“Navegação Cocó, bom dia, comandante Araújo falando”. A saudação já instintiva faz parte da rotina do tenente Francisco de Assis Araújo Garcia, de 60 anos — que há mais de 30 atua diariamente como um guardião do rio —, e precede um importante aviso aos navegantes: o Cocó é muito menor onde as pessoas mais o conhecem.
Profundo conhecedor desse corpo d’água que atravessa a Cidade de uma ponta a outra, todos os dias ele comanda passeios de barco no trecho mais conhecido da
Opção de lazer para uns, única alternativa de moradia para outros: enquanto é vendido como um oásis em meio à paisagem urbana e arde na disputa pelo verde, o Cocó também é atravessado por problemas que afetam a qualidade de vida dos fortalezenses mais pobres. Essa é uma dinâmica quase crônica a grandes metrópoles brasileiras, e não seria diferente na
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“É o quarto maior parque da América Latina, é o maior do Norte e Nordeste, é o maior de Fortaleza, mas é o rio que o corta que o mantém vivo”, lembra Araújo.
“A juventude que está conhecendo, vivenciando, ela precisa ajudar o rio a sobreviver. Cada grupo de estudantes, as pessoas que vêm nos fins de semana, as crianças que gostam de ver as aves, o mangue, que veem a natureza pulsando, tudo vivo. Sozinho ele não consegue, porque a carga de pessoas atirando todo tipo de poluição é muito grande”, realça.
Além de navegar com fortalezenses e turistas a bordo do
Animais avistados durante o percurso pelo rio Cocó
São de três a cinco sacos grandes de lixo todos os dias somente no trecho entre as avenidas Sebastião de Abreu e Engenheiro Santana Junior— e, diz Araújo, “quando chove a situação piora mais. Chega a 15 sacos de resíduos só nesse pedaço”.
“Isso aqui pertence a todos nós, somos totalmente dependentes. O ecossistema criado aqui proporciona mais do que bem-estar. Infelizmente temos uma herança da Europa de pôr esgoto para dentro dos rios, e hoje tem menos do que há 30 anos, mas ainda existe e não só isso. Tudo o que o ser humano usa eu já consegui encontrar aqui dentro: cama, sofá, geladeira, restos de carro”, conta.
Além da coleta, Araújo também instalou três barreiras de contenção que seguram parte do lixo, mas relata que ainda há resíduos que escapam e chegam à fauna local: “já encontrei peixe morto em sacola, em tênis. Aves presas a borrachas ou estopas, que confundem com peixes e dão bote para pegar”.
Coletas diárias pelo rio Cocó
O passeio, segundo o tenente, é uma oportunidade de levar educação ambiental e criar a relação de pertencimento da população através da história e do contato direto com o ambiente, já que é possível “observar as margens do rio e avistar, na copa das árvores, alguma das 80 espécies de aves que habitam a região; ou, nas águas, alguma espécie de peixe das 56 que nadam nas águas do rio; ou descobrir raposas, guaxinins, tejos, iguanas e até mesmo cobras entre as folhagens”.
São muitas as histórias que os navegantes conhecem: na origem do nome Cocó, por exemplo, há a versão de “quando o rio era balneável e as mulheres que lavavam roupas faziam cocó nos cabelos” e a da língua tupi guarani, que “se refere aos indígenas que plantavam na roça, chamada de 'có'”. Após o abandono das salinas, “a maré, que enche e seca duas vezes todo dia, veio trazendo sementes e fez florescer a floresta que tem mais de 40 anos”.
Antes restrito ao percurso de cerca de 1 quilômetro, pouco mais de 20 minutos, o passeio foi expandido para ter outro percurso alternativo — esse dura mais de 1 hora e percorre 7 quilômetros até a foz do rio Cocó, entre as praias de Sabiaguaba e Caça e Pesca. Acompanhe a tour virtual:
Navegação virtual pelo Cocó em 360°
Porém, enquanto provoca esperança em uns, o rio também representa temor para outros. Ter de subir em uma calçada alta e esperar que a chuva passasse para depois avaliar o que poderia aproveitar do que sobrou em casa após uma grande chuva era uma cena que o líder comunitário Antonio Manoel, 57, do bairro Jangurussu, esperava não se repetir mais.
O que deveriam ser partes do ciclo de um rio passaram a representar riscos, danos e transtornos sérios à população mais vulnerável, que se estabelece em regiões ambientalmente frágeis por fenômenos como a gentrificação e sofrem efeitos drásticos a cada situação de ameaça às construções precárias em que vivem.
Com a estrutura da barragem instalada em 2017 para regular a vazão do rio e conter as cheias, esse problema diminuiu, mas não acabou. Manoel conta que, no período em que a quadra chuvosa fica mais intensa, a preocupação torna impossível dormir. O medo de ter a casa invadida pela água, perder móveis e eletrodomésticos ou contrair doenças já fez com quem muitos abandonassem suas residências.
“Não há conservação, pelo menos onde ele (o rio) passa no Jangurussu”, avalia o educador social, que atua no Centro Urbano de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (Cuca) do bairro.
“O rio está bem judiado. E se ele está assim, nem se fala as pessoas. Quem mora mais perto fica pedindo a Deus que não abram as comportas, que a chuva não traga muito alagamento. Porque a situação das pessoas aqui já é muito difícil, principalmente quando o inverno é mais pesado. As pessoas ficam muito sofridas, vem todo tipo de coisa, todo tipo de esgoto, ligação clandestina, todo tipo de material, lixo que alguns próprios moradores insistem em colocar dentro do rio”, expõe.
Ele cita como exemplo o caso da comunidade da Zona de Interesse Social (Zeis) do Lagamar: na confluência entre o canal Tauape e o rio Cocó, moradores relatam que, por conta dos alagamentos em dias de chuva, a comunidade passou a ser chamada de “alaga mar”, o que
Manoel observa que “quando aparece peixe morto, isso faz parte de um problemão muito maior”: “Eu moro há 22 anos aqui e tem uma parte que eles tiraram algumas famílias e colocaram em outras comunidades, mas eu acho que isso não trouxe mudança ainda para o rio e ainda jogou uma população pra longe”.
“O trabalho que o governo está fazendo, ele tira algumas famílias de perto do rio e coloca em outras comunidades. Mas eles nem resolvem o problema, porque o alagamento vai para além daqueles limites, nem têm um trabalho de sensibilização, conscientização e cuidado com o rio, que é o que eu acho que precisa”, pontua.
No Conjunto Palmeiras, por onde a bacia hidrográfica entra e se estende depois de vir da
“Era um dos lugares mais tradicionais. Existiu banhista durante muito tempo e era, posso dizer, uma lavanderia da comunidade. As mulheres estavam lá todos os domingos na beira do rio, muitos pais de família tiravam arisco, areia grossa, pescavam. Era uma fonte de renda. O rio era atraente para a comunidade”, narra.
Hoje, a maior preocupação de Geovanio, enquanto morador que reside a cerca de 300 metros do rio, é a poluição: “Todo o sistema de tratamento da companhia de esgoto cai dentro do rio. Aqui nós temos mais de 40 mil habitantes, todos os esgotos dessas unidades habitacionais caem aqui dentro (do rio)”.
“Não dá mais para tomar banho, não dá mais para passear, nada para a comunidade. Há um abandono e a cada dia que passa ele vai fechando mais o mato. O que mais dói meu coração é, infelizmente, perceber e ver que o rio hoje ele só presta mesmo para o despejo de esgoto que existe na comunidade”, lamenta.
Na foz do rio Cocó, a comunidade tradicional da Boca da Barra, na Sabiaguaba, está dentro de duas UCs: o Parque Estadual do Cocó (PEC) e a Área de Proteção Ambiental (APA) da Sabiaguaba.
Apesar disso, o pescador Roniele Suíra, conhecida liderança comunitária da região, afirma ficar “aflito por conta do avanço da sobreposição do interesse humano ao interesse da natureza em si” que se alastra ao redor da comunidade tradicional — uma das poucas que têm permissão para ocupar a área de zoneamento do PEC.
“A nossa vontade era de que o rio retornasse ao que era antigamente: um rio farto. Hoje ele sofre diversos impactos pelo que ocorre ao redor. Tem, por exemplo, a questão do
Principais pressões que sofre o Parque Estadual do Cocó (PEC)
“Um rio saudável é um rio que tem vida para todo mundo, para toda a comunidade. É alimento, é cultura, é cosmovisão, é sentimento de pertencimento”, acrescenta.
Para ele, “a relação da comunidade com o rio é uma relação de pertencimento, porque como a comunidade é composta por pescadores e marisqueiros, então o rio é extremamente importante e isso inclui a formação social, porque tudo o que envolve o rio, desde que seja saudável, também contribui para o crescimento da comunidade”.
Suíra elenca o avanço de cercamentos, da expansão imobiliária e novas atividades dentro da área que impedem de exercer as tradições econômicas, ancestrais e espirituais desse território.
“É muito complexo a gente, além dos alagamentos, das enchentes que ocorrem na extensão do Cocó, ainda ter que lidar com esses avanços de invasão de terra, sobreposição de áreas, instalação de novos empreendimentos. Tudo isso nos impacta diretamente e eu classifico até mesmo como uma perda de memória, porque o território também é memória”, alude.
Ao se referir a essa perda, o pescador elenca, ainda, as “sequelas psicológicas” como ponto negativo: “é onde a memória coletiva é aniquilada, porque se a gente parar para analisar, nas conversas com a comunidade a gente está sempre falando de lugares que a gente tinha como importantes e eles hoje não podemos mais andar neles. Pelo tom da narrativa há uma troca de repasse de memória. Sentimos dor de falar sobre isso”.
Isso porque os saberes e fazeres dos moradores tradicionais da Sabiaguaba refletem o conhecimento empírico sobre a flora, a fauna e os recursos naturais oriundo dos povos indígenas que habitavam essa região no entorno da foz do rio, como os
É lá, a propósito, onde acontece o festejo indígena do
As barracas são outro exemplo citado por Suíra ao falar da migração de atividades das famílias nativas, que antes se utilizavam diretamente do rio nessa localidade e passaram a explorar outras ocupações. Com a movimentação intensa de visitantes aos fins de semana, é delas que muitas tiram o seu sustento.
Parte também administra os quiosques do Complexo Ambiental e Gastronômico da Sabiaguaba, que fica às margens do rio e é outro meio de fomentar a tradição e o empreendedorismo das comunidades nativas que foram retiradas desse local para a construção da estrutura, conforme o relato do pescador.
Relatos históricos já destacavam as belezas naturais desse lugar.
Conforme os antigos registros, fortes chuvas impediram que o botânico e sua equipe realizassem incursão e coletas botânicas, mas a riqueza de ambientes preservados em Fortaleza ficou evidente nos relatos do naturalista.
Eram lagoas naturais, florestas de tabuleiro, matas ciliares, restingas, várzeas, dunas, carnaubais e principalmente mangue, um conjunto de naturezas que formavam uma heterogeneidade de paisagens favorável à diversidade.
“O caminho é de uma espessa mata, que lhe forma um bêrço, e é todo plano e arenoso; o rio Cocó aqui não corre entre margens determinadas, derrama-se, formando muitas ilhas, e coroas, em grande largura (...) o terreno é coberto de matas primitivas; que se parecem com os nossos capoeirões” (Freire Alemão)
Mais de um século e meio depois, os
Em seus trechos preservados, formam uma mata de mangues de rara beleza onde várias espécies de moluscos, crustáceos, peixes, répteis, aves e mamíferos compõem cadeias alimentares com ambientes propícios para reprodução, desova, crescimento e abrigo natural.
Não é à toa que é chamado de berçário da vida marinha: é nesse ambiente que acontece a reprodução de 75% das espécies no mar, entre peixes, crustáceos e moluscos. Estima-se, inclusive, que 3/4 das espécies de interesse comercial dependem de alguma forma dos manguezais.
Reconhecidos por sua alta produtividade biológica e relevância ecossistêmica, eles são fundamentais para o equilíbrio ecológico ambiental e sustentam uma biodiversidade de espécies animais e vegetais, uma importante papel na ciclagem de matéria orgânica.
Além disso, como mostraram Manoel, Geovanio e Roniele, as regiões de mangue representam um meio de subsistência para diversas famílias e contribuem no desenvolvimento econômico local e na promoção cultural das comunidades ribeirinhas — realidade que tem sofrido transformações diante da degradação que esse ecossistema sofre na Capital.
Por acompanharem o percurso que foi cercado pelo desenvolvimento urbano de Fortaleza, esse bioma costeiro também é exposto a vários impactos da ação humana que levam à perda e fragmentação em diferentes trechos.
Com a construção de vias de acesso como pontes e avenidas, por exemplo, há a divisão de um ambiente que deveria ser contínuo, o que se soma aos efeitos do tráfego intenso de veículos nessa região, como a poluição sonora causada pelos ruídos dos automóveis, e a atmosférica, em virtude dos poluentes emitidos.
Apesar dos passeios de barco realizados pelo tenente Araújo, as trilhas ecológicas e projetos como o Viva o Parque, uma iniciativa da Sema-CE, a falta de educação ambiental provoca um conjunto de questões que compromete as condições praticamente originais com as quais Freire Alemão se deparou quando visitou esse lugar há 165 anos.
Mais do que beleza cênica para o habitat humano, o ventre da natureza viva criado pelo rio Cocó fez nascer ambientes que são o habitat de ostras, cavalos-marinhos, quelônios, moluscos, crustáceos, aves, mamíferos, répteis, anfíbios, peixes e toda uma fauna e flora que se expande em cadeia.
Esses ecossistemas absorvem o excesso de gás carbônico na atmosfera e tem influência em praticamente todos os processos ambientais que envolvem a crise climática. Protegê-lo significa proteger a vida de uma série de espécies em cadeia — inclusive a humana.
“Um batismo de fogo”: assim define o engenheiro agrônomo Narciso Mota ao falar sobre o incêndio de grandes proporções que atingiu o PEC em janeiro de 2024, apenas dois meses depois que assumiu a gestão do Parque — que iria completar 1 ano sem gestor desde que Paulo Lira saiu.
O servidor fazia a releitura do extenso Plano de Manejo da unidade com o objetivo de, brinca ele, decorar as quase 700 páginas do documento, quando teve de lidar com uma operação de combate às chamas que tomaram Fortaleza por fumaça e acenderam o alerta: não se trata de paisagem, mas de sobrevivência.
Ainda no mormaço deixado após o controle do fogo, Narciso conversou com O POVO+ e ressaltou que um dos principais desafios para a implementação do PM e, consequentemente, para cuidar bem do Parque, é a participação efetiva da comunidade como um todo no planejamento e execução de ações com esse fim.
“Isso vai desde a gente que está aqui fazendo a gestão, até o governo, a imprensa e a sociedade civil, o povo em geral, todos precisam saber que a gente está numa grande guerra pela sobrevivência, é questão de vida ou morte. Não temos outro planeta para ir agora”, declarou.
“O Parque presta um serviço ambiental nesse tempo em que está todo mundo reclamando de calor, e vai adoecer muita gente do coração, pessoas com problemas de saúde por causa do aumento da temperatura da cidade. Enquanto isso, ele vai esfriar a cidade entre três a quatro graus se estiver funcionando a plenos pulmões. Ou vai cobrir metade da cidade de fuligem quando pega fogo”, complementou.
De acordo com o gestor, “há uma série de situações que precisam ser elencadas. Tem a poluição do rio, a água mudando o teor de salinidade pela vazão muito grande do interior para o litoral, ocupações irregulares que estão desmatando ou fazendo essa pressão no ambiente, os incêndios e as queimadas”.
Recuperar o rio, como aponta o agrônomo, não é tarefa simples. Há desafios ligações clandestinas de esgoto, plantas invasoras, animais domésticos que competem com a fauna silvestre, além do furto de cercas de proteção no entorno deste recurso hídrico.
Assim como deve acontecer em toda e qualquer UC, essas e outras questões como as citadas pelo engenheiro devem ser discutidas pelo Conselho Gestor do Parque, que, segundo Narciso, ainda não está completamente constituído.
Fazem parte dessa cúpula representantes de órgãos públicos, organizações da sociedade civil e a população residente, como mostra o quadro a seguir.
Composição do Conselho Gestor do PEC
Aliás, se em 2024, com as demarcações delimitadas no Plano de Manejo, o uso irregular das áreas provoca a perda desse importante ecossistema, sem os limites oficiais havia um movimento muito mais desvelado e descontrolado de “comer pelas beiradas”.
A bióloga Marília Brandão, que integrou o movimento histórico de mais de 40 anos pela preservação do mangue e criação do Parque, recorda vividamente dos vários shows, piqueniques ecológicos, atos públicos e divulgação de estudos dos quais fez parte até que a luta ambientalista em defesa do Cocó fosse atendida.
“Foi uma luta difícil, não vamos esquecer que a gente viveu uma ditadura e existia um ambiente de muito medo. Mas também foram momentos muito bonitos. Nos piqueniques tinha um grupo de chorinho, pintura de quadros como um que eu tenho até hoje, participaram alunos da arquitetura que hoje são arquitetos conhecidos, o Camilo [Santana] chegou a participar de reuniões como representante do Ibama, várias pessoas aprenderam muita coisa ali. Havia uma atmosfera diferente”, relembra.
Brandão assevera: “O rio traz uma marca afetiva, ele tem ali um pouco da minha história. Cada um de nós tem um rio, uma lagoa, um riacho, um lago na sua história de vida. As cidades são construídas normalmente à beira de recursos hídricos”.
“Um dia estava passeando por lá com meu neto e contei a história de defesa do Parque. E ele me ouvia, assim, com um orgulho tão grande de ter participado disso. E tenho orgulho de ter essa participação junto com a coragem e a força de pessoas que estavam lá falando em mudança climática na década de 70”, rememora.
“É preciso expandir o conhecimento de que isso um dia vai fazer falta. Que a destruição da cobertura vegetal implica em diminuição dos recursos hídricos, e que a diminuição da água seca áreas, cria desertos. Eu sou defensora da educação ambiental participativa e profunda. Nós fazemos parte de uma rede, estamos enredados com todos os organismos vivos. Isso é urgente para entender os grandes ciclos da vida”, conclui.
A realidade, por sinal, não é muito diferente em outros recursos da cidade: as lagoas, os riachos (como o Pajeú e o Maceió) e outros rios (como o Ceará e o Pacoti) também são amostras de como as cidades evoluem para destruir a natureza, e não para conviver com ela — ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, a existência de ambientes como esses torna-se a cada dia mais essencial à existência humana.
Na categorias “rios urbanos” cearenses, por exemplo, além do Cocó, os rios Ceará e Jaguaribe possuem elevada contaminação por agrotóxicos urbanos, que são comumente chamados de pesticidas e aplicados no combate a pragas domésticas.
Isso representa sérios riscos aos organismos marinhos e também à saúde humana, já que as águas dessas bacias são utilizadas para atividades que vão desde o lazer e o consumo até a subsistência.
Estudos recentes de pesquisadores do Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará (Labomar/UFC) comprovam a presença de substâncias altamente tóxicas na água, nos sedimentos, nos peixes e até em mariscos desses rios.
O nível de magnitude dessa contaminação é semelhante àqueles encontrados em áreas agrícolas e, em alguns casos, em volumes ainda maiores, com uma concentração significativa de substâncias como permetrina, cipermetrina, deltametrina e malationa.
Com exceção do primeiro, esses agrotóxicos são empregados no controle químico na RMF para o combate a pragas urbanas e vetores de doenças como o mosquito Aedes aegypti, transmissor de arboviroses como dengue, zika e chikungunya.
Já a permetrina é encontrada em inseticidas de combate a pragas domésticas como ratos, baratas e formigas, comuns tanto em produtos usados por serviços de dedetização como naqueles adquiridos nos supermercados por consumidores.
A ausência de áreas agrícolas na bacia do rio Ceará, porém, descarta a possibilidade de a contaminação vir de atividades da agricultura e reforça a hipótese de que esses compostos estão relacionados, principalmente, a fontes e usos urbanos.
“As principais fontes de entrada desses agrotóxicos são pelo uso em atividades urbanas e domésticas, tais como as dedetizações, os combates a pragas urbanas e o combate à dengue, que é feito pelo chamado fumacê, que usa o agrotóxico malationa”, explica o professor Rivelino Cavalcante, responsável pela pesquisa, que foi publicada na revista científica International Journal of Environmental Analytical Chemistry.
Segundo Rivelino, a situação é considerada alarmante “e se torna grave, uma vez que não temos outros registros para avaliar a evolução destes volumes de agrotóxicos e nem temos dados de outros locais do Brasil, nos quais a situação pode estar até pior em termos de níveis dessas substâncias”.
O docente avalia que os volumes muito altos de agrotóxicos encontrados e a considerável diversidade de substâncias presentes tornam ainda mais preocupante, principalmente para aqueles que consomem peixes, caranguejos, sururus e mariscos coletados nesses locais — já que essas espécies também apresentaram contaminação por elementos nocivos.
“A sociedade colonialista acabou. É por isso que querem ir para Marte, para Júpiter, para a Lua”. Assim dizia o líder quilombola Antonio Bispo dos Santos, que costumava utilizar o termo “confluência” para falar sobre as dinâmicas sociais de convivência — pensamento que cai como uma luva na discussão levantada pelos diferentes saberes aqui colocados: do empírico ao científico, do filosófico ao teológico.
Pertencente a uma comunidade rural do Piauí, o Quilombo Saco-Curtume, Nêgo Bispo faleceu em dezembro de 2023, mas deixou como herança uma extensa obra afroquilombola oriunda do seu povo e do modo de viver comunitário.
O escritor, pensador, professor e ativista explicava que essa convergência não se trata de uma simples mistura, mas de uma maneira de realizar um “ajuntamento” onde, mesmo misturados, cada um tem o seu lugar: “Um rio não deixa de ser um rio quando ele conflui com outro rio. Ele continua em sua essência. Essa é a grandeza da confluência”.
Outro conceito famoso na narrativa de Bispo era o da população flutuante. “Em São Paulo, por exemplo, as pessoas são desterritorializadas. O território das pessoas que vivem lá é o emprego. Se você muda de emprego, você muda de bairro. O território é itinerante. É uma população, em tese, flutuante”, demonstrava.
Ao traduzir o que a terra busca comunicar, Bispo cravou reflexões profundas que devem reverberar por eras: “No dia em que os quilombos perderem o medo das favelas, que as favelas confiarem nos quilombos e se juntarem às aldeias, todos em confluência, o asfalto vai derreter”.
"Oie :) Aqui é Karyne Lane, repórter do OP+. Te convido a deixar sua opinião sobre esse conteúdo lá embaixo, nos comentários. Até a próxima!"
Série de reportagens mostra as tensões ao longo do Rio Cocó e do Parque estadual, a maior unidade de conservação de Fortaleza