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Antes e depois dos corpos enfileirados e das emoções em frangalhos
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Sou jornalista de formação. Tenho o privilégio de ter uma vida marcada pela leitura e pela escrita. Foi a única coisa que eu fiz na vida até o momento. Claro, além de criar meus três filhos. Trabalhei como repórter, editora de algumas áreas do O POVO, editei livros de literatura, fiz um mestrado em Literatura na Universidade Federal do Ceará (UFC). Sigo aprendendo sempre. É o que importa pra mim

Antes e depois dos corpos enfileirados e das emoções em frangalhos

Há uma semana, o Brasil acordava com uma imagem difícil de esquecer. Corpos enfileirados mostravam o resultado da operação policial que deixou 121 pessoas mortas no Rio de Janeiro. Desses, 117 tinham alguma ligação com o crime organizado, segundo fontes oficiais; quatro eram policiais
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A pedido dos familiares, os corpos de mortos durante operação policial no Rio de Janeiro foram expostos para registro da imprensa, e depois foram cobertos com lençóis (Foto: PABLO PORCIUNCULA / AFP)
Foto: PABLO PORCIUNCULA / AFP A pedido dos familiares, os corpos de mortos durante operação policial no Rio de Janeiro foram expostos para registro da imprensa, e depois foram cobertos com lençóis

Desde terça-feira passada, 28, quando o País começou a contar mortes em escala no Rio de Janeiro, mergulho em textos e acompanho as repercussões que a dicotomia esquerda versus direita alimenta, às vezes, de forma medonha.

De tudo que tenho lido, o que mais me chama atenção é o pouco caso que o impacto das imagens dos mortos enfileirados no chão, seminus, nos causa. Uma mistura de horror, incompreensão, desassossego. Ao todo, 117 criminosos abatidos e quatro policiais mortos na operação.

Dia após dia, nós que moramos em estados pressionados pelo crime organizado, convivemos com informações que revelam, em uma constância maior do que gostaríamos, uma sucessão de mortes, chacinas, gente expulsa de casa por criminosos, guerras de facções, extorsão a moradores por serviços básicos, silêncio imposto em troca da própria vida, medo.

Na última segunda-feira, 3, O POVO trouxe matéria sobre os bairros da Grande Fortaleza que registraram ocorrências de expulsões de moradores. Só em Fortaleza, foram 143 casos numa cobertura que cobre de uma a outra da cidade: na lista figura o Planalto Airton Sena, e também a Varjota; Messejana e Bairro de Fátima; Cidade dos Funcionários e Coaçu. De acordo com o relatório usado na informação publicada pelo jornal, são 78 bairros na RMF com registros do crime.

A Operação Contenção, no Rio de Janeiro, recebeu autorização baseada em casos de tortura, punições e mortes contra moradores dos Complexos do Alemão e Penha por parte dos criminosos.

Então, por que para alguns de nós, mesmo sabendo de tudo isso, não nos sentimos aliviados em ver aquela imagem brutal de corpos enfileirados? Por que esperamos por um modelo de Estado, Polícia e Justiça que parece não mais corresponder as nossas expectativas? Por que chega a desconcertar a ideia de defender, em alguns grupos, que vários daqueles homens assassinados fossem presos, julgados e condenados?

Como explicar que uma ampla maioria do Rio de Janeiro seja favorável à operação que resultou em 121 mortos? Como achar razoável que, na hipótese de a pesquisa ser realizada em todo o País, o resultado poderia ser o mesmo ou até maior? Por que soa – pelo menos para mim – um tanto quanto estranho ver o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, aplaudido e cantando na missa no último fim de semana?

Tenho uma sensação inquietante de ter vivido uma espécie de terremoto no Brasil entre terça e quarta passadas, e que o projeto de Lei do Governo Lula aumentando as penas para o crime organizado significa algo quase pueril diante da guerra em que estamos envolvidos.

Pobre de nós que ainda temos dúvidas tão ingênuas diante da carnificina que irmanam criminosos e agentes da lei, com custos emocionais tão altos para o Brasil e para cada um de nós que ainda consegue sentir alguma coisa.

Foto do Regina Ribeiro

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