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Francisco Teixeira: "O projeto São Francisco é o fator de sobrevivência da nossa região do Cariri"
Reportagem Seriada

Francisco Teixeira: "O projeto São Francisco é o fator de sobrevivência da nossa região do Cariri"

Ministro da Integração durante o governo Dilma e ex-secretário dos Recursos Hídricos do Ceará vê Projeto de Integração do Rio São Francisco como porto seguro dos nordestinos durante eventuais secas prolongadas

Francisco Teixeira: "O projeto São Francisco é o fator de sobrevivência da nossa região do Cariri"

Ministro da Integração durante o governo Dilma e ex-secretário dos Recursos Hídricos do Ceará vê Projeto de Integração do Rio São Francisco como porto seguro dos nordestinos durante eventuais secas prolongadas
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Natural de Palmácia, no Maciço de Baturité, Francisco Teixeira conheceu logo cedo a vegetação úmida da serra e a secura do sertão. Filho de produtor rural, aprendeu desde pequeno a importância da água para quem vive fora dos grandes centros urbanos.

Com mãe professora, teve a educação como um pilar de sua formação, se tornando engenheiro formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Em uma vida dedicada à gestão de águas, chegou a liderar o Ministério da Integração Nacional (atual MIDR) e a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará (SRH), trabalhos que o credenciaram como uma das principais referências no assunto em todo o Estado.

Francisco Teixeira é ex-ministro da Intregação e ex-secretário dos Recursos Hídricos(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Francisco Teixeira é ex-ministro da Intregação e ex-secretário dos Recursos Hídricos

Em mais de 40 anos de carreira, sua contribuição mais notável é sem dúvidas o Projeto de Integração do Rio São Francisco, também conhecido como Transposição do São Francisco, da qual ele fala com orgulho que não cabe ao corpo.

Em duas passagens pelo MIDR, foi ativo nas negociações que possibilitaram o início das obras em 2007 e essencial para a retomada dos serviços em 2012 após entraves contratuais.

Francisco defende a transposição com unhas e dentes, muito provavelmente por ter visto de perto a obra ter resguardado o Ceará durante mais de sete anos de seca, entre 2012 e 2018.

Hoje, o engenheiro atenta para a importância do PISF em possíveis eventos extremos no futuro, principalmente para a Região do Cariri, que possui maior dependência das águas do Velho Chico.

A seca iniciada em 2012 é uma memória árdua para Teixeira, que lembra acordar olhando para o céu, na ânsia de chuvas que enchessem os reservatórios. O retorno à SRH em 2015 foi totalmente diferente da primeira passagem, em 2004, quando até o Castanhão, maior reservatório da América Latina, ameaçava sangrias diariamente.

Em entrevista exclusiva ao O POVO, Francisco comentou carreira, infância e experiências políticas por mais de duas horas. Sobrevivente à morte familiar, secas e cheias, vê os bem vividos 65 anos ainda com vigor da juventude, e se diz motivado a encarar novos desafios.

 

 

OP - Você nasceu em Palmácia, certo?

Francisco Teixeira - Na realidade, eu sou registrado lá, no cartório de lá. Mas assim, minha mãe teve oito filhos e eu sou sexto. Então, quando a minha mãe foi me ter, acho que ela tinha 30 e tantos anos.

Uma mulher ter filho, em 1959, com 30 e tantos anos era risco, né? Fazer o parto lá no sítio onde a gente morava. Eu vim nascer numa maternidade em Fortaleza, mas só nasci e voltei para lá dois, três dias depois. Morei lá até os 11 anos de idade.

OP - Você lembra da sua infância em Palmácia?

Francisco Teixeira - Lembro. Você ser criado no Interior, ainda mais na zona rural, é uma infância muito rica de experiências. Por exemplo, eu ia pra aula a cavalo quando não ia a pé.

Entrevista com o ex-ministro ocorreu no dia 28 de janeiro(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Entrevista com o ex-ministro ocorreu no dia 28 de janeiro

Papai, ele era um proprietário rural que tinha relativas posses, vindo já do pai dele, meu avô. Tinha criação de gado, embora para uma pequena criação de gado, um engenho para fazer cachaça. Então assim, eu eu fui menino olhando o engenho, pessoal moendo cana, fazendo farinha… porque tinha casa de farinha também.

Tomava banho de açude, aprendi a nadar dentro de açude. Minha infância foi muito cheia de experiências boas, muito boas, mas nós tivemos experiências assim ruins também, porque o papai adoeceu quando eu tinha 6 anos de idade.

Era Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Aquela doença que inclusive esse físico que morreu aí um tempo atrás, Stephen Hawking (1942 - 2018), teve.

OP - Você era muito apegado à sua mãe?

Francisco Teixeira - Principalmente os mais novos, a nossa grande referência é a mãe. A referência era muito ela, porque ela era professora, educadora, muito culta, formada no Liceu do Ceará, ainda na época aí de Getúlio Vargas. Então ela era muito à frente do tempo dela.

Tinha um conhecimento de história, geografia, anatomia humana… tudo. Naquela época era uma professora formada no Liceu, tinha que saber de tudo.

Tinha uma visão política também interessante. Ela era uma pessoa muito importante na nossa vida, tanto pelo lado educacional do exemplo, como porque foi quem criou a gente. Ela foi tudo pra gente. Perdi o papai com 11, mas quando eu tinha 9 anos ele já estava num estado de doença muito avançado.

Pai de Francisco teve Esclerose Lateral Amiotrófica, mesma doença de Stephen Hawking(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Pai de Francisco teve Esclerose Lateral Amiotrófica, mesma doença de Stephen Hawking

OP - Tem lembranças do seu pai?

Francisco Teixeira - Tenho porque eu andava a cavalo muito com ele. Gostava de botar a gente na garupa para andar a cavalo, olhar o sítio com ele…

Nas férias botava para ajudar no trabalho. Eu ajudava muito ele a fazer as contas do sítio. Eu ajudava a pesar cana, eu menino com 10 anos de idade, 9, 10 anos, eu ficava numa balança pesando cana. Ia pesando, anotando e no começo da noite eu ia conferir com ele. Era uma pessoa muito alegre, muito sorridente. Ele lamentou a doença.

OP - Você falou sobre a doença do seu pai. O que se sabia sobre ela na época?

Francisco Teixeira - Nada, muito pouco. Ainda mais aqui no Ceará. O diagnóstico foi uma dificuldade grande. Ele chegou a ir pro Rio de Janeiro, né, para fazer uma investigação. Descobriram depois com o atestado de óbito, que era esclerose lateral amiotrófica. Toda a tecnologia da época não permitia assim você ter um diagnóstico muito imediato.

OP - Depois de Palmácia você vem para Fortaleza. Foi motivada pela morte do seu pai?

Francisco Teixeira - O papai morreu em 70. Em 71 eu já vim porque eu acabei o quarto ano primário. Aí a família decidiu que eu não deveria fazer ginásio lá.

O ginásio também já estava em processo de decadência porque ele era de uma congregação comunitária que tinha. E eu vim estudar no colégio marista. Meu meu irmão estudou lá, então ele quis me trazer para estudar no colégio cearense.

OP - Saltando alguns anos, você escolhe entrar na universidade de Engenharia. Por quê?

Francisco Teixeira - Olha, Engenharia era porque eu tinha um irmão engenheiro, primos engenheiros… Na minha época de criança, adolescente, jovem, os cursos mais conceituados eram medicina e engenharia. Eu não queria ser médico.

Quando eu fui escolher para o que fazer vestibular, a única certeza que eu tinha era que eu não queria fazer Medicina. E aí eu resolvi fazer Engenharia. Mas eu gostei. Sempre gostei de estudos sociais… geografia, história e tudo mais. Gostava de matemática e física também.

OP - Algum motivo para a aversão à Medicina?

Francisco Teixeira - Não, não. Eu acho que é isso é muito dedicado à pessoa. Naquela época e hoje também eu não me enxergo um médico operando.

Eu tenho uma filha médica. É engraçado. Ela fez engenharia, terminou Engenharia Civil por conta dela. Ela quis escolher, mas não quis engenharia. Aí entrou na Medicina. Já fez, terminou residência e já é médica ortopedista.

"Quando eu fui escolher para o que fazer vestibular, a única certeza que eu tinha era que eu não queria fazer Medicina"(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES "Quando eu fui escolher para o que fazer vestibular, a única certeza que eu tinha era que eu não queria fazer Medicina"

OP - Sua primeira experiência no Estado foi em 94, na Cogerh. Como surgiu essa oportunidade?

Francisco Teixeira - O Ceará tinha a Secretaria de Recursos e um órgão de obras hídricas, criado em 87 ainda no governo Tasso, quando foi em 93, criaram essa empresa. Aí ela abriu um concurso, criaram em 93, fim de 93 abriu um concurso para julho de 94.

Aí eu tinha muito a ver com minha área, porque tinha questão de barragem, tinha questão de gestão, gestão de recursos hídricos era uma coisa nova. Eu fiz um concurso e entrei no estado em 94. Aí desde que eu entrei no estado de 94, 95 já fui começando a ocupar cargos, diretor técnico da SRH…

OP - Ficou quanto tempo na Cogerh?

Francisco Teixeira - Quando eu entrei, na realidade, eu só fiquei dentro da Cogerh mesmo seis meses, porque no em 1994 o Tasso Jereissati voltou ao governo e me convidou para ser secretário. Ele me convidou porque me conhecia da consultoria [antigo emprego antes do Estado]. Eu tinha militado no PDT também, na juventude, mas ele me conhecia também.

O primeiro cargo meu no Estado foi ser diretor técnico da SRH em 95. Aí daí eu ficava de dois em dois anos. Eu fiquei diretor técnico dois anos, voltei para Cogerh, fiquei diretor de planejamento dois anos, voltei para SRH, coordenei os projetos do Banco Mundial dois anos, tive que ir para Sohidra, onde fui superintendente por dois anos.

Aí quando veio o governo Lúcio Alcântara, eu fui secretário adjunto dois anos, 2003 e 2004. Aí no final de 2004 eu fui convidado para ir para Brasília. Me chamaram para trabalhar na transposição de São Francisco, na primeira etapa.

Canal da Transposição do Rio São Francisco que passa por Monteiro, município da Paraíba(Foto: Mateus Dantas / O Povo, em 20-07-2017:)
Foto: Mateus Dantas / O Povo, em 20-07-2017: Canal da Transposição do Rio São Francisco que passa por Monteiro, município da Paraíba

 

OP - Isso como assessor, certo?

Francisco Teixeira - Era assessor especial do ministro da Integração. Trabalhei com Ciro (Gomes) um pouquinho, mas mais com Pedro Brito.

Nessa primeira fase participei muito dos debates da transposição do São Francisco, para defender. Eu ia nos debates em Minas Gerais, Alagoas, Sergipe, no Nordeste todo aí e parte de Minas debater a necessidade do São Francisco.

OP - O que era posto nesses debates?

Francisco Teixeira - Quem habita uma área geográfica de uma bacia hidrográfica e tem toda uma história com aquele rio, ainda mais sendo um rio como São Francisco, tem toda uma cultura em torno dele... Quem está ali não quer dividir sua água. Entende que aquela bacia hidrográfica é deles e que cada um que cuide da sua área, da sua bacia hidrográfica, e não venha pegar água dos outros.

Embora eu entenda que elas estavam equivocadas, mas eu compreendo porque era um processo de formação do sistema integrado de gestão de recursos do Brasil.

Tinha gente, vamos dizer, de movimentos bem progressistas que eram contra a transposição, né? Os movimentos sociais eram contra a transposição porque achavam que o dinheiro que ia gastar na transposição tinha que ser investido num programa de um milhão de cisternas, quando na realidade você tinha que fazer os dois.

O debate era em parte muito focado na falta de compreensão de que se tinha uma vulnerabilidade hídrica aqui mesmo e a luta pelo recurso, pelo dinheiro, porque quem defendia cisternas, queria que aplicasse o dinheiro em cisternas, mais dinheiro ainda.

OP - Você chega à Secretaria de Obras do Ministério em 2012. Em que passo estava a transposição?

Francisco Teixeira - Existia a ideia, mas ela mais política do que técnica, de que se fazia em quatro anos. Em regimes democráticos que têm muita burocracia para proteger o erário, em que você tem que dar justificativa ao Tribunal de Contas, essas coisas e tudo, demora mais.

Em 2017, canal da Transposição do Rio São Francisco que passa por Monteiro, município da Paraíba(Foto: Mateus Dantas / O Povo, em 20-07-2017)
Foto: Mateus Dantas / O Povo, em 20-07-2017 Em 2017, canal da Transposição do Rio São Francisco que passa por Monteiro, município da Paraíba

Você tem problema na contratação. O modelo de contratação na época era com preço unitário, que burocratiza mais, dá muito problema, muita discussão de aditivos, disso, daquilo.

Na realidade, primeiro, a transposição do São Francisco começou em 2007 com serviços sendo executados pelo Exército Brasileiro. Agora, licitação, contratação mesmo para poder começar com empresa privada foi em 2008 que começou e mais efetivamente em 2009.

Houve um ritmo muito forte nesse segundo período do governo Lula, 2009 e 2010, a transfusão andou bastante, mas quando chegou em 11 começou a ter problemas com necessidade de ajuste aos projetos.

Os projetos foram sendo ajustados porque ela foi licitada em cima do projeto básico. Quando veio o projeto executivo, precisava ajustar os contratos. E um contrato você não pode nem reduzir a mais de 25%, nem aumentar a mais de 25%. Então, muitas empresas desistiram, outras precisavam se fazer uma negociação muito difícil.

Então, literalmente, quando eu cheguei, fui chamado no final de 11 e cheguei lá no início de 12, a transposição que já tinha se trabalhado com quase 10.000 pessoas lá por volta dos anos de 2009, 2010, só tinha um lote de 14 sendo trabalhado, e tinha mil, 1.500 pessoas.

Obras de construção dos canais do Cinturão das Águas, em julho de 2017, que levariam rio São Francisco até o açude Castanhão  (Foto: Mateus Dantas em 25/7/2017)
Foto: Mateus Dantas em 25/7/2017 Obras de construção dos canais do Cinturão das Águas, em julho de 2017, que levariam rio São Francisco até o açude Castanhão

OP - Uma das críticas que a Transposição sofreu ao longo dos anos foi no tocante aos impactos ambientais da obra. Isso foi previsto nos planos iniciais? O que vocês tinham pensado de compensação para esse prejuízo?

Francisco Teixeira - Os projetos anteriores não tinham preocupações com a questão ambiental, até porque nos anos 80 nós estávamos engatinhando nessa discussão sobre a gestão ambiental.

Aí o projeto passou a incorporar um grande componente socioambiental. Eu não conheço um projeto dessa envergadura que tenha um componente socioambiental tão bem estruturado como o do São Francisco.

São, eram na época, deve ter aumentado, 32 projetos básicos ambientais. Tinha 32, vamos dizer, subcomponentes sobre projetos. Projetos, seja, de resgate da fauna e da flora, inventário da fauna da flora, reassentamento em agrovilas, em vilas produtivas rurais da população afetada.

OP - Outra crítica apontada era a falta de consulta aos povos indígenas, né? Muitas comunidades originárias reclamaram de não terem sido procuradas para a realização da Transposição do São Francisco. Como foi o contato com esses povos?

Francisco Teixeira - Isso aí teve um trabalho muito grande. Os povos indígenas encontrados foram mais numa ilha que fica próximo à captação do eixo norte. Foi feita toda uma assistência a esses povos.

No decorrer dos canais e tudo não tem esses povos originários, mas onde tinha esses povos originários era ali na na numa ilha um pouco abaixo a jusante de onde havia a captação do do projeto.

Embora não tendo um impacto neles, mas como eles estavam na área de influência do projeto, eles também foram assistidos. Não me lembro bem aqui qual era a etnia, mas tinha um componente também só para tratar dessa questão indígena.

 

À espera de Francisco

Em 2016, O POVO viajou 2 mil quilômetros do Eixo Norte da obra, pelos municípios de Cabrobó e Salgueiro, em Pernambuco, Jati, Brejo Santo e Mauriti, no Ceará. No especial, os repórteres Cláudio Ribeiro e Fábio Lima e o motorista José Maia Rodrigues mostraram histórias de espera pelas águas de Francisco.

 

OP - Essa obra tinha uma previsão inicial de durar quatro anos, e no final, terminou se arrastando por mais de 15. Quais os problemas que vocês encontraram ao longo do caminho?

Francisco Teixeira - Como eu lhe falei, foi a forma de contratação, certo? A forma de contratação. Não se faz a contratação a preços unitários, você pegando milhares e milhares, 3 mil, 5 mil itens e medindo item por item. O erro no projeto do São Francisco foi não ter feito uma contratação integrada.

O que é que você faz? Você faz um projeto básico ou um anteprojeto, estima o valor global daquela obra e faz o contrato com a empresa construtora, sendo a responsável para detalhar o projeto.

Ao detalhar o projeto, a responsabilidade é dela. Ela vai detalhar e executar aquele projeto. Depois de aprovado pelo Estado, pela União, ela implanta. Quando eu faço dessa forma, a empresa tem interesse em primeiro fazer um bom projeto, porque se o projeto for mal feito, vai prejudicar ela mesmo.

 

 

OP - A Transposição atingiu os parâmetros que vocês almejavam?

Francisco Teixeira - Em 2020 a água chegou aqui. Tudo bem que choveu, mas a gente fez uma experiência para chegar água no Castanhão. Hoje a gente tem, eu diria assim, a segurança de que numa seca extrema, como a gente conviveu, eu posso olhar ali pro São Francisco e tem a possibilidade de trazer uma quantidade de água para ajudar aqui.

Coisa que quando eu assumi a secretaria em 2015, eu olhava, dava prioridade pra gente andar com ramal e com cinturão das águas para poder ter essa ligação. Hoje eu tenho uma ligação com a maior fonte hídrica do Nordeste para nós, caso eu precise, seja para boa parte do interior do estado, seja para Fortaleza.

Eu diria que o projeto São Francisco é o fator de sobrevivência da nossa região do Cariri, porque a água subterrânea no sul do Ceará está em processo de super explantação e a região mais dinâmica que cresce mais no Ceará hoje é a região do pólo Crato-Juazeiro-Barbalha. Sobretudo Juazeiro.

O que vai salvar as pessoas ali de um futuro desabastecimento por conta da escassez da água subterrânea vai ser o cinturão das águas, que é um braço do projeto São Francisco. Isso vai ser a salvação no futuro do Cariri a longo prazo.

Águas da Transposição do Rio São Francisco a caminho do Cinturão das Águas, no Ceará(Foto: Nívia Uchoa/Governo do Ceará)
Foto: Nívia Uchoa/Governo do Ceará Águas da Transposição do Rio São Francisco a caminho do Cinturão das Águas, no Ceará

OP - Enquanto esteve à frente do Ministério da Integração, você defendeu bastante um maior investimento no Dnocs. O órgão se tornou o que você esperava?

Francisco Teixeira - Ele poderia até ajudar na gestão dessa água, fazer também programas de ajuda no atendimento dessa população rural e desenvolver mais ainda, tecnologias de convivência com a seca. Agora, para ter isso, ele precisava ser modernizado, ele precisava de um concurso público e botar pessoas novas dentro, porque o Dnocs quase todo mundo já se aposentou.

Entra governo federal e sai governo federal, não se faz concurso para revitalizar o Dnocs. Eu não consegui, eu vi realmente que não tinha uma boa vontade com o Dnocs no próprio Conselho do Governo Federal na época.

E hoje eu acho que continua porque houve um concurso público aí para várias agências federais e eu soube que pro Dnocs parece que não teve uma vaga, né? Então assim, é um órgão centenário que merecia realmente o melhor tratamento até para manter, vamos dizer, a sua história.

OP - Em 2014, uma ala do Pros (partido incorporado ao Solidariedade em 2023) começou a almejar a vaga de ministro da Integração. Fizeram inclusive ameaças de apoiar o Eduardo Campos na eleição ao invés da Dilma. Como foi trabalhar nesse período? Onde você tinha que tocar uma Transposição enquanto via seu cargo sendo especulado?

Francisco Teixeira - Claro que eu tive que ter muita habilidade política para conviver com isso, mas por outro lado, como eu estava ali numa missão para atender a presidenta, respondendo por uma pasta que era muito importante naquela época, sem nenhuma preocupação em ficar muito tempo e sabendo que era uma uma missão interina, entendia que a qualquer momento, por decisão da presidente, ela podia trocar uma pessoa no meu lugar.

Caderno especial 'À espera de Francisco', d'O POVO(Foto: O POVO)
Foto: O POVO Caderno especial 'À espera de Francisco', d'O POVO

Eu não perdi também a tranquilidade, de ficar ali no Ministério cumprindo meu papel. Talvez porque foi algo que eu não lutei por aquilo, não fui atrás, não tinha ambição, não tinha interesse maior em ficar, fiquei numa ambição porque era importante para o Brasil naquela época.

Mantive a tranquilidade exercendo, além da parte técnica, alguma habilidade política, respeitando os políticos, recebendo toda a classe política e dizendo sempre que a definição de qualquer cargo, qualquer coisa, cabia a presidenta da República.

Eu acho que a presidenta, ela tinha essa cabeça muito de priorizar a questão técnica. Acho por isso que ela decidiu que eu deveria ficar lá mais tempo.

OP - Voltando a falar especificamente do Ceará, você viveu dois cenários distintos: as cheias de 2004 e a seca que começou em 2012. Como foi ver esses dois Cearás?

Francisco Teixeira - Por mais que eu tenha essa compreensão de que aquilo é factível de acontecer na realidade da nossa região, do semiárido, de você ter momentos de abundância de água e momentos de tremenda escassez, eu não posso deixar de dizer que me surpreendeu.

Na primeira década do milênio, depois do evento de 2004, o Castanhão encheu em 40 dias. Não encheu mais porque foram abertas as comportas. Em 2008 o Castanhão pegou mais água. Em 2009 eu fiquei algumas noites sem dormir direito, preocupado com cheias no Vale do Jaguaribe.

Eu sempre acordava olhando pro céu. Em 2009 para saber se continuava chovendo lá para aqueles lados do interior. Nessa seca era olhando pro céu azul com poucas nuvens, esperando que as nuvens surgissem, que o céu ficasse mais nublado.

Às vezes abrindo uma torneira na pia de um restaurante e imaginando que um dia ao abrir aquela torneira podia não ter água, caso a seca continuasse tão severa como tava continuando. E se as ações que a gente vinha fazendo não surtissem efeito.

Francisco Teixeira em 2019, quando ainda era secretário dos Recursos Hídricos do Ceará(Foto: MAURI MELO)
Foto: MAURI MELO Francisco Teixeira em 2019, quando ainda era secretário dos Recursos Hídricos do Ceará

OP - Já nos seus últimos anos na SRH, você costumava dizer que o Ceará tem uma “falsa sensação de conforto” e precisa sempre manter uma “cultura da seca”. Hoje, com 44% da capacidade hídrica armazenada, o cenário é o mesmo?

Francisco Teixeira - Gente da idade de vocês, se não veio do Interior agora e pouca gente tá vindo, porque o Interior hoje, vamos dizer, enseja uma qualidade de vida melhor do que no passado, não consegue enxergar isso.

A pessoa mora ali em Crateús, mesmo na área urbana, ela sabe que a água vem do Carnaubal. Aqui as pessoas não sabem de onde vem a água.

A água vem de longe, vem de um conjunto de reservatórios. Então para eles é como se a água viesse da torneira. Então eu diria, eu dizia sempre, as pessoas têm a falsa percepção de abundância de água, porque abre a torneira e sempre vai ter água.

Se não houver um trabalho educacional, vamos dizer, de garantir essa água, as pessoas vêm sempre a ter a falsa percepção de que a água é algo até barato.

"Eu sempre acordava olhando pro céu. Em 2009 para saber se continuava chovendo lá para aqueles lados do interior. Nessa seca era olhando pro céu azul com poucas nuvens, esperando que as nuvens surgissem, que o céu ficasse mais nublado"(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES "Eu sempre acordava olhando pro céu. Em 2009 para saber se continuava chovendo lá para aqueles lados do interior. Nessa seca era olhando pro céu azul com poucas nuvens, esperando que as nuvens surgissem, que o céu ficasse mais nublado"

OP - Você citou que já poderia ter se aposentado, mas preferiu continuar trabalhando, hoje como assessor da presidência da Funceme. O que ainda lhe mantém na ativa?

Francisco Teixeira - Eu tenho tempo para me aposentar, mas também não tenho interesse, porque primeiro gosto do que faço. Me sinto, mesmo aos 65 anos, em condições de contribuir ainda com muita coisa.

Do ponto de vista financeiro também é melhor eu estar onde eu estou. Essas mudanças climáticas que estão aí vão tornar as secas mais severas. Então é um novo desafio.

Quando você tem um desafio, você quer continuar contribuindo, mesmo que seja mais de longe, não seja diretamente.

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