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Em dez anos, como as facções mexeram com economia, sociedade e juventude cearenses
Reportagem Seriada

Em dez anos, como as facções mexeram com economia, sociedade e juventude cearenses

Em 2015, a expressão "facção criminosa" sequer constava nos planos do governo do Estado. Hoje esses grupos interferem na economia, na política, na mobilidade e na cultura cearenses. A rápida escalada se deu a um ambiente propício de "oportunidades" no tráfico, desigualdade e miséria
Episódio 4

Em dez anos, como as facções mexeram com economia, sociedade e juventude cearenses

Em 2015, a expressão "facção criminosa" sequer constava nos planos do governo do Estado. Hoje esses grupos interferem na economia, na política, na mobilidade e na cultura cearenses. A rápida escalada se deu a um ambiente propício de "oportunidades" no tráfico, desigualdade e miséria Episódio 4
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É quase inacreditável, mas, há 10 anos, a expressão “ facção criminosa "Há diferenças entre "facções" e "crime organizado". O segundo termo pode se referir a uma conjuntura maior do que a com controle nas periferias, como grandes crimes empresariais e até políticos. Comumente, no entanto, são usados como sinônimos" ” não constava nos planos de Governo voltados à Segurança Pública do Ceará. Os grupos organizados eram, em suma, uma realidade sudestina.

 

Pichação de facção em Fortaleza(Foto: O POVO)
Foto: O POVO Pichação de facção em Fortaleza

Mas, havia pistas. Nas páginas de jornais, nas conversas de rua. Como vírus em ambientes propícios, as facções proliferaram-se em cadeias superlotadas, em um globo encurtado pela internet e os smartphones e, especialmente, em um ponto estratégico de comércio de drogas, Fortaleza. Uma das cidades mais desiguais do mundo.

Em menos de dois anos, já havia facção cearense, somada à inserção rápida dos grupos do sul à conjuntura do crime local. A violência escalonou. Quatorze pessoas morriam por dia, em média, em 2017. De repente, Fortaleza tornara-se o campo de batalha de uma aparente Guerra Sem Fim.


 

Facções nas entranhas da política, economia e cultura

Salto para 2025. Os números de assassinatos variou ao longo dos anos, com quedas e oscilações. Uma década depois, diminuíram em comparação a 2017, mas ainda seguem muito altos.

 

Taxa de assassinatos, por ano, no Ceará

 

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelou o rastro da insegurança no território estadual. Algo já nítido pelas notícias cotidianas - nas quais cidades, como Morada Nova, têm bairros inteiros esvaziados,  e bairros de Fortaleza somam mais de uma dezena de mortes em um mês - ganhou números exatos.

O Ceará, em 2024, somou 3.467 Mortes Violentas Intencionais (MVI) e comportou três das dez cidades mais violentas do Brasil, dentre elas Maranguape, na Região Metropolitana da Capital, que aparece no topo do ranking. Aos dados, a pesquisa adicionou uma informação: todos os municípios citados sofrem disputa de facções pelo controle do tráfico.

 

Três das dez cidades mais violentas do Brasil, em 2024, estão no Ceará

 

O Governo do Estado informa das ações diárias de combate ao crime, dos investimentos de inteligência, armamentos, concursos para novos policiais, além das ações no sistema penitenciário e de prevenção.

Há núcleos voltados especificamente ao combate às facções, no Ceará, no Governo Estadual, Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça do Ceará e Tribunal Regional Eleitoral, todos da década de 2010. No ensejo, outros nomes políticos e demais figuras públicas cresceram com o discurso anti-facção.

A corrida é para estancar os impactos, em meio à velocidade e intensidade do crime.

Nas ruas, as pichações ditam aqueles que têm influência nos territórios. A escalada mudou toda a configuração da sociedade fortalezense, transbordando para o Interior. O crime organizado mexe e exerce níveis de controle no setor de serviços - da internet ao gás de cozinha, no direito de ir e vir, na evasão escolar de adolescentes e, claro, no direito à vida e no exercício eleitoral e político.



Ano de eleição, 2024 comportou registros da influência de facções nos pleitos municipais. Levantamento do O POVO indicou pelo menos 12 cidades - de norte a sul do Ceará, de pequeno ou grande porte - alvos de investigações por coação a eleitores, financiamento ilícito de campanhas, extorsões a candidatos e ameaças a adversários políticos. Reportagem é do jornalista de política, Marcelo Bloc.

 

Cenário é contado em detalhes em documentário do O POVO+, Guerra sem Fim - Facção e Política

As organizações criminosas também entranharam na cultura cearense: na moda, na “ostentação”, nos jargões e gírias, nas músicas e textos com manifestos dos grupos, nas relações interpessoais, nas organizações sociais - do crime ou em resistência a ele.

Tudo isso, de novo, em apenas dez anos.


 

 “O tempo das gangues em Fortaleza acabou, agora é facção”

A brutalidade do crime no Ceará "Importante salientar que a violência estende-se pelo Brasil e o Mundo. Não é algo somente nordestino ou cearense. Porém, cada localidade traz características singulares do crime" é comparada a do México. É explícita, cruel e gráfica. Desde antes das facções, a violência era muitas vezes meio de comunicação e de resolução de desafetos. Mesmo os mais jovens, não podiam deixar impune. Afinal, historicamente, o Ceará é terra de “cabra macho”.

Confrontos violentos eram comuns na Fortaleza recheada de gangues dos anos 1980. Os membros encontravam-se para “trocar socos e pedradas”. Em entrevistas nas comunidades, nos anos 2000, o pesquisador referência em segurança pública do Ceará, Luiz Fábio Paiva, foi informado de que a chegada de armas e drogas ocorreu para “alimentar as disputas territoriais”, aumentando a letalidade das brigas.

Escreveu o professor Luiz Fábio Paiva sobre as gangues:

"As gangues se encontravam nas ruas ou em bailes funks para trocar socos, pedradas e, no máximo, “[...]alguém se armava com um pedaço de pau e ferro”, explicou um morador do Conjunto Ceará. Esses grupos eram compostos por “cabras-machos”, que “se garantiam” e afirmavam sua masculinidade diante de outros homens, heterossexuais e viris".

Quando o negócio foi percebido como “lucrativo”, algumas gangues passaram a romper internamente. Os traficantes eram tanto líderes de gangues quanto independentes e os membros das quadrilhas deles não podiam frequentar o território das outras.

Muita gente morria. E muita gente se vingava. A rivalidade era tão incorporada à mobilidade das pessoas das comunidades que o início dos conflitos era esquecido. “Ninguém sabe muito bem como isso começou, mas o pessoal daqui não se dá com o pessoal de lá”, disse uma liderança do Bom Jardim ao professor Luiz Fábio, nos anos 2010.

ParaTodosVerem: sociólogo Luiz Fábio Paiva, do Laboratório de Estudos da Violência da UFC. É um homem de óculos, cabelos curtos e camisa de botão(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE ParaTodosVerem: sociólogo Luiz Fábio Paiva, do Laboratório de Estudos da Violência da UFC. É um homem de óculos, cabelos curtos e camisa de botão

A diferença dessa configuração ao que existe hoje, com as facções, está na crueldade da violência e na expansão da rivalidade. Antes, havia conflitos entre territórios de Fortaleza. Hoje, os rompimentos de facção expandem-se pelo Brasil. Em todo lugar que se for, a briga é a mesma: de Fortaleza ao interior, de Norte a Sul.

Foi por volta de 2013, segundo o professor Luiz, que traficantes locais intensificaram os contatos com o PCC, CV e a Família do Norte (hoje extinta facção do Amazonas). 


 

Do subsolo do Banco Central ao controle de territórios

A década de 2010 expandiu a influência das facções do Sudeste nas periferias do Ceará. Antes disso, havia respingos.

A facção carioca Comando Vermelho (CV) atuava em assaltos e sequestros no território cearense. O Nordeste era visto ainda como um porto de escoamento de drogas.

Segundo a professora Jania Perla Diógenes de Aquino, do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFC, mercados africanos e europeus eram “oportunidades” para a exportação e importação. Criou-se uma “malha” dos traficantes do sul com o tráfico de varejo das periferias, as quadrilhas.

ParaTodosVerem: foto preto e branco de operação da PM desmontou 1º esconderijo do CV em Fortaleza, nos anos 1980(Foto: Heloisa Menescal/O POVO, em 16/10/1993)
Foto: Heloisa Menescal/O POVO, em 16/10/1993 ParaTodosVerem: foto preto e branco de operação da PM desmontou 1º esconderijo do CV em Fortaleza, nos anos 1980

O Primeiro Comando da Capital (PCC), facção paulista, expandiu a influência pouco depois da criação, nos anos 1990. Há relatos de interferência no tráfico de crack em Fortaleza, além de batismos em presídios.

Ganharam destaque, contudo, os furtos: a grandes transportadoras e, enfim, o maior assalto a banco do Brasil. Investigações apontaram membros do PCC dentre os que rastejaram sob o Banco Central de Fortaleza, em 2005.

Deve-se considerar ainda o próprio deslocamento populacional brasileiro: o êxodo do Nordeste em direção ao sul. Assim como demais cariocas e paulistas, figuras do crime têm antepassados ou contatos de confiança no Nordeste.

Estes contatos serviram muitas vezes de refúgio em caso de procura policial e, desta forma, muitos criminosos das facções do Rio ou de São Paulo acabaram presos em estados nordestinos. Somado a isso, em 2015, eles chegaram em massa ao sistema carcerário do Ceará.


 

 Presídio abandonado, crime empoderado

Presídios. Pesquisas apontam o sistema penitenciário como a gênesis do CV. O PCC teria, por sua vez, na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté. Da mesma forma, foi pelas prisões que as facções teriam adentrado e crescido no Ceará, em meados dos anos 2010.

ParaTodosVerem: lotação na Delegacia do 7º Distrito Policial, no Pirambu, em 2016(Foto: MATEUS DANTAS/2016)
Foto: MATEUS DANTAS/2016 ParaTodosVerem: lotação na Delegacia do 7º Distrito Policial, no Pirambu, em 2016

Assim como ocorria no restante do Brasil, o sistema penitenciário do Ceará sofria com aspectos como: corrupção, perda do controle interno, superlotação fruto do encarceramento massivo e ausência de uma política clara de ressocialização. Ambiente propício.

Em 2015, eram cobradas taxas e houve aumento pelo controle interno dos presídios por parte do crime do Sudeste. Hoje secretário de Administração Penitenciária do Ceará, Mauro Albuquerque chegou em 2016 "Mauro assumiu a SAP em 2019, mas em 2016 atuou em uma operação no Ceará, quando conheceu o sistema penitenciário do Estado" em presídios “tomados de conta”, segundo ele.

Chamou o crime de “empoderado”. “O policial sem equipamento. Eles tinham de tudo dentro das celas, tinha um lugar que o policial não podia entrar. Uma inversão de valores”, lembra.

Mesmo com ações focais, o cenário prolongou-se. Três anos depois, quando o secretário assumiu a SAP, as facções ainda “fazendo uma conta por baixo, tiravam dentro de um presídio desse 3 a 4 milhões por mês”.

A SAP fez uma reforma nas prisões, que, para Mauro, “resolveu” o problema da época. Até hoje, porém, há relatos de maus-tratos dentro dos presídios cearenses e outros desafios para reintegração dos presos. Assunto será tratado nesta série, em episódio que terá como foco as ações do Governo do Ceará e o que ainda pode ser feito no combate às facções.

ParaTodosVerem: Mauro Albuquerque, secretário da Administração Penitenciária, no único presídio de segurança máxima do Ceará. Ele está de lado. É um homem branco. Usa máscara(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves ParaTodosVerem: Mauro Albuquerque, secretário da Administração Penitenciária, no único presídio de segurança máxima do Ceará. Ele está de lado. É um homem branco. Usa máscara

Rapidamente, de dentro, a influência dos criminosos organizados recém-chegados passou para fora das grades.

Encontraram retaliação. Ex-membros de gangues, além de adolescentes, passaram a integrar uma facção originária no Ceará, cujo próprio nome indicava reação aos “estrangeiros” que infiltravam-se nas configurações locais: eram os Guardiões do Estado


 

 Meninos e miséria

Enquanto os líderes do Sudeste chegavam nos presídios e o crime local reagia, a capital cearense coloriu-se em meio à Copa do Mundo e das Confederações. As obras de infraestrutura e as promessas de modernidade acumularam-se nas avenidas centrais e bairros nobres. Esses dois anos - 2013 e 2014 - tiveram picos de violência.


Os dois lados dos investimentos na Copa do Mundo, em Fortaleza. Na foto, obras do VLT, ambas imagens de 2016

 

Uma página do O POVO, de janeiro de 2015, exibe bem esse fator na gênese das facções em Fortaleza. Acima, uma notícia de reunião do Governo com foco na atuação de traficantes de dentro dos presídios, nos primeiros “sinais” do crime organizado.

Abaixo, o que ocorria do lado de fora: dois jovens eram baleados por engano, pelo crime, no bairro Barra do Ceará, em um fim de semana de 42 homicídios. Foram confundidos com "integrantes de gangues", criminosos de 18 e 19 anos.

 

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ParaTodosVerem: professora Jania Aquino. É uma mulher loira, de pele clara e olhos escuros(Foto: Arquivo Pessoal/Jania Aquino)
Foto: Arquivo Pessoal/Jania Aquino ParaTodosVerem: professora Jania Aquino. É uma mulher loira, de pele clara e olhos escuros

A influência das facções não é exercida somente pelo uso da força. É o que a professora Jania Aquino chama de “manutenção do ódio”. A violência vem de todas as partes e encontra o ideal de “masculinidade”, somado à atuação das facções nas escolas, no sistema de saúde e na mobilidade. Dando voltas em si mesma, a “espiral de letalidade” jogou jovens uns contra os outros.

A GDE não apenas aceitava membros adolescentes, como incentivava a ingressão, algo proibido em outros grupos. “O menor só de AK”, era o tipo de frase em letras de música sobre a facção cearense. Ganhou ainda mais força a cultura de violência, que recebia os “estrangeiros” e puxava menores pobres para o crime.

“O que mantém uma guerra? Que foi o que fez aumentar ainda mais o número de homicídios na cidade? É esse sentimento de ódio, que torna a atmosfera emocional”, explicou a professora.


 

Ceará “pacífico"

Em princípio, segundo o jornalista e colunista do O POVO+, Ricardo Moura, as organizações ainda eram percebidas pelo Estado como “muito difusas, sem caracterização muito precisa”. Para ele, isso fez com que o Governo perdesse tempo e ficasse para trás em conjuntura em expansão e já muito óbvia para a periferia.

Quem vivia na comunidade viu a briga nos territórios virar algo muito maior e violento, com símbolos e orientações morais. As facções trouxeram ainda o terror das remoções e do intenso comando interno.

ParaTodosVerem: pichações e mensagens das facções nas ruas de Horizonte, em 2017(Foto: MARIANA PARENTE/2017)
Foto: MARIANA PARENTE/2017 ParaTodosVerem: pichações e mensagens das facções nas ruas de Horizonte, em 2017

“Estabelecem os outros grupos como inimigos a serem enfrentados e derrotados. As facções movimentam um conflito móvel, com tomada de territórios e ações violentas que causaram inúmeras mortes por meio de chacinas”, escreve o professor Luiz Fábio. Tinha lugar que até para remover árvore precisava de autorização do crime.

Nada disso foi tomado como foco. A existência de facções no Ceará só ganhou reconhecimento quando, de 2015 para 2016, os índices de mortes violentas despencaram.

 

Primeiro registro da pacificação foi assinado pelo jornalista Ricardo Moura no O POVO, em 2016, entrevistado neste material. Ele escreveu:

"Durante as entrevistas que faço para minha pesquisa, ouvi de três policiais o mesmo relato: líderes do tráfico de drogas em Fortaleza estariam pondo suas diferenças de lado e se organizando, diminuindo assim os conflitos interpessoais, causa primordial das mortes violentas. Um dos meus interlocutores citou até mesmo a realização de um encontro entre traficantes que teria reunido mais de 20 comunidades. Soube ainda que nas músicas que circulam nas redes da ilegalidade já há menção a essas parcerias. Estaria havendo uma espécie de “paz consentida” entre os traficantes para empregar a expressão de um amigo que vivencia de perto a violência urbana."

 

Páginas de jornais exibiram a narrativa da “pacificação”: ação coordenada em várias comunidades dominadas por facções rivais que celebraram um pacto de não agressão. Ganhou destaque, por exemplo, a “caminhada do crime”, na cidade de Sobral, a 233 km quilômetros de Fortaleza.

Na Capital, o professor Luiz Fábio ouvia a surpresa de policiais civis: “Tem final de semana agora em Fortaleza que não morre ninguém. Tu acredita?”.

Pichações durante o período de pacificação(Foto: O POVO DOC)
Foto: O POVO DOC Pichações durante o período de pacificação

A reação do Governo foi negar, reivindicando os índices reduzidos às políticas implementadas. Em meio disso, somente em 2016, ocorreram 13 atentados contra bens públicos, atribuídos a ordens de dentro do sistema prisional - dentre elas: a colocação de um carro-bomba na frente da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) e uma rebelião com 14 mortos em unidades penitenciárias.

O Governo, mesmo assim, achava “precipitado” atribuir as ações a um grupo específico. Somente com a quebra da pacificação, o Estado mirou nas facções, já em um estado de guerra.


 

Queima de ônibus, chacinas e controle territorial

A quebra nos “acordos de paz” entre PCC e CV teria se dado pela morte do traficante Jorge Rafaat, em junho, no Paraguai. No Ceará, o professor Luiz Fábio considerou ponto chave o assassinato de Welder Breno Silva Ferreira, de 28 anos, em outubro de 2016. Ele foi morto na Sapiranga, então há um ano sem homicídios.

“O fim da paz entre as facções iniciou o maior conflito armado vivido no Estado do Ceará”, considerou o professor Luiz, em lembrança aos 5.134 crimes violentos, letais e intencionais ocorridos no ano de 2017. Em suma, o PCC uniu-se com a GDE contra o CV. Seguiram-se chacinas, respondidas com mais retaliação do grupo adversário.


 

"A cidade sob ataque", denunciava o caderno especial do O POVO. Intervenções em presídios teriam sido a causa de uma onda de ataques a comércios e a ônibus. A equipe de reportagem era avisada para, "pelo amor de Deus",, abaixar os vidros dos carros em bairros dominados por diferentes grupos, em uma guerra territorial. Moradores eram expulsos e os homicídios dispararam.

As eleições de 2018 reelegeram o governador Camilo Santana, que realizou uma reforma no secretariado, mudando o comando da SSPDS e criando a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). A escolha do secretário Mauro Albuquerque, em 2019, gerou um novo ano de ataques e ameaças ao poder público.

 

Confira a linha do tempo abaixo

 

O crime reconfigura-se com constância. As alianças entre facções variam. Em 2019, a Polícia Federal identificou a quebra entre PCC e GDE e, em 2025, houve “trégua” entre a facção paulista e o Comando Vermelho. Outros grupos surgiram, como a Massa Carcerária, de dissidentes nos presídios.

Todas essas mudanças de conjuntura, vale lembrar, significam picos de violência, influenciados por outros fatores. Ano de ápice, por exemplo, foi 2020. Em plena pandemia de Covid-19, os homicídios aumentaram em 80% no Ceará, em meio a uma paralisação da Polícia Militar.


 

Ecos da violência

Nas trincheiras, as pessoas nas periferias relatam a incerteza. A década firmou uma relação inevitável das comunidades com os "grandes" - “que colocam as armas nas mãos dos adolescentes”. São avisados de possíveis ondas de violência e recebem orientações para "evitar enganos". Há medo e apreensão.

Desde 2016, equipes da Defensoria Pública do Ceará, relatam ainda a expulsão de moradores de conjuntos habitacionais. Para quem fica, a sensação é de estadia temporária. “O controle de um grupo é substituível pela ação violenta de outro. Isso altera todo o equilíbrio ali existente, transformando a vida de um morador aceito em um futuro morador expulso”, explica o professor Luiz Fábio.

ParaTodosVerem: Mãe e dois filhos caminham em Conjunto Alameda das Palmeiras, em 2017(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA ParaTodosVerem: Mãe e dois filhos caminham em Conjunto Alameda das Palmeiras, em 2017

Assim como nas gangues, muita gente sequer lembra de como eram as coisas antes das facções. Dez anos representam, por exemplo, uma geração inteira de jovens periféricos que cresceram rodeados pelo crime organizado. Para alguns, as coisas sempre foram assim.

ParaTodosVerem: Ricardo Moura, colunista de Segurança Pública do O POVO+. É um homem de cabelos e barbas escuros. Usa camisa azul(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação ParaTodosVerem: Ricardo Moura, colunista de Segurança Pública do O POVO+. É um homem de cabelos e barbas escuros. Usa camisa azul

O professor Luiz Fábio considera esta “naturalização” determinante no enfrentamento do problema. “As facções não somente permanecem, como também desafiam a imaginação social”, diz ele, se referindo ao cenário de facções para além das ruas, mas na política, serviços e economia.

O período pós-pandêmico, apesar disso, trouxe a perspectiva de uma visão mais otimista para a professora Jania Aquino. Ela considera haver uma resposta mais eficiente do Estado quanto à complexa atuação do crime: não apenas com foco na curva de homicídios, mas em toda a influência que esses grupos mantêm nas comunidades.

“Por ser um problema que já se alonga, temos possibilidade de reduzir a letalidade e essa dimensão de governo. Desestruturar  essa força do crime no sentido de atuar gerindo os espaços e impactando no acesso a direitos básicos das populações que residem em suas regiões de domínio”, considera ela.

Para jornalista e pesquisador Ricardo Moura, colunista do O POVO+, o foco deve ser a prevenção, com ações unificadas entre diferentes entes.

“Uma união de atores da sociedade civil, como empresas e poder público, para colocar isso como uma meta, de que não se quer mais esses grupos operando de forma impune no Estado. Porém, são muitos interesses diferentes, a dificuldade é grande e eles são muito mais organizados”, considera ele.

ParaTodosVerem: pichação com os dizeres "educação", na Assembleia dos professores em 2011(Foto: DEIVYSON TEIXEIRA/2011)
Foto: DEIVYSON TEIXEIRA/2011 ParaTodosVerem: pichação com os dizeres "educação", na Assembleia dos professores em 2011

E acrescentou: “Vamos ter que lidar ainda com esse tipo de problema e com essa situação incômoda por bons anos pela frente. Mas eu acho que a gente avançou no conhecimento e nas formas de lidar”.

Outras soluções envolvem um retrospecto, para que erros antigos não sejam cometidos pelas forças estaduais. Mas, isso é assunto para o próximo episódio.


 

Referências

 


 

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