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Prevenir gravidezes não é uma questão de religião
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Sara Oliveira é repórter especial de Cidades do jornal O Povo há 10 anos, com mais de 15 anos de experiência na editoria de Cotidiano/Cidades nos cargos de repórter e editora. Pós-graduada em assessoria de comunicação, estudante de Pedagogia e interessadíssima em temas relacionados a políticas públicas. Uma mulher de 40 anos que teve a experiência de viver em Londres por dois anos, se tornou mãe do Léo (8) e do Cadu (5), e segue apaixonada por praia e pelas descobertas da vida materna e feminina em meio à tanta desigualdade.

Sara Oliveira cotidiano

Prevenir gravidezes não é uma questão de religião

Hospital negou colocar DIU em uma mulher por ser uma instituição católica e não realizar procedimentos contraceptivos
O DIU é um dos métodos contraceptivos mais seguros (Imagem: Alena Menshikova | Shutterstock)  (Foto: )
Foto: O DIU é um dos métodos contraceptivos mais seguros (Imagem: Alena Menshikova | Shutterstock)


Um dos hospitais mais conhecidos do Brasil - de muito acesso também no Ceará - surpreendeu ao informar, através de uma médica, que a sua paciente não poderia estar realizando um procedimento contraceptivo naquela unidade. O motivo alegado nada tem a ver com saúde coletiva, planejamento familiar, direitos humanos ou ética. Foi religioso.

Num País em que, por hora, nascem 44 bebês de mães adolescentes, me causa temor que uma unidade de saúde não possa colocar um DIU em uma mulher adulta - e cliente - por ser uma instituição "confessional católica (que) tem como diretriz não realizar procedimentos contraceptivos, em homens ou mulheres”.

A paciente a receber a notícia foi a comunicadora Leonor Macedo, 41, que expôs a situação em uma rede social. Assim como eu e tantas outras pessoas, ela contou que ficou “em choque”. Após o caso viralizar, o Hospital São Camilo em São Paulo entrou em contato com Leonor e, segundo ela, se justificou e afirmou que não era uma questão de gênero, já que os procedimentos contraceptivos não são realizados em homens e nem em mulheres, salvo em casos graves de saúde.

Essa situação também me chocou. Pensei no estado laico, no direito constitucional de não ser obrigado a acreditar em nenhuma fé, santo, Deus. Lembrei das palavras da experiente chefe da Divisão Médica da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), Zenilda Vieira Bruno, ao afirmar que é importante oferecer métodos contraceptivos de longa duração, enquanto constatávamos que das 1.913 estudantes grávidas em 2022 no Ceará, 601 delas tinham entre 15 e 19 anos e já estavam na segunda ou até terceira gestação.

Entrevistei a médica e na sequência saí da sala e fui conversar com uma adolescente que engravidou, segundo ela, porque o sobrinho de quem ela cuidava foi embora e ela queria cuidar de outra criança. Na consulta, ela estava acompanhada da mãe, que também engravidou na adolescência. A irmã que levou a criança embora, também. Os filhos cresceriam sem pai presente, de acordo com elas.

Gerações de mulheres que não tiveram educação e nem acesso a métodos contraceptivos que pudessem lhes mostrar o que de fato é ter um filho, suas consequências, direitos, deveres, contextos, maravilhas, dores e amores. E que pudessem lhe proteger de ser uma mãe solo enquanto fazem sexo com um homem que, por ser homem, não arcará com suas responsabilidades. Gerações de mulheres que carregarão a maternidade sozinhas, e que precisarão de ainda mais emprego, saúde, escola, segurança.

Estar em um País que vive essa realidade e se deparar com a impossibilidade de - mesmo que numa seara do serviço privado - de que mulheres, adultas, se prevenirem contra a gravidez por um motivo que não precisa interessar a nenhuma delas é assustador. Prevenir uma gravidez é exercer o direito à saúde, a escolher as construções familiares, a planejar como será um futuro mais igual e menos devastador. Não é sobre a fé que cada um pode - se quiser e acreditar - ter.

 


A advogada Lenir Santos respondeu algumas perguntas sobre o assunto. Ela é doutora em saúde coletiva, fundadora e presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa) e professora da Universidade de Campinas (Unicamp).


- Entre as várias questões que envolvem o caso, o que mais se destaca? Inconstitucionalidade, direitos humanos e liberdade profissional da medicina?

Lenir Santos - A saúde é um direito fundamental das pessoas que precisa ser atendido sob pena de omissão do serviço de saúde, seja público ou privado. Caso um ato médico possa ferir crenças do profissional é obrigação do serviço requerer que outro profissional o faça.


-Como o planejamento familiar está inserido no direito à saúde?

Lenir Santos - Um hospital não pode ter diretrizes religiosas que possam ferir o direito à saúde de seus usuários. O planejamento familiar é um direito da família, conforme dispõe a Constituição ser livre a decisão do casal, sendo vedada qualquer forma coercitiva das instituições públicas ou privadas quanto a esse direito.


-A religião pode superar o direito sanitário brasileiro?


Lenir Santos - A melhor frase é dê a Deus o que é de Deus e a César o que é de César. No Brasil o Estado é laico e as instituições educacionais, sanitárias, científicas etc não podem impor crenças religiosas a ninguém nem impedir o exercício do direito à saúde.

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