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A última entrevista do Padre Cícero: "Espectador dos acontecimentos"
Reportagem Especial

A última entrevista do Padre Cícero: "Espectador dos acontecimentos"

Padre Cícero falou ao O POVO na edição de 18 de fevereiro de 1931, três anos de morrer. O "patriarcha do Joazeiro" deu sua visão sobre temas daquela atualidade e de personagens da política da época. Foi sua entrevista derradeira, concedida aos jornalistas Paulo Sarasate e Alfeu Aboim em Juazeiro do Norte

A última entrevista do Padre Cícero: "Espectador dos acontecimentos"

Padre Cícero falou ao O POVO na edição de 18 de fevereiro de 1931, três anos de morrer. O "patriarcha do Joazeiro" deu sua visão sobre temas daquela atualidade e de personagens da política da época. Foi sua entrevista derradeira, concedida aos jornalistas Paulo Sarasate e Alfeu Aboim em Juazeiro do Norte
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O que pensava o Padre Cícero Romão Batista sobre o “communismo”, sobre políticos importantes da época (locais e nacionais) ou sobre o movimento revolucionário que havia recém-derrubado o então presidente Washington Luiz e levado o gaúcho Getúlio Vargas à presidência da República. Três anos antes de seu falecimento, o Padim concedeu sua última entrevista, publicada ao longo de duas páginas do já promissor e jovem jornal O POVO, na edição nº 898, de 18 de fevereiro de 1931.

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A conversa, chamada àquele tempo de “palestra”, foi com os jornalistas Paulo Sarasate e Alfeu Aboim. Foi concedida pelo religioso em sua casa, em Juazeiro do Norte. O padre chegou até a dizer que não daria a entrevista, se dizia “um espectador dos acontecimentos”, mas falou por duas horas. E até pediu fazer a barba e trocar a batina antes de posar para a foto. Não queria parecer velho no jornal da Capital.

“Pensávamos encontrá-lo abatido, dominado pelos 87 annos de idade que tem vivido, mas deparãmo-lo relativamente forte, andando ligeiro e falando apressado”, escreveu Sarasate, autor do texto. Do lado de fora da chamada mansão do padre, a descrição dada foi a de “homens, mulheres e creanças mergulhadas no mais revoltante fanatismo”, romeiros à espera de alguma bênção e ajuda do Cícero milagreiro. Uma das entrevistadas ali disse aos jornalistas ter testemunhado o milagre da hóstia, no ano de 1889. O Padim já era seguido e ouvido por aquele povo do Juazeiro e grande vizinhança. Em nome de uma fé que se estendeu até 2019 e deve continuar.

O texto a seguir reproduz a grafia original da época.

Título original: NA CASA DO PADRE CÍCERO

Duas horas de palestra com o patriarcha do Joaseiro - sua opinião sobre o momento nacional - como elle encara o communismo e outras questões da actualidade

Os jornalistas Paulo Sarasate e Alpheu Aboim, que estiveram no interior do Estado, a serviço, desta folha, visitando há poucos dias Joaseiro, apanharam a seguinte entrevista com Padre Cícero, escripta pelo primeiro, especialmente para O POVO:

Joaseiro, 12 (Via Postal) - Seriam precisamente 13 horas de hontem quando nos dirigimos à residência do Padre Cícero, com o intuito de entrevistá-lo para O POVO. Transposta a grande praça em que se ergue, dominadora, a estatua do padre, dahí a alguns passos penetramos na travessa onde o mesmo reside, numa vasta casa, em companhia da beata Mocinha.

Era outro o ambiente. Inteiramente outro. Ao aproximar-se da residência do Padre Cícero, Joaseiro como se transforma subitamente. Toma outro aspecto. De cidade movimentada e alegre, empório comercial dos mais florescentes do sul do Estado, como se apresenta nas demais artérias públicas - transfigura-se ali, nas cercanias da mansão patriarchal, num verdadeiro fóro de fanatismo. Não é mais a cidade clara e sorridente do Cariry, agitada pelo lufa-lufa quotidiano dos que trabalham: é o villarejo inculto e retardado, a nova e pacífica Canudos dos sertões nordestinos, com a figura tradiccionalmente discutida do padre e a ignorancia contristadora dos romeiros.

Defronte da casa e um pouco ao lado, quatro ou cinco tendas, armadas ao sol, recheadas de "santos e medalhas e rosários para vender", desafiavam o ambiente escuro com o berrante desencontrado das cores. Eram medalhas e santos de todas as qualidades, inclusive o "Santo do Joaseiro".

Na calçada ao longo das sete janellas e principalmente na porta que estava apinhada, cerca de quarenta romeiros aguardavam resignados a ocasião para elles benfazeja de avistarem-se com o Padre Cícero. Alguns esperavam de joelhos, resando e um ou outro protestava contra a demora, especialmente uma mulherzinha nervosa, franzina, maltrapilha, que não se cansava de chamar pela beata, aos gritos, no anseio mystico de beijar as mãos milagrosas de "meu padrinho".

A beata Mocinha - lembre-se aqui num rápido parêntese - é a principal intermediária entre o padre e os romeiros. Sem a interferencia della, que tudo manda e tudo pode naquelle tecto, coisa alguma se consegue.

À ESPERA DO PATRIARCHA

Mal conformados com a atmosphera irrespirável e repugnante que foramos encontrar ali deplorando profundamente aquelle estado criminoso de retardamento mental, homens, mulheres e creanças mergulhados no mais revoltante fanatismo, conseguimos a custo entrar na residência de Padre Cícero.

Fizemo-nos anunciar por um porteiro e ficamos na saleta de entrada à espera do nosso homem. A beata Mocinha que ali estivera a conversar com umas romeiras, assustou-se com a nossa presença e esgueirou-se manhosamente pelo corredor, desaparecendo de uma vez. Trancou-se em seu quarto, o que nos informaram e não fosse a nossa argúcia, não teria sido vista mais tarde, com o cabello cortado à la home, e as vestes negras, tumularmente negras, a escutar por tras de uma porta a palestra que mantivemos com o patriarcha do Joaseiro.

Enquanto este chegava, puzemo-nos a examinar a sala de visitas. Admirávamos os retratos da mãe do padre e de seu pae, já falecidos. Olhámos uma photographia do mesmo ao lado do ex-senador João Thomé passamos a vista por outros quadros e dali a segundo estamos conversando com uma Contemporanea da Beata Maria de Araújo.

Era uma mulherzinha já idosa, cabellos brancos, fala arrastada. Disse-nos que assistira os milagres da tão controvertida Maria de Araujo e nos jurou a pés juntos que tinha visto certa vez uma hostia jorrar sangue, quando um sacerdote acabara de tomá-la nas mãos para depô-la nos lábios da beata.

"Vi esse facto com estes olhos que a terra há de comer", disse-nos por fim a nossa interlocutora, com uma segurança quase convincente.

COM O PADRE CÍCERO

Mais alguns minutos decorridos e lá se veio o padre à nossa presença. Pensávamos encontrá-lo abatido, dominado pelos 87 annos de idade que tem vivido, mas deparãmo-lo relativamente forte, andando ligeiro e falando apressado.

Abraçou-nos cordialmente, os lábios rasgados num riso franco e jovial, olhar prescrutador e conduziu-nos immediatamente a seu gabinete à direita do prédio.

- Padre Cícero - começámos geitosamente - somos do O POVO e queremos uma entrevista sua. Algumas palavras sobre o movimento brasileiro.

- "Não", respondeu-nos de prompto, com uma resolução que podia parecer definitiva. "Por óra não posso falar. Estou de resguardo..."

UM ESPECTADOR DOS ACONTECIMENTOS

Rimos conjuntamente da pilheria e deixamos que elle prosseguisse:

- "Eu agora sou apenas um espectador dos acontecimentos. Aprecio os factos e olho as coisas com uma grande vontade de que tudo se faça como eu desejo."

E iniciando sem pressentir a entrevista que solicitaramos:

- "A futura Constituição, por exemplo, não deve ser athéa. O Brasil é uma nação catholica e precisa viver com Deus. Sou partidário da Egreja unida ao Estado, porque sou catholico, apostolico, romano e me oriento pelo credo, que é o symbolo da Religião e da Fé. Deus é quem governa o mundo. Só o Creador é universal e absoluto".

Resolvemos cortar a digressão philosophica do padre, que prometia prolongar-se, e interpellámo-lo sobre o movimento revolucionário.

- "É agora" - respondeu-nos com um desembaraço de phrases que bastante nos admirou e que se fez sentir em toda a palestra - é agora o momento oportuno para se fazer um Brasil novo, com um futuro brilhante e cimentado em princípios divinos.

Como se vê, o Padre Cícero raramente se afasta da idéa de Deus. Toda a sua conversa, desenvolva e não raro brilhante, é pontilhada desse espírito religioso dessa quase obsecação theologica.

E assim continuou elle a falar sobre (o movimento revolucionário).

O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO:

- "A Revolução foi uma intenção que Deus entregou aos brasileiros para se libertarem. (Nota: Padre Cícero refere-se o movimento revolucionário de 1930, que reuniu mineiros, gaúchos e paraibanos e derrubou o então presidente Washington Luiz e levou Getúlio Vargas ao poder). Os homens põem e Deus dispõe. Os homens deram impulso à Revolução e Deus ordena que se faça um Brasil novo e grande, debaixo de princípios que sejam a manifestação da vontade do nosso povo. Eu desejo que os novos governantes sejam sobretudo administradores e não donos de uma grande fazenda, como vinha acontecendo até agora. Que a nação os faça, os eleja zeladores e defensores da Pátria e do povo e não senhores de uma senzala, para venderem-se aos pedaços, a quem mais dér".

Tudo isso, o Padre Cícero ia dizendo pausadamente, medindo as palavras, mas com gestos largos e repetidos, extendendo e abrindo os braços, principalmente o esquerdo, que elle movimenta com mais frequência, óra puxando o lenço, óra ageitando os óculos. Os óculos de tartaruga esverdeada com que procura aliviar-se da catarata impertinente que lhe annuvia a vista, enbranquecendo-lhe o azul brilhante dos olhos...

JUAREZ TÁVORA

- Que pensa de Juarez Távora?

(Nota: Era o então ministro do governo Getúlio Vargas, no qual esteve entre 1930 e 1933. Em 1964, foi ministro de Castello Branco. Como militar, participara desde 1922 de levantes contra o Governo Federal, inclusive a Coluna Prestes. Em 1929, rompeu com Luiz Carlos Prestes, depois que este assumiu sua adesão ao comunismo, e participou do bloco de sustentação da Revolução de 30)

- "É um homem distincto e bravo" - explicou vivamente quase a nos cortar a pergunta.

E insistiu, sempre dominado pela mania religiosa:

- "É um dos elementos que Deus destacou para fazer uma Pátria nova e feliz.

- Confia por inteiro na acção de Juarez?

- "Tanto assim não posso adeantar. Mas conheço sua família e a sei catholica. Sou até padrinho do Adhemar, irmão do Juarez, e da Benigna, irmã delle. Tive cuidados e vexames enormes quando elle vinha como um dos chefes da Revolução, em vinte e seis. Já desejava é que elle se salvasse, se desligasse della, para não morrer. Também me preoccupei muito, naquelle tempo, com a sorte do dr.Távora, que esteve perseguido”.

E passou o padre a contar a história de um positivo que mandara a Fortaleza, naquelles tempos sombrios da 2ª Revolução, destinado exclusivamente a avisar ao actual interventor do Ceará que se retirasse do Brasil, porque do contrario seria preso.

- "Mandei até dizer-lhe - concluiu - que não se fiasse absolutamente na proteção de Moreirinha, que esta não valeria nada”.

“Vocês sabem melhor do que eu..."

Qual seria a opinião do Padre Cícero Romão Batista sobre os governos depostos? A sua opinião de agora.

Atacámos o assunto:

- Que pensa do sr. Washington Luiz e seu governo, padre?

- "Não penso nada. Não quero emitir juízo sobre quem já morreu".

E prosseguindo, contou-nos sorridente que já estava até de amizade encetada com o Cattete succedendo o mesmo com relação aos srs. Julio Prestes e Matos Peixoto (Nota: o paulista Julio Prestes, apoiado pelo Governo Federal, disputou as eleições de 1930 contra Getúlio Vargas. E venceu. Mas o movimento de outubro de 30 o impediu de assumir a presidência. Pediu asilo ao consulado da Inglaterra). Nunca lhes desejou mál nem o deseja agora, porque costuma mesmo pedir bençãos para todo mundo.

- "O que eu quero - disse-nos textualmente com aquella philosophia toda sua - é que os máus se convertam e vivam. Cada indivíduo seja bom e perfeito - e progrida”.

Nada conseguiramos a respeito do sr. Washington. Seria conveniente tentar ainda a sua opinião sobre o sr.Peixoto? Arriscamos: - Que diz do governo Peixoto? (Nota: Matos Peixoto havia sido eleito presidente do Estado do Ceará em 1928).

- "Também não digo nada” - replicou o nosso entrevistado. E explicou com um traço mal disfarçado de ironia:

- Não digo nada porque vocês sabem melhor do que eu..."

A seguir, como alguém avançasse na roda que o casal Matos Peixoto era atheu, o Padre Cícero, satisfeito, vaidoso, procurou convencer-nos de que modificara o pensamento anti-religioso do ex-presidente e sua senhora, quando ambos visitaram o Joaseiro.

GETÚLIO E EPITÁCIO

Faltava ouvir o pensamento do padre sobre o chefe do governo provisório. Foi o que fizemos a seguir, para obter a seguinte resposta:

- "Desejava calar sobre o dr.Getúlio Vargas porque estamos muito longe. Más só tenho razões para julgá-lo um homem de bem. Já tive até rellações com ele, por telegrammas, quando era ministro da Fazenda e mesmo quando foi presidente do Rio Grande. Desejo-lhe, pois, muitas felicidades e digo isso sinceramente, muito sinceramente".

Conheciamos a admiração do padre pelo sr. Epitacio Pessôa e por isso não foi com surpreza que o ouvimos logo depois desfazer-se em elogios ao ex-presidente da Republica, um dos maiores homens do país segundo o seu modo de pensar.

OS MINISTERIOS DO PADRE CICERO

Muito loquaz, espantosamente loquaz, o patriarcha do Joazeiro tomara gosto pela palestra e não se calava mais um segundo. Era uma verdadeira machina falante, a emittir opiniões sobre os mais variados motivos. E destarte, por sua conta, atacou a questão dos ministerios:

- "Em vez de se 'salvar' o país com impostos e emprestimos (o Padre Cícero é um ardoroso inimigo dos emprestimos e das concessões estranjeiras) em vez disso, os dirigentes da patria devem criar um novo ministerio, destinado especialmente a desenvolver as nossas riquezas naturaes, as grandes riquezas que Deus nos deu. Faça-se, pois, um Ministério das Minas e Florestas. É assim que se age, não vendendo o país aos estranjeiros. Elles comem as bananas e nos atiram as cascas..."

Outra impressionante facêta do espírito do Padre Cícero é o seu apegado amôr pelos acontecimentos historicos e pelo que se passa nos países de além-mar. Em seu gabinete, pouco abaixo de uma photographia sua, ainda seminarista, vê se, colorida, uma estampa intitulada "Pantheon universéle des personages más celebres". No decorrer das palestras, de vez em quando elle cita um facto historico, relembra outro, evoca um heroismo, de modo a mostrar erudição no assumpto.

E nestas condições, para defender a thése do Ministerio das Minas, foi parar comnosco na longinqua Persia.

- "Calculem - accentuou-nos - que um homem semi-barbaro, como o imperador da Persia, tratou do assumpto, em seu país, e organizou varias comissões para explorar as minas daquella região. Imitemos, pois, o imperador dos persas".

Concordámos habilmente com a maneira de pensar do velho sacerdote e elle prosseguiu: - "E, se fôr possível, criemos também um ministerio de Culto, Ensino, Sciencia, Hygiene e Bons Costumes, para melhor realizar a reconstrucção moral do país. Feito isso, eu ficaria satisfeito, certo de que tudo estava nos eixos".

A PUNIÇÃO DOS CULPADOS

- Qual a sua opinião sobre o Tribunal Revolucionário?

- "Eu me calo a respeito, porque não conheço substancialmente os seus princípios de existencia".

- Mas acha que os culpados devam ser punidos?

- "Nessa materia - replicou o padre, sustentando os oculos - nessa materia eu não sou professor certo. Theoricamente, em princípio, sou pela punição. Mas na pratica, a meu vêr, as cousas não saem certas. E a condemnar innocentes é preferivel perdoar, que é sempre melhor e mais agradavel".

O IMPOSTO TERRITORIAL

Tratando-se, no momento, de assumptos politicos exclusivamente, há de parecer extranho aos leitores o sub-título acima: o imposto territorial. A verdade, no entanto, é que, sem querermos, fomos forçados a ouvir uma longa exposição do Padre Cícero a respeito dessa tributação, que elle considera iniqua, odiosa, injustificável. Tem uma verdadeira ogerisa ao referido imposto e está obsecado pela idéa de combatê-lo.

E é somente por isso, unicamente pela vontade do entrevistado, que se tóca aqui na materia tributaria em apreço.

O COMMUNISMO, O APOCALYPSE E O FIM DO MUNDO

Para encerrar a palestra, que já se prolongava, interrogámos o thaumaturgo de Joaseiro sobre o communismo. E foi com extraordinaria vontade de rir que lhe escutámos a opinião:

- "O communismo - affirmou emphaticamente o Padre Cícero - foi fundado pelo demonio. Lucifer é o seu chefe e a disseminação de sua doutrina é a guerra do diabo contra Deus. Conheço o communismo e sei que é diabolico. É a continuação da guerra dos anjos máos contra o Creador e seus filhos".

Tomou alento e prosseguiu mais pathetico:

- "Conheço a Russia desde a minha meninice e sei que ella é um campo immenso de assassinatos, commettidos por governos que querem destruir moram e materialmente a nação. Lenine foi um sargento do exercito e nada mais. Era, além disso, um judeu pelo espírito e pelo sangue. Só os seus discípulos consideram-no um grande homem. Os espíritos sensatos não pensam desse modo. O partido de Lenine é o partido do Anti-Christo, dito e annunciado por S. João, no Apocalypse. E chegará a governar o mundo, quando faltarem três annos para o incendio final, porque tudo isso está escripto nos livros santos..."

A VAIDADE DO PADRE CÍCERO

Estava terminada a entrevista. Convidámos, então, o Padre Cícero para se deixar photographar ao nosso lado. Elle accendeu de bom grado, alegremente, mas insistiu numa coisa: fazer a barba e mudar a batina, para não apparecer velho na photographia...

O RETRATO RETIRADO

Dahi a pouco, ao sairmos da casa do bondoso padre, ouvimo-lo accentuar na despedida, como se alguém lá dentro o tivesse aconselhado, quando elle foi mudar a batina: - "Olhem bem: eu não sou inimigo do Peixoto!"

Um dos presentes, porém, chegou-se-nos ao ouvido e apontando para a sala de visitas adeantou-nos maldosamente que não estava mais ali, como de costume, o retrato do presidente deposto...

"EU TAMBEM SOU RICO!"

Saímos. À porta era maior o número de romeiros. A onda avolumara-se pouco a pouco, para augmentar, talvez, a nossa desolação ante aquelle ambiente asphyxiante de miseria e fanatismo.

E um homem palido, barba crescida, immundo e asqueroso, revoltado por não ter merecido ainda o favor de ser recebido pelo "padrinho", atirou à nossa passagem estas palavras ironicas e mordazes humanamente philosophicas:

- "Deixem-me entrar que também sou rico! Eu também sou rico!"

ALFEU ABOIM (1896-1953), jornalista, foi editor de O Estado, do Jornal da Manhã e de O Democrata. Também trabalhou em A Razão, do Diário do Estado e O POVO.

PAULO SARASATE (1908-1968), jornalista, foi governador do Ceará, deputado federal e senador da República (conselheiro do marechal Castello Branco). Com Demócrito Rocha, fundou o jornal O POVO, em 1928.

Entrevista publicada no O POVO de 18 de fevereiro de 1931
Entrevista publicada no O POVO de 18 de fevereiro de 1931

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