gente tentar cumprir? Mas reconheço que, muitas áreas da sociedade, da economia, estão sofrendo até demais, têm muitas empresas que não sobreviveram, e que a dificuldade gera revolta, chateação e, consequentemente, várias reações. A gente não consegue dizer quem está certo, se as medidas estão corretas, agora, cabe a cada um analisar seu próprio comportamento e fazer a sua parte.
O POVO - Como a pandemia mudou o portfólio da Mallory? Passaram a produzir produtos relacionados a essa questão?
Annette - A gente lançou um filtro para ventiladores que retém as poeiras que passam no ventilador; lançou um spray de hipoclorito de sódio para esterilizar. Estamos com produtos de descontaminação de ar entrando no mercado. A gente entrou com alguns produtos para melhoria da qualidade do ar das pessoas e neste ano a gente continua nessa linha de desenvolvimento.
OP - Acredita que essa é uma das principais tendências que devem se firmar no novo padrão de consumo das pessoas para além do comércio eletrônico?
Annette - Eu acredito que o consumidor vai estar mais atento aos produtos de sanitização, limpeza e a qualidade do ar. Ele vai ter que ter esta preocupação e não é só por causa da pandemia. Esse é só um dos vírus que está vindo. Todos falam que a próxima guerra é biológica, então a gente vai ter que ter mais cuidado, é uma guerra invisível, estamos em um planeta com bilhões de pessoas, onde não tem mais ar puro, estamos matando nossas árvores, então, uma hora vai ter que pagar o preço de viver desse jeito. Vamos ter que ter mais cuidado daqui para frente, tem que se unir, é um caminho sem volta.
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