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Está grávida? Seu Apple Watch pode saber antes de você
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Vladimir Nunan é CEO da Eduvem, uma startup premiada com mais de 20 reconhecimentos nacionais e internacionais. Fora do mundo corporativo, é um apaixonado por esportes e desafios, dedicando-se ao triatlo e à busca contínua pela superação. Nesta coluna, escreve sobre tecnologia e suas diversidades

Vladimir Nunan tecnologia

Está grávida? Seu Apple Watch pode saber antes de você

Por meio do uso de inteligência artificial aplicada a dados coletados por Apple Watches e iPhones, foi possível prever o início de uma gravidez com 92% de precisão
Script usado: Pregnant woman, apple watch, Photography, Shot on 70mm, Depth of Field, --ar 16:9 --v 6.0 (Foto: Imagem gerada por Inteligência Artificial (script próprio): Midjourney)
Foto: Imagem gerada por Inteligência Artificial (script próprio): Midjourney Script usado: Pregnant woman, apple watch, Photography, Shot on 70mm, Depth of Field, --ar 16:9 --v 6.0

Imagine descobrir que está grávida antes mesmo de perceber qualquer sintoma. Sem testes de farmácia, sem visitas ao consultório, sem desconfiança. Apenas com os dados silenciosos coletados por um dispositivo que você já usa todos os dias no pulso. Esse futuro não é mais hipotético. Ele já começou. E tem nome, tecnologia e endereço: Apple, inteligência artificial (IA) e Universidade de Cornell.

Pesquisadores do Cornell Tech e da Weill Cornell Medicine, com apoio da Apple, anunciaram recentemente um feito impressionante.

Por meio do uso de inteligência artificial aplicada a dados coletados por Apple Watches e iPhones, foi possível prever o início de uma gravidez com 92% de precisão. Em muitos casos, essa previsão ocorreu antes mesmo de a mulher suspeitar da própria condição.

O estudo analisou mais de 2,5 bilhões de horas de dados, incluindo sinais como frequência cardíaca, temperatura da pele, padrão de sono, respiração e mobilidade. O algoritmo, treinado com esse gigantesco volume de informações, aprendeu a reconhecer padrões sutis, mas consistentes, que acompanham a gestação.

O impacto não está apenas nos números. Essa taxa de acerto é impressionante, mas o que ela representa é ainda mais transformador. O resultado sinaliza a consolidação dos dispositivos vestíveis como ferramentas médicas, capazes de detectar alterações fisiológicas quase imperceptíveis, antecipar diagnósticos e transformar a maneira como cuidamos da nossa saúde.

A ciência por trás da descoberta

O estudo, publicado em junho de 2024, não se limitou à análise estatística de grandes volumes de dados. Utilizou redes neurais profundas para processar informações capturadas ao longo do tempo por sensores do Apple Watch, integrados ao iPhone. Mais de mil mulheres participaram da pesquisa, oferecendo seus dados de forma anônima e voluntária.

Ao acompanhar os ciclos menstruais, a ovulação e a transição para o início da gravidez, os pesquisadores conseguiram mapear alterações fisiológicas que ocorrem nas primeiras semanas após a concepção.

Essas mudanças incluem aumento da temperatura basal noturna, elevação da frequência cardíaca em repouso e alterações no padrão de respiração. O sono também se revelou um sinal importante. Diferenças na profundidade, na duração e no tempo de latência para adormecer foram observadas com frequência nos primeiros dias de gestação.

O modelo de inteligência artificial aprendeu a identificar essas microvariações e a correlacioná-las com a probabilidade de gravidez.

Ao unir ciência de dados, comportamento fisiológico e aprendizado de máquina, os cientistas conseguiram criar um modelo que antecipa diagnósticos com uma precisão inédita. E, o mais interessante, sem necessidade de testes invasivos ou coleta de amostras biológicas.

Da coleta à previsão: a evolução dos wearables

A Apple já investe em saúde há anos. Desde que lançou o Apple Watch, a empresa adicionou recursos que vão muito além do rastreamento de passos ou calorias.

Monitoramento de frequência cardíaca, detecção de quedas, controle de ciclos menstruais, alertas de ritmo cardíaco anormal e, mais recentemente, identificação de fibrilação atrial e distúrbios respiratórios durante o sono, já são funcionalidades ativas.

Com a gravidez, a tecnologia atinge um novo patamar. O corpo começa a mudar antes de o cérebro captar esses sinais como sintomas. Ao permitir uma detecção precoce, o dispositivo abre espaço para cuidados médicos mais rápidos, planejamento de consultas, início de suplementações necessárias e ajustes de rotina.

Essa evolução deixa claro que dispositivos vestíveis não são mais simples acessórios. Tornaram-se sensores clínicos. E, à medida que o poder de processamento e a sensibilidade dos sensores aumentam, seu papel como ferramentas de diagnóstico será ainda mais relevante.

O que vem a seguir: glicemia, saúde mental e além

Embora o algoritmo de detecção de gravidez ainda esteja em fase de pesquisa e não tenha sido liberado ao público, ele já aponta para uma série de avanços iminentes. Um dos mais aguardados é a medição não invasiva de glicose. A Apple está entre as empresas que trabalham nesse desenvolvimento, que promete revolucionar o tratamento de diabetes ao eliminar a necessidade de picadas diárias.

Além disso, estudos exploram a capacidade dos wearables de identificar sinais iniciais de depressão, ansiedade, distúrbios cognitivos e até doenças neurodegenerativas. A análise de voz, postura corporal, mobilidade, tempo de resposta e qualidade do sono são alguns dos parâmetros que poderão servir como indicadores clínicos.

Tudo isso só é possível graças à combinação entre sensores sofisticados, inteligência artificial e coleta contínua de dados comportamentais. Estamos nos aproximando de um cenário em que cada indivíduo carrega, no próprio corpo, um laboratório inteligente que monitora sua saúde em tempo real.

Privacidade, ética e desafios

Com grandes avanços, surgem grandes responsabilidades. O uso de dados fisiológicos para diagnósticos traz consigo preocupações legítimas. Quem terá acesso a essas informações? Como evitar abusos? Os dados serão usados apenas para fins clínicos, ou poderão ser explorados por planos de saúde, empregadores ou anunciantes?

A Apple mantém uma política pública de proteção de dados, afirmando que os dados de saúde são criptografados e processados localmente no dispositivo, sempre com consentimento explícito do usuário. No entanto, o crescimento do ecossistema de saúde digital requer uma vigilância constante.

Não se trata apenas de segurança da informação, mas também de representatividade nos dados utilizados para treinar os algoritmos.

Mulheres com condições médicas específicas, variações hormonais ou padrões atípicos de sono e mobilidade precisam estar representadas nos estudos, sob o risco de o algoritmo apresentar falhas ou reforçar desigualdades.

Impacto no atendimento médico

O avanço da inteligência artificial no diagnóstico de condições clínicas modifica a lógica da medicina tradicional. A relação entre médicos e pacientes passa a incluir um novo elemento: os dados gerados fora do consultório. Isso altera o momento da intervenção médica, que pode ocorrer antes do aparecimento de sintomas mais evidentes.

Essa transformação exige uma nova formação dos profissionais de saúde, com capacidade de interpretar gráficos, séries temporais e padrões de comportamento digital. Ao mesmo tempo, o paciente deixa de ser apenas receptor de cuidado e se torna agente ativo da própria jornada de saúde.

O médico continua essencial. Mas o foco da consulta se desloca para a análise dos sinais detectados antecipadamente, com base em evidências algorítmicas.

Desigualdade e inclusão digital

Um dos riscos desse progresso é a criação de um abismo ainda maior entre quem pode pagar por dispositivos avançados e quem depende exclusivamente do sistema público de saúde. A maioria dos smartwatches com sensores biométricos ainda está restrita a públicos de alta renda.

Isso significa que os benefícios do monitoramento contínuo, da detecção precoce e da personalização do cuidado ainda são privilégio de poucos.

Para que a revolução da saúde digital seja realmente transformadora, ela precisa ser inclusiva. Isso implica em políticas públicas de acesso à tecnologia, programas de doação, parcerias entre empresas de tecnologia e sistemas de saúde, além da inclusão desses dispositivos em planos de saúde coletivos.

Educar os usuários também é essencial. Interpretar dados de forma correta, entender alertas e não entrar em pânico com informações descontextualizadas é parte do letramento em saúde digital que precisamos fomentar.

O corpo como fonte de conhecimento

O que mais impressiona nesse avanço não é apenas o potencial técnico, mas o impacto subjetivo. A possibilidade de perceber o início de uma gestação por meio de dados passivos muda a relação das mulheres com o próprio corpo.

Pela primeira vez, não é o atraso menstrual, o enjoo ou o teste de farmácia que aponta para uma nova vida, mas sim uma análise comportamental de informações como respiração e sono.

Isso representa um empoderamento silencioso, mas profundo. É o corpo sendo escutado em tempo real. É a ciência traduzindo sinais que, até então, passavam despercebidos.

Conclusão: o relógio que escuta o corpo

O estudo da Universidade de Cornell, com apoio da Apple, inaugura uma nova era na medicina preditiva. Não se trata apenas de prever uma gestação. Trata-se de escutar o corpo como nunca antes. Trata-se de transformar um relógio em uma ferramenta clínica de ponta, que antecipa diagnósticos e permite cuidados mais humanos e eficazes.

O caminho ainda é longo. Será preciso melhorar os algoritmos, ampliar a base de dados, testar em grupos diversos e reduzir os custos de acesso. Mas o futuro já está traçado. E ele está cada vez mais próximo da palma da mão. Ou melhor, do pulso.

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