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Acionamento de seguros em transporte salta mais de 2.000% em um ano no CE
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Reportagem Seriada

Acionamento de seguros em transporte salta mais de 2.000% em um ano no CE

Regulamentações federais e estaduais obrigam empresas a possuírem seguros que cubram sinistros de viagens intermunicipais, interestaduais e internacionais. No entanto, falta de leis municipais inibe cobertura no transporte de ônibus urbano, como em Fortaleza, e deixa de beneficiar maioria dos usuários de transportes
Episódio 4

Acionamento de seguros em transporte salta mais de 2.000% em um ano no CE

Regulamentações federais e estaduais obrigam empresas a possuírem seguros que cubram sinistros de viagens intermunicipais, interestaduais e internacionais. No entanto, falta de leis municipais inibe cobertura no transporte de ônibus urbano, como em Fortaleza, e deixa de beneficiar maioria dos usuários de transportes
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Em um momento, uma desatenção alheia, falha técnica ou mecânica pode causar um acidente de trânsito e transformar uma viagem rotineira em "sinistro". Essa é a forma como seguradoras denominam situações previstas em apólices, como acidentes ou dano, que permitem o acionamento da cobertura contratada.

No setor de transportes, passageiros, tripulantes e terceiros podem ser contemplados em casos de sinistros em viagens intermunicipais, interestaduais e internacionais. O Ceará apresentou um crescimento substancial de 2.151% nas indenizações pagas do seguro de responsabilidade civil do transportador rodoviário de passageiros (RCO) no período de um ano.

Segundo a Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg), foram liberados R$ 2,2 milhões entre janeiro e julho de 2025. Montante muito superior aos mais de R$ 100 mil do igual período do ano passado.

No entanto, a falta de seguro ativo nas empresas do transporte urbano de Fortaleza impede a garantia para mais de 500 mil passageiros transportados por dia nas linhas de ônibus, conforme cálculo do Sindicato das Empresas de Transporte Urbano do Estado do Ceará (Sindionibus).

Apesar de legislações em nível nacional e estadual em vigor há pelo menos duas décadas, a Prefeitura de Fortaleza não regulamenta a questão, portanto não obriga o seguro em ônibus, vans, fretamentos e até transporte escolar.

O RCO, para além das fatalidades, também cobre danos corporais e materiais causados a passageiros, tripulantes e terceiros em casos de acidente, incêndios ou colisões.

No Ceará, viagens intermunicipais e metropolitanas são cobertas por seguros obrigatórios que garantem atenção aos passageiros em caso de sinistro(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE No Ceará, viagens intermunicipais e metropolitanas são cobertas por seguros obrigatórios que garantem atenção aos passageiros em caso de sinistro

No Brasil, esse seguro registrou crescimento histórico, de 57%, nas indenizações. No período, as seguradoras desembolsaram R$ 75,6 milhões, valor que já representa 80% do total pago em todo o ano de 2024, quando o montante atingiu R$ 94,1 milhões.

Este tipo de seguro é obrigatório para todas as empresas que realizam transporte rodoviário de passageiro interestaduais e internacional, segundo relamento da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

No Ceará, o transporte rodoviário intermunicipal e metropolitano é fiscalizado pela Agência Reguladora do Estado do Ceará (Arce), mediante a Lei Estadual nº 13.094/2001 e o Decreto Estadual nº 29.687/2009, que obrigam as empresas a manterem seguros contra acidentes e de responsabilidade civil, para todos os modais, inclusive o fretamento.

A frota atual das rotas do transporte metropolitano é de 271 ônibus do serviço regular e de 136 vans do serviço complementar.

Já a do interurbano é de 555 veículos, além de 4.980 veículos de fretamento e 1.106 do serviço complementar.

 

Quantidade de passageiros transportados por dia no Brasil

 

 

Saiba como funciona o seguro nos transportes

Segundo a Arce, a obrigatoriedade do seguro é vinculada à autorização da licença de viagem. Ou seja, caso a empresa não possua seguro válido, fica impedida de emitir a licença para realizar os serviços.

A fiscalização sobre os transportadores é feita pela Arce em parceria com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran). "No caso de alguma empresa ser descoberta por circular sem seguro, haverá apreensão do veículo e aplicação de multa", diz a agência.

Além do Ceará, outros dez estados tem legislações que exigem que a frota de transporte de passageiros tenha RCO.

A ANTT estabelece regulamentação sobre os seguros de responsabilidade civil no transporte de passageiros há pelo menos duas décadas(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE A ANTT estabelece regulamentação sobre os seguros de responsabilidade civil no transporte de passageiros há pelo menos duas décadas

O salto dos sinistros captados pelas seguradoras dialoga com o aumento da letalidade no trânsito. Dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) apontam crescimento no número de acidentes graves nas rodovias federais no primeiro semestre, com mais de 34 mil ocorrências e quase 2,9 mil mortes.

Conforme a PFR, em 2024, ônibus e caminhões representavam apenas 4% da frota nacional de veículos, mas responderam por 53% das mortes em rodovias federais (3.291 óbitos, além de 24 mil feridos).

Nas rodovias federais cearenses, a PRF informa que, entre janeiro e maio, foram 24 sinistros. Já nas rodovias estaduais, o Detran informa que a quantidade de ocorrências de acidentes envolvendo ônibus caiu de 87 para 74, entre janeiro e setembro deste ano em relação ao igual período de 2024.

Apesar da queda do número de acidentes em estradas estaduais, a elevação expressiva demonstra que o seguro tem cumprido seu papel social de atender os usuários em momentos de sinistro.

Márcio Feital, integrante da comissão de seguro transporte da Federação Nacional de Seguros Gerais (Fenseg), destaca que o Brasil ainda tem um mercado de seguros com alcance muito tímido em relação a outros países.

Dando como exemplo nos Estados Unidos, destaca que por lá a discussão sobre a garantia de seguros de responsabilidade civil que previna passageiros, tripulantes e terceiros já é uma discussão superada e abarca todo sistema de transportes.

 

Indenizações no Nordeste

 

 

No Brasil, apesar de legislação desde 1998, ainda há casos de municípios que não regulamentaram a medida. "Nas estradas federais, a fiscalização consegue, pela placa do ônibus, saber se ele está com o seguro regular no transporte interestadual, sob risco de interrupção da viagem".

"Mas, nos estados e municípios, infelizmente, cada um tem uma situação", aponta.

Alex Machado, advogado membro da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará (OAB-CE), afirma que a a maioria da população não tem conhecimento de que está acobertada por algum tipo de seguro ao utilizar um serviço de transporte.

 

Conheça detalhes sobre os Seguros de Responsabilidade Civil

 

Caso seja vítima de algum sinistro, Alex explica que existem duas maneiras de recorrer por reparação, a via extrajudicial - procurando a empresa de transporte - ou a judicial.

"Primeiramente, o caso deve ser tratado de forma extrajudicial, na condição administrativa, para que não desague no Judiciário. Quando realmente não houve resolução após as tentativas de reaver a condição ou receber pelo dano ocorrido, aí há possibilidade de recorrer às vias judiciais".

Para todos os casos, Alex afirma que a vítima do sinistro ou sua família deve estar municiados de documentação completa sobre o caso, como registros de boletins de ocorrência, laudos médicos, além de outros documentos que possam comprovar o dano ocorrido naquela situação.

 

 

Em Fortaleza, “opção” por permanecer sem seguro obrigatório tem relação com preço da passagem de ônibus

O POVO procurou a Etufor questionando se no atual contrato de concessão do transporte urbano há alguma obrigação das empresas em relação ao RCO. Também perguntou sobre a exigência de tal seguro com o aumento de custo da operação como impeditivo para a implementação.

No entanto, a entidade ligada à Prefeitura de Fortaleza não respondeu aos questionamentos, apenas enfatizou que a regulação é federal e se refere apenas ao transporte interestadual. A Etufor também não informou se existe algum caso de sinistro em cobrança judicial contra a Prefeitura/Etufor ou empresas de ônibus.

Em Fortaleza, em meio às discussões sobre o reajuste da passagem de ônibus, a introdução de seguro no custo da operação é entendido como prioridade menor em relação a outras questões como o envelhecimento da frota — a mais antiga da história da operação, com mais de 8 anos de média —, menor conforto e maior espera nos pontos.

Conforme ex-presidente da Etufor, implementação de seguro obrigatório para passageiros foi questão em 2012, mas custos impediram avanço(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Conforme ex-presidente da Etufor, implementação de seguro obrigatório para passageiros foi questão em 2012, mas custos impediram avanço

Ademar Gondim, ex-presidente da Etufor, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro do Conselho de Leitores do O POVO, avalia que a introdução de seguros para proteção de passageiros e tripulantes, além de terceiros, é uma questão desde 2012, quando foi assinado o atual contrato de concessão, que passou a valer a partir de dezembro de 2013.

Na época, a prioridade era permitir que o sistema fosse revitalizado por investimentos que melhorassem a operação, renovando frota e aumentando acessibilidade.

Ademar explica que, ao exigir seguros, a planilha de custos da operação subiria muito, o que afetaria o preço da passagem. O que permanece como preocupação principal desde então. Sobre riscos, ele diz que a operação de ônibus apresenta menos preocupações do que em relação a outros modais de transportes, como motocicletas.

"(Em caso de acidente,) O trabalhador já é amparado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), se não, pelo seguro DPVAT ou mesmo pela própria empresa de transporte. Então, a análise que fiz na época é que era um custo muito elevado por um risco muito pequeno", afirma.

 

 

Seguro vs Processo judicial: Custo mensal de RCO varia de R$ 1 mil a R$ 3 mil

O custo mensal de um seguro de responsabilidade civil - ônibus (RCO) no Ceará pode variar de R$ 1 mil a R$ 3 mil por mês, segundo cotação feita pelo O POVO com uma seguradora. Neste caso, a simulação foi feita em relação a uma hipotética frota de ônibus escolares.

A apólice é destinada a veículos com capacidade para mais de 30 passageiros na atividade de transporte de funcionários. O valor pode variar conforme o tipo de transporte, a quantidade de passageiros e as coberturas extras acrescentadas.

Roberta Tays, coordenadora de Qualidade de Negócios da Camed Corretora de Seguros(Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO)
Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO Roberta Tays, coordenadora de Qualidade de Negócios da Camed Corretora de Seguros

Os seguros apresentados permitem aos segurados indenizações que podem variar de R$ 25 mil a R$ 150 mil por passageiro.

Roberta Tays, coordenadora de Qualidade de Negócios da Camed Corretora de Seguros, destaca que, em nível Fortaleza, a procura por esse tipo de seguro não é relevante por conta da falta de obrigatoriedade e por conta do risco envolvido. Na prática, o preço não compensa.

Por isso, o grosso da demanda fica por conta de empresas que realizam transporte entre municípios, especialmente empresas de transporte turístico, com frotas de vans e micro-ônibus.

Na avaliação de Roberta, há potencial de crescimento desse tipo de produto no País, especialmente se os empresários colocarem na ponta do lápis os riscos de custos entre apólices e ações judiciais em caso de sinistro. Sobre o tema, diz que falta educação financeira em relação aos seguros.

Ela enfatiza que a falta de conhecimento sobre os benefícios dos seguros é um fator que leva muitas pessoas e empresas a não se protegerem.

"Os tipos de seguros de responsabilidade civil ainda são pouco propagados, mas são de grande relevância, pois são exigidos de empresas, especialmente em processos de licitação", aponta.

Mas, avalia, o custo de não possuir seguro em casos de sinistros pode ser muito maior em caso de acionamento judicial, pois tem crescido a propensão à litigância.

"Falando em custo-benefício, é muito melhor estar amparado por uma apólice do que arriscar e ter uma reclamação judicial por parte dos clientes".

 

 

Regulamentação avança para caminhões, mas app como Uber e 99 são desafio

Para além dos ônibus do transporte coletivo, os municípios brasileiros já enfrentam há alguns anos o desafio da introdução dos veículos de transporte por aplicativo. E o setor de seguros também é influenciado por tal cenário. A falta de regulamentações específicas em municípios é desafio.

Uma circular da Superintendência de Seguros Privados (Susep), a nº 639/2021, modernizou as regras do seguro automóvel e abriu a possibilidade de contratação de coberturas vinculadas ao condutor, independentemente de quem seja o proprietário do veículo.

Nestas modalidades, a previsão de Responsabilidade Civil Facultativa para Condutor (RCFC) "a qualquer veículo conduzido pelo segurado ou pelos condutores indicados, independentemente de quem seja seu proprietário" permite aos motoristas a contratarem proteção para danos causados a terceiros com base na sua CNH e não mais apenas no veículo.

Apps de transporte, como a Uber, oferecem seguro em casos de sinistros em viagens(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Apps de transporte, como a Uber, oferecem seguro em casos de sinistros em viagens

A possibilidade prevista na Susep leva em consideração a contratação de seguro por parte dos condutores, o que geraria um custo a essa camada trabalhadora.

Por outro lado, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa os principais apps do mercado, como Uber, 99, Buser e Flixbus, afirma que as plataformas oferecem seguros de proteção aos motoristas e entregadores parceiros.

Essa apólice seria a de reparação em caso de acidentes pessoais durante as viagens para os motoristas e entregadores e os usuários. "As plataformas investem e trabalham continuamente para buscar cada vez mais proteção nas milhões de viagens que ocorrem diariamente".

No entanto, a entidade não é clara sobre o acesso a tais seguros, sendo então cada empresa responsável pela gestão dos sinistros individualmente com suas respectivas seguradoras.

Nova regulamentação torna obrigatório seguro de responsabilidade civil para empresas transportadoras de cargas(Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO)
Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO Nova regulamentação torna obrigatório seguro de responsabilidade civil para empresas transportadoras de cargas

Em 2024, a Susep avançou com a regulamentação da Lei nº 14.599/2023, que tornou obrigatória a contratação do Seguro de Responsabilidade Civil de Veículo (RC-V) no transporte rodoviário de cargas, até então de contratação facultativa. A medida estabelece proteções para terceiros, para além da carga e o tripulante.

Conforme os prazos estabelecidos, a partir de 2026 as fiscalizações para avaliar a conformidade com a legislação devem começar a ser feitas.

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