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Jejum por Gaza
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Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações

Jejum por Gaza

É isso ou os palestinos serão finitos. Há uma nação excedente de faltantes!
Tipo Crônica
1805demitri (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 1805demitri

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Fosse eu o papa do mundo, conclamava um jejum mundial pelos famintos em Gaza e todos os matados. Por amor aos mais de 53 mil assassinados por Israel numa guerra estúpida sem descomeços. Nenhuma guerra floresta. E é uma falácia os idiotas do senso comum justificarem genocídio imperdoável.

O jejum de comer seria, também, em respeito aos 1.250 israelenses e outras nacionalidades mortas covardemente, em outubro de 2023, por militantes palestinos revoltados com a ocupação sem fim de Israel nos territórios de Gaza.

Era o mundo inteiro, convidado pelo papa Leão XIV, a quase nada no estômago. Dias que durem até o cessar do inominável morticínio. Ou a autoridade católica iniciaria, na sozinhez, a greve de fome pelo risco de extinção de Gaza. Não é exagero nem queria destino meu ali. 

 

"Sei que jamais serei o "Rei do Mundo" para evitar que todas as mães boas nunca morram"
 

 

É isso ou os palestinos serão finitos. A África do Sul teve a compaixão de redimir o bestial de Israel na Corte Internacional de Justiça. E mais de 53 países, também, quando contrariam a passividade diante da fumaça de cadáveres que venta no mundo inteiro, mas nos acostumamos com o fedor. Adiantou o quê?

Sei que jamais serei o "Rei do Mundo" para evitar que todas as mães boas nunca morram, mas por que Deus permite tantas mortas em Gaza? Foram-se embora e a maioria de seus filhos também! Há uma nação excedente de faltantes!

Avós sem netos. Tios sem irmãos. Mães sem gatos e cachorros. Ruas sem árvores. Filhos sem primos. Falta alguém, faltam árvores. Há meninas que nunca serão mães e há casas sem janelas, sem portas, sem quintais nem rosas. Os dias são outono, choram, chora...

 

"Mãe, na sua graça, talvez seja perenal. Menos em Gaza e em assentamentos precários dali"

 

Mãe em Gaza tem limite, é luz que está se apagando no vento e na chuva malcheirosos de tanta carne finda e escapados. Morrer acontece quando é natural, quando o tempo enruga a pele das mães e vão rebrotando avós...

Mãe, na sua graça, talvez seja perenal. Menos em Gaza e em assentamentos precários dali e daqui. Por que Deus não despermitiu de tirá-las um dia numa guerra, Drummond?

Israel matou todos os deuses? Católico, protestante, espírita, macumbeiro, indígena, islâmico... 

Fosse eu o pontifício do Mundo, baixava uma lei: Mãe em Gaza não morrerá nunca mais de guerra nem do ódio de Israel. Mãe palestina ficará sempre junto de seu filho. E ele velho, embora, será pequenino feito um grão de chia. É do poeta, reescrevo.

 

"Como não fui votado no Conclave, nem nunca cheguei perto de Francisco nem de Mujica - dois sobrenaturais do bem - grito invisível"

 

Aqui não é poema, é a dureza de um relatório do Unicef e WFP. Uma catástrofe não mais iminente, real. Pelo menos 71.000 crianças e mais de 17.000 mães estão acometidas por desnutrição aguda onde a guerra ainda esvai.

Como não fui votado no conclave, nem nunca cheguei perto de Francisco nem de Mujica - dois sobrenaturais do bem - grito invisível pelo papa Robert Francis Prevost. Um noviço, mas que poderia ser a compaixão em vida. Menos discurso e um levante amoroso planetário. 

Sim, há outras guerras no labirinto do fauno. Outras favelas, mães órfãs de filhos em cada assentamento humano inimaginável e lugares à beira da extinção... Mas Gaza é urgente, pois paisagem aceita. 

Provavelmente, nunca chegarei perto do 14º Leão dos católicos. Talvez como repórter, mas não sei. Então, volto à aldeia, para o rio de minha Fortaleza e apelo ao bispo da catedral e vigário da mais miúda igrejinha e o Santíssimo.

 

"Grite daqui até o Vaticano. Jejum planetário como prova do amor que maior não há"

 

Dom Gregório Paixão (prefiro chamá-lo da Paixão) puxe o senhor um jejum provinciano por Gaza. Chame, por clemência, as atenções do papa! O senhor é bispo, disse que já teve com ele. Não se omita, seja luz ou lamparina.

Grite daqui até o Vaticano. Jejum planetário como prova do amor que maior não há que doar a vida pelo irmão. É do Cristo. É de dom Edmilson (da) Cruz, capaz de fazer.

Minha fé é volátil, combalida e sem crença mais em deuses algum. Mas entrarei num jejum na casa do bispo de Fortaleza por Gaza, para ouvir Leão XIV. É um devaneio público, e não importa se ridículo, contra a morte por extermínio.

Não fazer nada é o incomodo.

 

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