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Como a operação mais letal da história do RJ pode afetar o Ceará?
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Atua em redações desde 2014, quando participou do programa Novos Talentos, no O POVO. É repórter do caderno de Cidades, onde tem ênfase na cobertura de segurança pública. Escreve ainda para Esportes O POVO. Mestrando em Avaliação de Políticas Públicas, na UFC.

Como a operação mais letal da história do RJ pode afetar o Ceará?

Morte de faccionado cearense no Complexo da Penha já havia gerado graves desdobramentos no Ceará em 2024 e cenário semelhante pode vir a se repetir em 2025
Polic (Foto: Mauro PIMENTEL / AFP)
Foto: Mauro PIMENTEL / AFP Polic

Os desdobramentos da operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro precisam ser acompanhados de perto pelas autoridades de segurança pública do Ceará. Como já abordado por este colunista em outras ocasiões, os cenários criminais do Ceará e do Rio estão intimamente ligados, já que lideranças do crime cearense escondem-se nas favelas cariocas.

As comunidades alvos da operação desta terça-feira, 28 — os complexos do Alemão e da Penha — são, ao lado da Rocinha, os principais refúgios dos chefes do Comando Vermelho (CV) cearense.

A Inteligência das Forças de Segurança cearense já havia identificado, por exemplo, que Carlos Mateus da Silva Alencar — conhecido como "Fiel" ou "Skidum" e apontado como chefe do CV no Grande Pirambu e no bairro Boa Vista — refugiava-se na Penha.

Outros cearenses também estavam escondidos na Penha. Nas redes sociais, perfis ligados a integrantes do CV do Ceará publicaram manifestações de pesar pelas mortes de, pelo menos, quatro faccionados que seriam provenientes da região do Grande Pirambu — Carlos Mateus incluso. Até a publicação desta coluna, os nomes dos presos e mortos na operação Contenção não haviam sido divulgados de maneira oficial.

Vale lembrar que foi na Penha que Fábio de Almeida Maia — o “Biu” ou “Tartaruga”, apontado como o número “02” do CV no Grande Pirambu — foi morto em outra operação policial em 2024, o que desencadeou uma espiral de violência no Pirambu e arredores. Nos dias seguintes à sua morte, criminosos obrigaram comerciantes e prestadores de serviço a encerrarem suas atividades como forma de “luto”.

Em seguida, os faccionados decidiram matar policiais que morassem ou trabalhassem na região. Entre fevereiro do ano passado e janeiro deste ano, seis policiais e ex-policiais foram mortos nos bairros Pirambu, Cristo Redentor, Vila Velha e Barra do Ceará.

Um grupo de policiais teria revidado as execuções, matando pelo menos dois homens em fevereiro de 2024. Houve ainda um episódio em que seis PMs foram baleados no Pirambu — apurou-se que eles estavam na região com o objetivo de eliminar mais integrantes do CV.

Portanto, é evidente que a guerra iniciada no Rio nesta semana pode repercutir diretamente no Ceará. Não por acaso, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) afirmou que monitora a situação e que, “de forma preventiva, reforçou o policiamento em pontos estratégicos orientados por levantamentos da Coordenadoria de Inteligência (Coin/SSPDS)”.

A suposta morte de Skidum — não confirmada até a publicação desta coluna — ainda poderia gerar uma corrida interna no CV para assumir a sua posição. Na ausência de um sucessor inconteste, seus antigos subordinados poderiam digladiar-se pelo comando do tráfico de drogas e demais atividades criminosas no Grande Pirambu.

A ascensão da Massa (também conhecida como Neutros, Tudo Neutro, TDN) após um racha no CV, já em 2021, mostrou que os ideais de lealdade propagados pelas facções não são tão sólidos, e que “irmãos” podem voltar-se uns contra os outros em questão de dias.

Além disso, como as diversas investidas recentes do CV na comunidade da 30 de Abril mostraram, a facção está bastante armada, possuindo inclusive fuzis e utilizando drones — o que pode ser mais um reflexo do “intercâmbio” criminoso entre Ceará e Rio.

Há ainda os rivais. Integrantes do Terceiro Comando Puro (TCP) já se manifestaram nas redes sociais celebrando as mortes de adversários na Penha e no Alemão. Um enfraquecimento do CV no Pirambu seria um convite para que faccionados do TCP — atuantes em comunidades como a da Colônia, na Barra do Ceará — ataquem os rivais na região.

Dezenas de mortes já foram registradas nos últimos anos em decorrência da rivalidade entre facções do Pirambu e da Colônia e muitos outros homicídios podem vir a ocorrer se uma intervenção eficaz não for feita.

Por tudo isso e muito mais, os dias seguintes ao já histórico 28 de outubro de 2025 interessam demais aos cearenses. É preciso saber se os feudos das favelas cariocas irão permanecer, permitindo com que foragidos de criminosos de outros estados continuem a ordenar delitos em “home office”.

O Governo do Rio e mesmo o Governo Federal e a Prefeitura Municipal precisam esclarecer o que oferecerão, daqui para frente, aos moradores da Penha e do Alemão. Os policiais irão sair em algum momento, certo? O que ficará no local? Haverá algo além de uma força repressiva armada?

A sociedade fluminense pode até nunca ter testemunhado um banho de sangue como o desta terça-feira, mas já presenciou vários outros e sabe que, por si só, operações como essa não alteram a dinâmica das facções no estado. Líderes e soldados são repostos, e as condições que permitem a reprodução da violência faccional permanecem inalteradas.

Foto do Lucas Barbosa

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