Logo O POVO+
Exclusivo. Como um racha levou à criação de uma nova facção criminosa no Ceará
Reportagem Especial

Exclusivo. Como um racha levou à criação de uma nova facção criminosa no Ceará

Massa Carcerária ou Neutros é como ficaram conhecidos criminosos que deixaram as suas facções de origem e passaram a se considerar independentes. Eles entraram em guerra contra as facções a que pertenciam, levando medo a moradores de diversas regiões do Estado

Exclusivo. Como um racha levou à criação de uma nova facção criminosa no Ceará

Massa Carcerária ou Neutros é como ficaram conhecidos criminosos que deixaram as suas facções de origem e passaram a se considerar independentes. Eles entraram em guerra contra as facções a que pertenciam, levando medo a moradores de diversas regiões do Estado
Tipo Notícia Por

 

Atualmente, quatro facções criminosas se digladiam nas ruas do Estado em busca de sobrepor-se às demais, num processo que leva medo e aflição à população cearense. Até recentemente, eram três as facções no Estado: Comando Vermelho (CV), Primeiro Comando da Capital (PCC) e Guardiões do Estado (GDE). Havia uma quarta facção, a amazonense Família do Norte (FDN), mas esta entrou em decadência a partir de 2018 e seus integrantes no Estado passaram para o CV após o fim da aliança entre os dois bandos no Amazonas.

O lugar de quarta facção seria reposto em alguns anos a partir, justamente, de um racha dentro das fileiras das facções com quem agora guerreia. Os Neutros — também conhecidos como Massa, Massa Carcerária, MC, MC7 ou Tudo Neutro (TDN) — surgiram, primeiramente, do seio do Comando Vermelho (CV), em 2021; e, em seguida, da Guardiões do Estado (GDE), em 2022. Além disso, o novo grupo criminoso estabeleceu uma aliança com o Primeiro Comando da Capital (PCC), inimigo tanto do CV, quanto da GDE.

Pichação em referência à facção Massa Carcerária, surgida de um racha no Comando Vermelho(Foto: Reprodução/Polícia Civil)
Foto: Reprodução/Polícia Civil Pichação em referência à facção Massa Carcerária, surgida de um racha no Comando Vermelho

O surgimento desse novo grupo criminoso veio a tornar ainda mais grave a situação da segurança pública no Estado, sobretudo, em regiões como a Grande Messejana, na Capital, além de Caucaia e Maracanaú (ambas na Região Metropolitana de Fortaleza). São inúmeros os homicídios causados pelo confronto, crimes que passaram a ocorrer praticamente todos os dias no Estado.

Em 2021 e 2022, conforme levantamentos exclusivos do O POVO, ao menos, 38 assassinatos em Fortaleza foram creditados à nova facção em denúncias do Ministério Público Estadual (MPCE). Levando em conta que, à época do levantamento, o número de homicídios que tiveram denúncia nesses dois anos foi, respectivamente, de 17,5% e 29,1%, é provável que o número de vítimas seja ainda maior — para não contar os integrantes da própria facção que foram mortos por rivais.

Além disso, pelo menos, três chacinas foram associadas a essa dinâmica: em Boqueirão das Araras (Caucaia), onde morreram seis pessoas em agosto de 2021; na Sapiranga, Fortaleza, onde foram mortas cinco pessoas em dezembro de 2021; e no Lagamar, também na Capital, onde foram quatro mortos em fevereiro de 2022.

Para entender como esse cenário se formou, O POVO mergulha no submundo do crime e traz neste especial uma recapitulação dessa história.

 

 

“Essa guerra já deu para cada um escolher seu lado”

A existência de criminosos que não aderem a facções não é algo novo. Gangues de bairros eram as principais organizações criminosas existentes no Estado até meados de 2015, quando as facções do Sudeste aumentaram os “batismos” no Ceará e a GDE foi criada. Mesmo com o avassalador avanço das facções, havia em algumas poucas comunidades a existência de traficantes que “não levantavam a bandeira” desses grupos. Nos presídios, também era usual a identificação de presos como “Massa”, por não pertencerem a facções.

Em 2020, porém, o CV começou a pressionar os “neutros” para que tomassem partido. Representação por prisão temporária e Busca e Apreensão Domiciliar, feita pela Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), detalha que, em junho daquele ano, diversas queimas de fogo foram registradas na Região Metropolitana de Fortaleza comemorando a tomada de novos territórios, tanto da GDE, quanto de neutros.

A guerra entre facções ampliam o terror e o medi nas comunidades onde elas atuam(Foto: JANSEN LUCAS)
Foto: JANSEN LUCAS A guerra entre facções ampliam o terror e o medi nas comunidades onde elas atuam

Um salve do CV anexado ao inquérito nº 326-00042/2020 dizia que: "Dessa data em diante será proibido qualquer um da massa ou neutro trabalhar em áreas do CV, e o dono que permitir isso poderá perder a vida e sua favela ao fazer isso". Entre as razões para a nova determinação estariam acusações de que neutros estariam "pegando matérias de irmãos CV" e revendendo e fortalecendo inimigos. “Essa guerra já deu para cada um escolher seu lado”, também dizia o salve.

Dentre as comunidades que foram afetadas pela determinação estava a Rosalina. No local, conforme a Polícia Civil, atuava tanto a GDE, quanto o CV, pois os chefes do tráfico na comunidade eram irmãos.

 

"ENTAO SE DER MEIA NOITE NA DATA DE HOJE 15/06/2020,SE PASSAR DA MEIA NOITE NÃO VERMELHAR A ROSALINA , TODOS QUE FICAR NA DENTRO JUNTO COM O TRATOR (alcunha de Daniel Oliveira da Silva, de 38 anos) SERÃO CONSIDERADOS ALEMÃO PRA NÓS DO COMANDO VERMELHO” (SIC).

 

É o que dizia um dos salves emitidos pelo CV. Naquele mesmo dia, um intenso foguetório foi registrado na comunidade, selando a aliança exclusiva com o CV.

 

 

Reação das polícias e descontentamento dentro do CV

A ofensiva fez do CV a facção com presença em mais territórios no Estado, o que levou a uma reação das forças de segurança. Uma dessas ações foi a deflagração da operação Guilhotina, da Draco, que, em suas diversas fases, prendeu dezenas de suspeitos que seriam figuras-chave do CV. Entre os presos estava o homem apontado como principal liderança da facção no Estado: Max Miliano Machado da Silva, conhecido como Pio Manaus ou Lampião, preso em fevereiro de 2021.

Nos meses que se sucederam à prisão, vieram à tona diversas insatisfações que integrantes do CV teriam com o “Conselho Permanente” da facção. Durante a operação Atroz, deflagrada pela Delegacia Metropolitana de Caucaia, foi localizado no celular de um suspeito de romper com o CV um salve que capta bem o tom da indignação com a cúpula da facção:

 

“VENHAMOS INFORMAR AOS NOSSOS AMIGOS EM GERAL QUE ESTÃO NA LUTA JUNTO A NÓS COM O INTUITO DE ACABAR COM ESSA VERGONHA QUE É ESSE " CONSELHO PERMANENTE DO CV CE ", ONDE NA VERDADE DOS 13 OU MAIS CONSELHEIOS QUE EXISTEM APENAS 3 TEM VOZ ATIVA E OS DEMAIS SÓ SERVEM DE NÚMEROS E ESSES 3 SÃO ( ZÉ MÁRIO - ZM/ VELHINHO - DG / PIU MANAUS ), ONDE PIU SÓ TEVE ESPACO E VOZ ATIVA NO CONSELHO POR CONTA DE SUA SITUAÇÃO FINANCEIRA” (SIC).

 

Operação cumpriu mandados em bairros como Vicente Pinzón, Conjunto Palmeiras e Aerolândia(Foto: Divulgação/Polícia Federal)
Foto: Divulgação/Polícia Federal Operação cumpriu mandados em bairros como Vicente Pinzón, Conjunto Palmeiras e Aerolândia

Outras reclamações diziam respeito a uma suposta falta de amparo por parte da facção a membros presos, assim como o alto valor da “caixinha”, uma contribuição financeira que faccionados são obrigados a pagar, justamente, para garantir amparo jurídico e auxílio às famílias dos “irmãos” que são detidos.

Conforme a Draco, em 15 de maio de 2021, uma nota assinada pela "Massa Carcerária da Segurança Máxima", compartilhada nas redes sociais, informava que, em reunião com integrantes do Conselho do CV, diversos membros da facção "entregaram as camisas" — isto é, deixaram o grupo.

"É dito, também, que todos os 'traidores' dos 'donos da quebrada' serão cobrados severamente, principalmente, se caírem no sistema carcerário, pois, segundo a nota, são todos 'Massa'", diz relatório de inteligência da Draco. “Informa que não aceitarão 'decretos de irmãos que sempre correram pelo certo', ou seja, condenação de morte para aqueles tidos como criminosos que cumprem as 'leis do crime’”. Um dia depois, também conforme a Draco, salve do CV começa a circular dando conta de que três lideranças do tráfico na região da Messejana estavam querendo virar Massa.

 

 

A Massa em Caucaia

Em Caucaia, o primeiro sinal do motim veio em 7 de junho de 2021. Um "salve" informava que criminosos de 21 comunidades de Caucaia, além de outros quatro municípios (Jaguaruana, Reriutaba, Varjota e Uruburetama), haviam deixado o CV. De forma praticamente imediata os rebelados foram “decretados” pelos antigos aliados. Nesse contexto, estourou uma guerra em Caucaia: somente entre 4 e 11 de junho daquele ano, 13 assassinatos foram registrados no município.

Além disso, foram registrados vários casos de expulsão de moradores: somente na comunidade Vila Nova, 50 famílias foram expulsas, conforme o prefeito Vitor Valim (Sem Partido). Em 2021, o inquérito policial nº 326-047/2021 trazia a informação de que, em uma mensagem em aplicativo, um homem que integraria o CV de Caucaia dizia que a facção teria R$ 600 mil para investir em armas e munições na guerra contra a Massa.

Pichação em referência à facção Massa Carcerária, surgida de um racha no Comando Vermelho(Foto: Reprodução/Polícia Civil)
Foto: Reprodução/Polícia Civil Pichação em referência à facção Massa Carcerária, surgida de um racha no Comando Vermelho

Em Caucaia, o confronto colocava em lados opostos o CV e a chamada "Tropa do Mago", ao lado do “Comando da Laje”. “Mago” é o apelido de Francisco Cilas de Moura Araújo, preso em julho de 2020 e que já chegou a ser apontado como maior liderança do CV em Caucaia. Já o Comando da Laje, era liderado por Alban Darlan Batista Guerra, morto em intervenção policial no Rio de Janeiro também em julho de 2020. Cilas e Alban Darlan eram aliados, união que se mantém em relação à Tropa do Mago e ao Comando da Laje, agora sob a roupagem do TDN.

Em dezembro de 2022, relatório da Delegacia Metropolitana de Caucaia apontava que a Massa havia se tornado a maior facção de Caucaia, estando "diretamente envolvida" na maior parte dos homicídios registrados em novembro e dezembro no Município.

A insatisfação de faccionados com o CV também resultou em uma outra frente de atuação. A Lost foi uma tentativa de criação de uma nova facção, que, entretanto, não foi à frente e seus integrantes desaguaram mesmo no movimento TDN.

Conforme um homem que se identificava como ex-chefe do CV, em entrevista a O POVO por meio de seu advogado, a Lost foi uma iniciativa levada adiante por três chefes da facção carioca que se sentiam "esquecidos" em presídios federais pelos companheiros de organização criminosa.

A nova organização chegou a ganhar adeptos em comunidades como Oitão Preto (bairro Moura Brasil) e Society (no bairro Jardim Violeta), mas não foi à frente diante da brutal retaliação feita pelo CV. Veja o que dizia, por exemplo, um salve do CV sobre a nova organização, captado no inquérito nº 326-007/2021.

 

"PEGUEM A VISÃO O SOCIETY ALI NO VIOLETA VIROU PILANTRA SEGUNDO INFORMAÇÕES QUE A NOVA FACCAO LOST CRIADA POR PILANTRAS QUE FORAM DECRETAO PELO CV ESTAO DE FRENTE LA AGORA, POS OS IRMAOS ESPALHEM PRA QUE IRMAOS NOSSOS NAO SEJAM ATRAIDO PRO CHEIRO PRA QUE NAO VENHAM PERDER SUAS VIDAS"

 

 

Linha do Tempo dos fatos que levaram ao estabelecimento da Massa/Neutros

 

 

A guerra na Grande Messejana

Em paralelo ao conflito em Caucaia, também a região da Grande Messejana, em Fortaleza, registrou um incremento na violência por causa do racha no CV.

O conflito foi o principal responsável por fazer a Área Integrada de Segurança (AIS) 3 (onde ficam, além da Grande Messejana, bairros como Jangurussu, Conjunto Palmeiras e Ancuri) ir na contramão da redução no número de homicídios registrada em Fortaleza em 2021 e 2022. Neste último ano, houve 185 assassinatos na AIS 3, aumento de 23,3% em relação a 2021 — no restante de Fortaleza, em 2022, houve uma diminuição de 5,6%.

Um dos marcos do racha no CV na região da Grande Messejana se deu em 17 de maio de 2021, conforme registrado no inquérito nº 326-034/2021. Naquela data, houve uma reunião na comunidade do Por do Sol em que integrantes do CV estariam debatendo os rumos da facção na região. Na ocasião, um homem foi preso e os demais tiveram o celular apreendido pela Draco. Nos aparelhos, foi encontrada uma conversa em que um homem apontado como chefe do CV na região afirma que “isso está acontecendo não por traição mas par reivindicar erros na facção só q isso era pra ser melhor planejadas” (SIC).

O documentário "Guerra sem fim", do OP+ costura narrativa que mostra os bastidores do mundo das facções criminosas no Ceará(Foto: Alex Gomes, em 3/2/2019)
Foto: Alex Gomes, em 3/2/2019 O documentário "Guerra sem fim", do OP+ costura narrativa que mostra os bastidores do mundo das facções criminosas no Ceará

A situação escalaria nos meses seguintes. Em agosto de 2021, a 3ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) afirmava em inquérito que "mais de 10 homicídios" haviam sido registrados pelo racha no CV nos bairros Messejana, Jangurussu, Curió e Lagoa Redonda.

Conforme a iniciativa Portal Cearense 7.0, que mapeia como agem as facções no Ceará, na Grande Messejana existem cerca de 15 territórios com atuação dos Neutros e mais de 20 com atuação do CV. Também aqui foram registradas expulsões de moradores.

O reflexo disso podia ser visto, por exemplo, em uma rua na comunidade do São Miguel, no bairro José de Alencar, que ganhou a alcunha de “Faixa de Gaza”, por situar-se em uma região disputada pelas duas facções. No inquérito que investiga a morte de Nailson de Lima Santana, de 19 anos, crime ocorrido em 23 de março de 2022, é afirmado que testemunhas contaram por vezes o bairro “era invadido pelos criminosos da CV que saiam invadindo as casas para matar ou aterrorizar na área que estava sendo dominada pela MASSA”.

Em áreas de conflito entre as facções, conhecidas como "Faixa de Gaza", as pessoas são impedidas de circular, têm a mobilidade ditadas pelas facões(Foto: JANSEN LUCAS)
Foto: JANSEN LUCAS Em áreas de conflito entre as facções, conhecidas como "Faixa de Gaza", as pessoas são impedidas de circular, têm a mobilidade ditadas pelas facões

Essa violência, como de habitual no conflito entre facções, não poupava nem mesmo aqueles que não integram as fileiras das facções. Bastava simplesmente morar em território do grupo rival para ser vítima dos criminosos. Em 21 de setembro de 2021, Maria Gerliane Pereira, de 31 anos, foi assassinada em frente ao Posto de Saúde Teresinha Parente, no bairro Lagoa Redonda, após ir até a unidade resolver questões atinentes ao benefício do Bolsa Família.

"Ocorre que a vítima residia no Bairro Curió, em região dominada pela facção MASSA/NEUTROS e o posto de saúde onde veio a ser morte é situada em região dominada pela organização criminosa Comando Vermelho-CV", afirma denúncia do MPCE contra quatro pessoas pelo crime. "Soma-se a isso o fato de que, muito embora as testemunhas ouvidas tenham referido que a vítima não tinha envolvimento com facções, integrantes do Comando Vermelho-CV acreditavam que ela tivesse parentesco com pessoas vinculadas à facção MASSA".

O conflito, como se viu, prosseguiu e é registrado até os dias de hoje, embora o mês de abril tenha passado a impressão de que o conflito pode estar arrefecendo. Conforme a SSPDS, em abril, ocorreram cinco homicídios na AIS 3, o que foi o menor resultado na região desde 2019.

 

 

O racha na GDE

Assim como os rivais do CV, também na GDE houve uma debandada de criminosos que resultou na existência de Neutros nos territórios que atuavam. O primeiro foco de dissidência na facção cearense ocorreu no bairro Jangurussu.

Conforme o relatório técnico nº 21/2022 do Núcleo de Inteligência Policial (Nuip), do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), eram três os pivôs desse conflito: Felipe Bruno Nunes Pereira, o "Boladão", apontado como chefe da GDE que atuava em parte da comunidade do Lagamar; Ismário Wanderson Fernandes da Silva, o "Bacurau" e o "Argentino", apontado como chefe da GDE no Conjunto Jagatá, no Conjunto Palmeiras; e Aílton Maciel Lima, o "Véi", apontado como chefe da GDE em ruas dos conjuntos Maria Tomásia e José Euclides Ferreira Gomes, no Jangurussu.

A convivência com o medo faz parte da rotina das áreas onde criminosos das facções ditam as ordens(Foto: JANSEN LUCAS)
Foto: JANSEN LUCAS A convivência com o medo faz parte da rotina das áreas onde criminosos das facções ditam as ordens

Conforme O POVO mostrou em maio de 2022, o relatório do Nuip diz que o trio foi até o Rio de Janeiro firmar aliança com a facção carioca Terceiro Comando Puro (TCP). O pacto, porém, não teria tido a anuência da cúpula da GDE, o que fez com que o movimento fosse visto como "golpe de estado". “Por tal motivo, instalou-se um conflito interno, onde vários faccionados tiveram suas mortes decretadas, dando início a uma série de homicídios”, diz o relatório.

Somente em fevereiro de 2022, dez homicídios ocorridos nos bairros Jangurussu, Conjunto Palmeiras e São João do Tauape, em Fortaleza, tiveram relação com esse racha. Entre eles, estava a Chacina do Lagamar, que deixou quatro mortos — as vítimas seriam "meninos" de Felipe Nunes Pereira, conforme a investigação.

Os assassinatos prosseguiram ao longo do ano, com conflitos que levaram pânico aos moradores daquelas regiões. Mais uma vez, expulsões de moradores foram realizadas por facções neste ínterim: uma testemunha afirmou à Polícia Civil que, no Maria Tomásia, mais de 50 famílias foram expulsas sob suspeita de colaboração com a GDE.

Conforme Relatório nº 17/2023/ DRACO/DPJE/PCCE, datado do último mês de abril, estão sob influência da Massa os residenciais Maria Tomásia, Sítio São João e Santa Filomena, enquanto estão sob atuação da GDE Residencial José Euclides e Residencial Luiz Gonzaga, Patativa de Assaré e Aldemir Martins.

Além do Grande Jangurussu, a GDE também apresentou racha em Maracanaú (Região Metropolitana de Fortaleza). Neste município, o conflito ainda envolvia o homem que passou a ser apontado como o número 1 da GDE: Francisco Lucas da Silva Pereira, o Chico da Barra.

Quando ele foi preso, em março deste ano, o delegado Huggo Leonardo, da Draco, afirmou que o racha causado na GDE se devia ao fato de Chico da Barra determinar que traficantes menores teriam que tê-lo como principal fornecedor. Os valores, porém, passaram a ser considerados abusivos e Chico da Barra, autoritário.

Ameaças foram feitas por homem que se identificou como liderança da facção criminosa GDE [ foto feita em 27/02/2019](Foto: O POVO)
Foto: O POVO Ameaças foram feitas por homem que se identificou como liderança da facção criminosa GDE [ foto feita em 27/02/2019]

"As lideranças locais então passaram a se insurgir e várias decretaram a morte do Francisco Lucas, Chico da Barra, mesmo ele sendo o número 1 da organização criminosa", declarou. Deste conflito decorreram cerca de 20 homicídios em Maracanaú, estimou a Draco.

As prisões, porém, não fizeram com que a matança tivesse fim em Maracanaú, assim como em outros municípios, até mesmo no Interior. Em Itapipoca (Litoral Oeste do Estado), por exemplo, a guerra entre CV e Massa fez com que, em apenas quatro meses, 2023 tivesse quatro vezes mais homicídios que todo o ano de 2022.

Além de Jangurussu, Grande Messejana e Sapiranga, alguns dos territórios que registraram atuação da facção Massa Carcerária em Fortaleza são: Pirambu, Jardim das Oliveiras, Barreirão (Barroso), Gereba (Passaré), Vicente Pinzón e Cidade Jardim I (José Walter). Em 23 de maio último, foi registrado um triplo homicídio no condomínio Monte Líbano, localizado no bairro Mondubim. As investigações mostraram que o crime também foi motivado por conta de uma disputa interna na GDE que atua no bairro Planalto Ayrton Senna, vizinho ao Monte Líbano.

 

 

Uma nova debandada na GDE

Em meados de junho de 2023, uma nova leva de dissidentes da GDE foi registrada. Como O POVO mostrou em matéria no último dia 24 de junho, algumas das regiões mais atingidas pelo conflito são Maracanaú, Caucaia, Pici, Jangurussu e Conjunto Palmeiras.

“Entre os episódios mais graves, o funcionamento de uma escola e um posto de saúde no Conjunto Palmeiras, na última quarta-feira (21), foi afetado diretamente”, descreve a matéria assinada pelo repórter especial do O POVO Cláudio Ribeiro. “O expediente foi alterado e os pais buscaram os filhos antes do fim do horário letivo, com a tensão e a notícia espalhada entre os moradores”.

No Parque Leblon, em Caucaia, os criminosos chegaram a registrar em vídeo invasões feitas no bairro com o intuito de tomar o território dos rivais. Onze pessoas foram capturadas suspeitas de envolvimento no crime e um fuzil .556 foi apreendido.

Uma fonte ligada à SSPDS, que pediu para ter a identidade preservada, afirmou que parte dessa movimentação se deve à decisão do então “nº 1” da GDE em liberdade, Chico da Barra, de se tornar Massa. As principais áreas de atuação de Chico da Barra são Maracanaú e Barra do Ceará.

Armamento apreendido pela Polícia Militar no Parque Leblon, em Caucaia, quando 11 pessoas foram presas(Foto: DIVULGAÇÃO POLÍCIA MILITAR DO CEARÁ)
Foto: DIVULGAÇÃO POLÍCIA MILITAR DO CEARÁ Armamento apreendido pela Polícia Militar no Parque Leblon, em Caucaia, quando 11 pessoas foram presas

Já uma segunda fonte ligada à SSPDS, que também pediu para não ser identificada, detalha que mais rompimentos foram registrados na GDE por causa de uma suposta tentativa de homicídio contra uma liderança da facção recolhida a uma unidade prisional do Estado — em nota, a Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização (SAP) negou que qualquer evento dessa natureza tenha ocorrido.

Salves colhidos em redes sociais de criminosos monitorados pela Coordenadoria de Inteligência (Coin) da SSPDS apontam que diversas outras lideranças da GDE deixaram o grupo, fazendo com que a organização passasse a considerá-los traidores e os “decretasse”.

A fonte ouvida por O POVO ainda demonstra preocupação com a suposta aliança feita pela Massa com o PCC e o possível impacto no número de homicídios no Estado. Conforme diz, a facção paulista passou a fornecer cocaína para a cearense com o intuito de combater os rivais. “A Massa agora é uma filial do PCC no Ceará e o pessoal da GDE está vendo que ela está perdendo força, está rasgando a camisa e está indo para a Massa”. (Com informações de André Bloc)

 


Glossário de termos utilizados por faccionados

 

 

Guerra sem fim

Em duas temporadas lançadas entre 2020 e 2021, a o documentário seriado "Guerra Sem Fim" esmiuçou a atuação das facções criminosas no Ceará. São, ao todo, sete episódios exclusivos para o O POVO+, com direção de Demitri Túlio e Cinthia Medeiros.

Entre os pontos abordados estão o fim do pacto entre os grupos criminosos, no início de 2019 — fato que motivou uma onda de homicídios no Estado —, os tribunais do crime, as expulsões de moradores de comunidades e a origem da GDE, então nova força no contexto de violência urbana.

 

Assista aos episódios das duas temporadas de Guerra Sem Fim no OP+

O que você achou desse conteúdo?