Com os olhos vidrados na tela, os dedos ágeis sobre o controle de PlayStation 5 e o pensamento rápido para formular uma infinidade de jogadas em frações de segundos, o cearense João Victor Lopes tem transformado sua vida a partir de uma paixão nacional: o futebol… virtual. Conhecido como “The Alpha” no cenário online, ele é jogador profissional de eFootball e dono de uma habilidade que lhe é própria desde muito cedo. Hoje com passagens por clubes como Ceará, Santos e Bayern de Munique (Alemanha), ele foi indicado pela terceira vez ao Prêmio eSports Brasil, a maior premiação nacional dos games competitivos. Tudo isso aos 19 anos.
Morador do bairro Maraponga, João Victor deu seus primeiros starts ainda como menino. Aos 14 anos, recebeu de seu pai, Clemilson Maciel Lopes, a missão de virar uma partida até então perdida. Clemilson, que estava jogando mas precisava sair para comprar um refrigerante, entregou nas mãos de João um controle com a desvantagem de 1 a 0. “Eu não queria abandonar o jogo, então fui ver no que dava”, relembra o pai, que surpreendeu-se quando voltou para casa minutos depois e viu um novo placar estampado na TV: 4 a 1 para o jovem, que mudava ali não só o resultado de uma disputa digital, como também o destino de sua família.
A propriedade para assumir o comando de 11 jogadores em campo e a mentalidade competitiva de João Victor foram coroadas com o apoio da família – um aliado fundamental para o desenrolar de sua trajetória. Seu pai foi o principal incentivador, pois mesmo sem saber da possibilidade de profissionalização no segmento, era considerado um gamer bastante “
determinada atividade."
Com apenas 14 anos, começou a participar de diversas competições locais, conseguindo certo destaque. Sua evolução foi tão elevada que logo chamou atenção do Ceará Esports – braço de esportes eletrônicos do Ceará Sporting Club –, com o qual firmou seu primeiro contrato profissional como cyber atleta. O esquema contratual, porém, era bem diferente daqueles assinados por jogadores do futebol tradicional. Mensalmente, o Vovô pagava sua internet e depositava uma ajuda de custo de R$ 200, além de disponibilizar uniformes e até três viagens por ano para competir e representar o clube em outros estados.
“Eu queria que fosse um valor mais alto”, diz, ponderando na sequência: “Mas para mim, estar ali significava mais do que dinheiro. Era ter uma representatividade no Estado. Eu consegui crescer minhas redes sociais e alcançar um reconhecimento nacional.” Mesmo sendo baixo, o valor recebido do time já ajudava a complementar a renda da família de João Victor – composta pelo já mencionado pai Clemilson, que é motorista de aplicativo; e pela mãe Lucivânia, vendedora autônoma de roupas e que na época estava grávida de João Pedro.
No Ceará Esports, João Victor se transformou em “The Alpha” nos servidores do eFootball, com o qual escreveu uma história repleta de conquistas. Entre os títulos que ele ganhou pelo Alvinegro estão os de campeão da Copa do Nordeste de 2019, em Alagoas; do Global Esports Games, torneio mundial organizado pela Global Esports Federation, em Singapura; e da Copa Internacional de eFootball de 2022, organizada pela desenvolvedora Konami e disputada online.
Antes da virada para 2023, porém, a parceria até então vitoriosa com o time de Porangabuçu chegou ao fim. Com o sentimento de que poderia ser mais bem valorizado financeiramente, João Victor não conseguiu entrar em acordo com o Ceará, que ali vivenciada o início de uma crise institucional marcada pelo rebaixamento para a Série B do Campeonato Brasileiro. “Houve um interesse da parte deles de renovação, mas entrou a parte da minha valorização. Eu queria receber um valor melhor e também colocar outras cláusulas no contrato, mas não foi possível e acabei não renovando”, aponta.
Agora com 18 anos e livre no mercado, o jovem não demorou muito para acertar seu futuro, que seria definido a um oceano de distância da sua terra natal. Em janeiro de 2023 fechou com o Barcelona e partiu para a Europa com a esperança de viver uma experiência praticamente inédita para quem é brasileiro. Ao chegar no Velho Continente, no entanto, uma frustração recaiu sobre ele. “Eu me mudei sem meus pais e para morar lá. Mas o contrato com o Barcelona, de última hora, não se concretizou”, diz, contando que imediatamente começou a entrar em contato com outros clubes.
“Também conversei com vários jogadores europeus, mas como não me conheciam, sempre falavam que o time estava fechado e não tinha espaço. Mas teve uma pessoa contra quem eu já joguei em torneio internacional que sabia do meu potencial e falou que iria tentar me colocar no Bayern (de Munique). E o Bayern aceitou.”
Dias após conseguir o “sim” do Bayern de Munique, João Victor Lopes viu o time alemão recuar com sua contratação, sem prestar muitas explicações por isso. Nesse momento, o cearense se viu na necessidade de assinar logo com algum clube para poder continuar o sonho de morar na Europa. Mas antes que esta nova frustração pudesse lhe abraçar e desmotivar, ele se agarrou naquilo que mais ama fazer que é jogar.
Agora, em vez de deixar suas habilidades amostra apenas aos seus oponentes durante os confrontos, João Victor decidiu investir em transmissões ao vivo. “Dentro do jogo tem um ranking mundial, que é buscado por todos que jogam. Na época (janeiro de 2023) eu estava no top 1 e pensei: ‘cara, eu não ganho dinheiro do jogo, mas posso divulgar minhas redes sociais nele’. E foi isso que fiz. Como o ranking é mundial, as pessoas me viam no topo e tinham interesse em me ver jogar. As minhas lives passaram de 40 pessoas, para 300, 400, 500 pessoas simultâneas, porque a galera queria ver meu jogo”, menciona.
Tempo depois de adotar essa estratégia, João Victor viu seu perfil no Instagram atingir 9 mil seguidores e seu canal no YouTube ultrapassar os 14 mil inscritos, com quase 1 milhão de visualizações. Na Twitch, os números também passaram os 3 mil seguidores. “Tudo isso dá uma grana muito boa”, comemorava, mas sem esquecer que ainda precisava ser contratado por algum clube para poder continuar na Europa.
“Minha família não me deixou desanimar. Eu sabia que eles confiavam em mim e estavam contando que eu iria realizar esse sonho. Eu pensava ‘hoje não foi o meu dia, mas não vou desistir agora. Não vou voltar para o Brasil agora’”, eram as palavras que faziam parte de seu mantra diário.
Com espírito determinado, ele continuou insistindo no Bayern. Mesmo com a recusa inicial, ele diz que continuava conversando e pedindo ao coach (técnico) da equipe para deixá-lo pelo menos treinar com os demais jogadores. Até que um dia, João Victor conseguiu essa autorização e logo mostrou que era detentor de habilidades boas o suficientes para ser contratado pelo time alemão. Prova disso é que em 3 de março de 2023, sua contratação foi anunciada.
Vivendo um verdadeiro sonho, o cearense lembra de momentos marcantes no clube, como os dias de fazer fotos para divulgação oficial da equipe (media day). Na sede do maior time da Alemanha, ele chegou a ficar diante de atletas históricos, como o goleiro Manuel Neuer e o atacante Thomas Müller.
“Jogadores que eu estava acostumado a ver só na TV e dentro do jogo”, relembra, mas com um leve ar de decepção por não ter conseguido fazer foto com eles. “Mas teve foto com a taça da Champions League”, exibe, com um largo sorriso.
Para além do sonho, João desempenhou muito trabalho duro pelos Bávaros, com o os quais alcançou o segundo lugar no eFootball Championship Pro, que é a principal competição da modalidade na Europa.
“Não foi possível mostrar todo meu potencial, porém grandes coisas Deus tem pra mim. O tempo é dele”, escreveu no Instagram em 24 de julho, data que decretou o fim da temporada de grandes competições no continente, bem como seu encerramento de ciclo por lá.
Com o coração apertado pela saudade da família, João Victor retornou para o Brasil mais experiente, com o espírito renovado e muita sede por novas conquistas.
O currículo de João Victor Lopes dentro do cenário de esportes eletrônicos é bem extenso, contando com títulos que vão da Copa Sana aos Mundias de eFootball. Mas havia um troféu importante que estava faltando na sua estante: o do eBrasileirão, torneio oficial realizado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Disputada a partir de agosto de maneira virtual, a competição teve suas finais na sede da entidade no Rio de Janeiro, em 5 de outubro.
De volta ao Brasil após a experiência no Bayern de Munique, o cearense optou por disputar o eBrasileirão pelo Santos Futebol Clube nas modalidades individual e de trio (esta jogada ao lado de GuiFera e Matheus Ferrari). Nas fases classificatórias, os atletas do Peixe não tiveram caminho fácil, mas chegaram às finais presenciais sem muitos sustos. Com a moral elevada e a jogabilidade afiada, João Victor precisou enfrentar ainda um componente emocional inevitável: as derrotas do passado. “Foram cinco vezes batendo na trave, inclusive perdendo final”, relembra.
“Mas quando cheguei no presencial, pensei: ‘estou em casa’. Eu nunca tinha me sentido tão confortável. Estava no meu melhor nível, na minha melhor fase e no meu melhor momento”, resgata ele, que foi campeão na disputa de trio ao vencer o Ituano, por 2 a 1. Horas depois, tinha pela frente a decisão no individual contra Eduardo, do Athletico Paranaense, em uma série de dois jogos.
Na primeira partida, João Victor abriu um placar de 2 a 0, garantindo tranquilidade para o segundo embate. O jogador do Furacão chegou a marcar um gol, mas o cearense logo descontou e garantiu o seu primeiro título do principal torneio do futebol virtual do Brasil. Para premiar de vez esse feito, recebeu o troféu das mãos do presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, bem como uma premiação em dinheiro. “Deus faz as coisas da melhor forma. Eu passei cinco anos disputando esse campeonato e nunca ganhei nenhum título. No mesmo dia, neste ano, ganhei os dois de uma vez só. Um feito histórico que ninguém conseguiu”, declara.
As conquistas realizadas por João Victor Lopes lhe credenciaram ao status de um dos principais nomes do esportes eletrônicos brasileiros da atualidade. Resultado disso é que ele foi indicado ao Prêmio eSports Brasil (PeB), maior premiação nacional dos games competitivos, na categoria “Melhor atleta de futebol virtual”.
Considerado o “Oscar” dos games competitivos no País, o PeB está em sua sétima edição, das quais conta pela terceira vez com o nome de João – indicado em 2020 e 2021. “Esse sentimento de reconhecimento é muito agradável. Poucos sabem da minha dedicação e empenho, de ficar treinando mais de 10 horas por dia. Não é fácil. Então ser indicado pela terceira vez é muito incrível”, relata.
O resultado da premiação será divulgado em 14 de dezembro no Memorial da América Latina, em São Paulo. Sendo a principal homenagem dos esportes eletrônicos do Brasil, o prêmio visa simbolizar o esforço de atletas, influenciadores e organizações para o fomento do cenário gamer ao longo do ano. Além de João Victor, a atleta Allexandra “Nallari” Aguiar, de League of Legends, está entre os cearenses indicados nas 26 categorias em disputa.
Apesar de possuir uma carreira repleta de títulos importantes, João Victor Lopes ainda precisa travar uma batalha desafiadora, que é a luta por mais visibilidade de seu trabalho. Mesmo com números de destaque nas redes sociais e troféus de nível nacional e internacional em suas prateleiras, o jovem sofre para conseguir parcerias, patrocínios e apoiadores.
Mesmo com isso, ele conta com um importante e incondicional divulgador de seus feitos: o pai Clemilson. Motorista de aplicativo, ele afirma de maneira orgulhosa que entre uma corrida e outra faz questão de mencionar para os passageiros a atuação do filho. Segundo ele, já teria conseguido muitos seguidores para João Victor só no boca a boca.
“Hoje o profissionalismo dos games no Nordeste ainda é muito complicado. Muitas pessoas ainda não entendem ou não conhecem bem, mas acho que no futuro vai ser a profissão que todos os jovens por aqui vão querer seguir”, comenta, dizendo que já convenceu muitas passageiras a investirem na carreira dos filhos que gostam de games.
Atualmente sem clube, João Victor tem dividido parte do foco de seus treinamentos com atividades que exigem que o controle de seu PlayStation 5 fique de lado. Com o ensino médio concluído, ele está finalizando um curso de Marketing Digital para na sequência dar início a uma formação em tecnologia da informação. “Se, por ventura, eu não conseguir continuar fazendo isso que eu gosto, que é jogar, já terei um segundo plano encaminhado”, reflete.
Outra alternativa para compor sua renda é a realização de mentorias online para players que querem se profissionalizar no eFootball. Além de aulas gravadas, ele oferece acompanhamento individualizado para seus alunos. “Então o meu dia é dividido entre mentoria, lives e curso online. É muita coisa, mas acho que tenho que explorar aquilo que tenho nas mãos”, diz, mencionando seus maiores focos na vida e na carreira.
“Eu pretendo continuar nesse ritmo de wins (vitórias) de campeonatos. Muitas pessoas me mandam mensagem dizendo que eu sou uma inspiração para elas. Então eu pretendo trabalhar muito, pois ainda tem muito chão pela frente e muitos caminhos a trilhar. Meu foco é me tornar uma referência assim como Cristiano Ronaldo e Messi são, só que no futebol virtual”, projeta.
Série vai explorar personagens - famosos e anônimos - para destacar histórias de vida
