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Rinocerontes! Catitas, talvez
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Demitri Túlio é editor-adjunto do Núcleo de Audiovisual do O POVO, além de ser cronista da Casa. É vencedor de mais de 40 prêmios de jornalsimo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. Também é autor de teatro e de literatura infantil, com mais de 10 publicações

Rinocerontes! Catitas, talvez

O Paulo Mendes Campos sublinha que, "às vezes, uma pessoa se abandona de forma tal ao sofrimento, com tal complacência, que tem medo afinal de sair de lá"
Tipo Notícia
0307_DEMITRI (Foto: SORA)
Foto: SORA 0307_DEMITRI

Sozinhez! Achava que havia começado a percebê-la com Guimarães Rosa. Em minhas leituras dispersas, lido nalgum trecho do "Grande Sertão: Veredas". Na boca de Diadorim, nas dúvidas dele com ele mesmo, sobre as manifestações improváveis da paixão e do amor. Quem pode dizê-los?

Teimei convicto, mesmo não tendo grifado naquele texto lindo e confuso quando, ainda hoje, tento relê-lo. Paro, volto, desisto, não entendo, redescubro, tento escutar cada mundrunga inventada pelo João Único...

Tenho tanta cobiça por João Guimarães Rosa, um negócio angustiante não ter recebido o que se manifestou nele. Injusto! Não poderia ter descido, depois dele já defunto, numa roda mediúnica? Brincadeira.

 

"Quando li, imaginei-me de cabo a rabo. Eu era Maria das Graças todinha"
  

Mas algo, talvez o indizível, me corrigiu a mediocridade. "Sozinhez" não pertence ao Guimarães Rosa. Na verdade, é do Paulo Mendes Campos e está numa crônica marcante: "Para Maria das Graças".

Quando li, imaginei-me de cabo a rabo. Eu era Maria das Graças todinha. Tenho desses costumes de enxergar rinocerontes em camundongos. Se bem que adoro os rinocerontes, suas armaduras pré-históricas e não tenho muita paciência para ratazanas. Apesar dos ratos nunca me terem feito mal algum. Um medinho, uma nojentezazinha, mas nada de o mundo acabar.

Porém, por vezes, rendo-me a empancamentos cotidianos por coisas farelas, miúdas e banalíssimas. E pode ancorar por algumas horas, dias e até semanas. Um furacão aparente e, depois, apenas um redemoinho de sacis.

 

"Um mosquito, tão pequeno demais, muitas vezes não é tão insignificante"

 

Lembrei de Paulo Mendes novamente, "A alma da gente produz durante a vida toda uma quantidade imensa de camundongos que parecem rinocerontes e de rinocerontes que parecem camundongos".

Paulo Mendes Campos tem algumas razões, não é Pollyanismos. Mas também pensei num ponto de vista estranho. Um mosquito, tão pequeno demais, muitas vezes não é tão insignificante. Assim o diga o aedes aegypt, capaz de dizimar a ruindade sem fim de um Netanyahu. Ainda bem que o mucuim alado não age feito os homens genocidas.

Ruminei tudo isso porque entrei numa dessas solidões involuntárias, deixei-me tomar por trivialidades bestíssimas. Uma piada que tomei, talvez. Uma insegurança possível e quis sustentar na resistência o rinoceronte que fui desenhando abestadamente.

 

"Um mosquito, tão pequeno demais, muitas vezes não é tão insignificante"

 

A sozinhez foi vindo e o camundongo me incomodou, sim, e tive de tentar espantá-lo também. Rinoceronte ou rato, tinha pelo menos que admitir minhas imprevisões todos os dias. Não sei quem serei amanhã quando acordar ou atravessar uma insônia.

Sinceramente, não quero enfrentar os rinocerontes nem matar os camundongos. Do primeiro, desejaria curtir sua fortaleza adamante. E, na verdade, eles são criaturas feito a gente. Claro! Infelizmente, frágeis nas mãos dos homens empreendedores e extintivos.

Os camundongos são miragens ou corro com os gatos atrás deles para que fujam. Não tenho inclinação para matar, se bem que abato formigas na cozinha. O curioso é que os gatos já não são tão gatos e sofrem de muitos dos faniquitos humanos.

 

"A Lei Maria da Penha, as leis contra o machismo insistente, transformam machos que se acham rinocerontes em catitas"

 

 

O Paulo Mendes Campos sublinha que, "às vezes, uma pessoa se abandona de forma tal ao sofrimento, com tal complacência, que tem medo afinal de sair de lá". A dor tem uma paralisia sedutora, causa uma dormência boa também.

Uma amiga, ex-companheira de um cordelista famoso do Ceará, tem comido o pão que o diabo fermentou. Nada justifica! Paixões e amores também perdem o viço e ok. Mas o escroto é tão machista que a condenou a se abandonar. A baixa autoestima a consome.

Ao ponto de fazê-la assinar documentos imorais e aceitar migalhas para ela e um casal de filhos. Ele é um camundongo nojento e desmedido, do tamanho de um rinoceronte. Mas sem a beleza e a virilidade do adamante precioso.

Já disse a ela, a Lei Maria da Penha, as leis contra o machismo insistente, transformam machos que se acham rinocerontes em catitas arrependidas. Coitadas das catitas! Não as quero rendidas, mas vocês entenderam.

 

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