Um dos grupos de risco para uma forma mais grave da Covid-19, com evolução para óbito, pessoas com 60 anos ou mais viram suas rotinas serem modificadas radicalmente nos últimos meses. Elas foram impossibilitadas de ver filhos, netos e amigos presencialmente e de realizar atividades cotidianas fora de casa. Apesar das mudanças serem para a proteção contra a nova doença, existe também a preocupação com o impacto na saúde mental a partir dessas medidas.
O isolamento social é um conhecido fator que pode levar idosos a desenvolverem depressão e ansiedade ou, em casos de pacientes já diagnosticados, ocasionar episódios das doenças. No contexto da pandemia, os principais afetados serão aqueles em que o convívio social se dá principalmente em mercados, igrejas ou outros espaços, segundo Camila Herculano, psiquiatra do Hospital Universitário Walter Cantídio, da Universidade Federal do Ceará (HUWC/UFC), e membro da diretoria da Sociedade Cearense de Psiquiatria (Socep).
Leia a série "Alerta para a saúde mental" completa:
Sintomas de ansiedade e depressão aumentam na pandemia
Desafios que esperam o País na assistência à saúde mental
A relação com a própria saúde mental
Aumento do uso de álcool, cigarro e outras drogas na pandemia preocupa
A resistência ao uso da tecnologia por parte de alguns deles para chamadas de vídeo com familiares ou profissionais de saúde também teve peso para esse distanciamento durante a pandemia. “Eu mesma tive alguns pacientes que ficaram afastados dos atendimentos por conta disso: o presencial era uma impossibilidade, e o online não era algo bem visto por eles”, exemplifica Fernanda Marinho, psicóloga clínica especialista em saúde do idoso e sócia-diretora do Instituto Empathie.
Apesar de ter percebido piora na maioria dos pacientes que já apresentavam sintomas antes da pandemia, a psicóloga aponta que se deve levar em consideração todo o contexto de cada pessoa. "Surpreendentemente”, alguns pacientes melhoraram. “(Eles) ficaram confinados com algumas pessoas em casa, e isso trouxe uma convivência maior”, exemplifica.
A população com 60 anos ou mais no Brasil também passou de 25,4 milhões em 2012 para 30,2 milhões em 2017. Foi um aumento de 4,8 milhões novos idosos em cinco anos, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Características dos Moradores e Domicílios (PNAD Contínua), também do IBGE. A projeção do Instituto é que um em cada quatro brasileiros tenha mais de 65 anos em 2060.
O envelhecer, porém, é um tabu em uma sociedade que nega esse processo e não o encara como natural. “Em nossa cultura, a velhice está mais relacionada a inadequação aos padrões de beleza e perda da vitalidade e menos aos aspectos positivos de experiência e sabedoria”, aponta a psiquiatra Camila Herculano.
O sintoma depressivo também pode surgir por uma resistência às mudanças exigidas pelas perdas — que a pandemia também intensificou. “É próprio da perda precisarmos de flexibilidade, de criatividade para lidar com mudanças”, afirma a psicóloga Fernanda Marinho. A saída dos filhos de casa e a aposentadoria representam algumas dessas perdas, assim como a morte de cônjuges e amigos.
Após a morte do cônjuge, por exemplo, quem ficou pode passar a ser demandado por atividades que antes não realizava. É nesse contexto que a flexibilidade para lidar com mudanças é necessária. Porém, a recuperação de idosos, no processo do luto, pode ser mais difícil, acrescenta a psiquiatra e psicoterapeuta Elisabeth Sene-Costa, membro do conselho científico da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata). “Os familiares têm que ficar atentos para que esse luto não se estenda demais”, afirma.
Há ainda uma série de mudanças biológicas no envelhecimento que podem levar à predisposição a transtornos mentais. A psiquiatra Camila Herculano aponta as alterações cerebrais (atrofia e redução do fluxo sanguíneo e da oxigenação cerebrais), hormonais (queda dos níveis de estrogênio nas mulheres e de testosterona nos homens) e sensoriais (perdas auditiva, visual, gustativa, olfativa), além das próprias limitações físicas.
Os tabus
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em quase todas as regiões do mundo as taxas de suicídio são mais elevadas entre pessoas de 70 anos ou mais, tanto entre homens quanto entre mulheres. Estudo publicado em março deste ano na revista Mais 60 - Estudos sobre envelhecimento, do Serviço Social do Comércio de São Paulo (Sesc SP), analisou os dados de suicídio entre pessoas com 60 anos ou mais no Brasil de 2007 a 2017 e destaca o aumento dos casos entre índios e negros.
Por ser um tabu, quando a vítima de suicídio é um idoso, normalmente o assunto é tratado de forma velada. Diz-se que foi um acidente ou por conta da idade. Isso tem reflexo inclusive nas estatísticas — que, segundo a psicóloga Fernanda Marinho, não correspondem à realidade. Ela explica ainda que o suicídio de idosos, em geral, é praticado de forma menos violenta e “não choca tanto”, por isso é pouco abordado.