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A revolução do varejo nas trilhas do mercado digital
Reportagem Seriada

A revolução do varejo nas trilhas do mercado digital

Em um cenário com condições de mercado tão adversas, como a de uma pandemia, varejistas têm buscado na tecnologia soluções para sobreviver e se mostrarem cada vez mais relevantes ao consumidor
Episódio 1

A revolução do varejo nas trilhas do mercado digital

Em um cenário com condições de mercado tão adversas, como a de uma pandemia, varejistas têm buscado na tecnologia soluções para sobreviver e se mostrarem cada vez mais relevantes ao consumidor
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O impacto de um ano de pandemia está nos indicadores econômicos, na ocupação dos hospitais, no dia a dia das famílias que perderam renda e emprego, na dor de quem perdeu um ente querido para Covid-19. Mas, apesar de todo cenário adverso, a pandemia também demarcou de maneira muito forte uma transição do varejo no Brasil que estava prevista para acontecer de forma mais forte apenas alguns anos adiante: o da digitalização ampla dos negócios.

Em meio às restrições de funcionamento das cidades, o comércio vem encontrando caminhos de sobreviver e se reinventar. Aplicativos de entrega, delivery, meios de pagamento digitais, o processo de compra feito todo pelas redes sociais ou pelo WhatsApp se popularizaram de tal modo que hoje é até difícil lembrar que há dois anos esta não era a regra. Era diferencial de quem queria se destacar no seu ramo de negócio.

Em 2020, somente no primeiro semestre, o faturamento do mercado digital chegou a R$ 38,8 bilhões, segundo dados da 42ª edição do Webshoppers, o mais amplo relatório sobre e-commerce do País elaborado semestralmente pela Ebit|Nielsen, em parceria com a Elo. Alta de 47% em relação ao mesmo período do ano anterior e o maior crescimento em 20 anos.

 

E mais do que simplesmente passar a anunciar ou vender online, varejistas e consumidores estão aprendendo nesta crise o quão frágil era aquela dicotomia entre lojas físicas versus lojas digitais, explica o consultor empresarial e professor da Faculdade CDL, Christian Avesque.

Movimentação no sábado que seria de Carnaval no Centro de Fortaleza(Foto: Barbara Moira)
Foto: Barbara Moira Movimentação no sábado que seria de Carnaval no Centro de Fortaleza

"Aquilo que o digital ia acabar com a loja física, já era. O grande aprendizado desta pandemia foi a consolidação da multicanalidade. O consumidor aprendeu a fazer uma jornada híbrida para as compras."

Ele explica que é cada vez mais comum, por exemplo, o consumidor pesquisar, escolher e comprar no ambiente digital para retirar o produto em loja. Ou ir até uma loja física e comprar um produto que não está disponível ali, mas no site. "Pode parecer clichê, mas toda essa conveniência e facilidade é um caminho sem volta."

Marca Homem do Sapato foca nas vendas online e oferece frete grátis para Fortaleza
Foto: Divulgação
Marca Homem do Sapato foca nas vendas online e oferece frete grátis para Fortaleza

multicanalidade cresceu 300% em janeiro, em relação ao mesmo mês do ano passado, aponta Christian Avesque. Ele ressalta que este não é um comportamento só das classes A e B. 

"Pesquisas já mostram que o WhatsApp é a principal ferramenta de venda das classes C e D. São empreendedores que não têm muitos recursos para montar uma loja virtual ou um site, mas conseguem usar o WhatsApp business para ofertar, lançar produtos, estabelecer como canal de atendimento ao cliente (SAC) ou fazer um catálogo de panfletos digitais a custo zero. Ou se associar a uma empresa maior para anunciar no marketplace dela."

O presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Fortaleza (CDL Fortaleza), Assis Cavalcante, explica que apesar de todas as facilidades tecnológicas, o momento ainda é de muita incerteza. As vendas, em fevereiro, mesmo abrindo nos dias que deveriam ser de Carnaval, ainda estão, em média, entre 25% e 30% abaixo do que era no mesmo mês do ano passado.

Assis Cavalcante, presidente CDL
Foto: CDL Fortaleza/Divulgação
Assis Cavalcante, presidente CDL

"As pessoas ainda têm medo de ficar inadimplentes e a vacina continua sendo a grande determinante para uma recuperação mais forte. Por isso, não dá para perder o olho do caixa, controlar estoque, usar tecnologia para melhorar os sistemas de gestão e segurar a empregabilidade o quanto puder."

E se o caminho que se desenha para o varejo é tecnológico, é esperado também um acirramento da concorrência. Inclusive, em níveis globais, explica a economista Luciana Duarte, da LD Consultoria.

Gigantes varejistas estão reforçando sua infraestrutura de logística, automação e inteligência de dados para dar suporte às suas estratégias de marketplace, plataforma mediada por uma empresa, na qual vários lojistas se inscrevem e vendem seus produtos.

No ano passado, por exemplo, grandes varejistas, como Amazon, Magazine Luiza e B2W (que gerencia marcas como Americanas.com, Submarino e Shoptime), anunciaram a construção ou inauguraram centros de distribuição (CDs) no Ceará. O objetivo é a partir do Estado pulverizar melhor a distribuição de produtos no Nordeste, reduzindo tempo de entrega e ampliando presença nos mercados locais.

Não é à toa. O comércio eletrônico no Nordeste, em 2020, cresceu em faturamento 107% no comparativo com 2019 e passou a representar 18% de importância nos números totais do País, conforme a 42ª edição do Webshoppers.

Este movimento, na avaliação de Luciana, exigirá cada vez mais das empresas, não importa o porte, um maior conhecimento de mercado. "Se um comércio local não tem como brigar em escala e preço com os grandes varejistas, ele pode focar a estratégia dele em relacionamento, em escolher um mix de produtos adequados, em agregar conteúdo, que possa fazer dele relevante para o mercado que ele atua e conhece como ninguém."

 

 

Ibyte: planejamento de dois anos implementado em nove meses

 

Ibyte no RioMar Fortaleza(Foto: Barbara Moira)
Foto: Barbara Moira Ibyte no RioMar Fortaleza

Na Ibyte, rede cearense de produtos eletrônicos, a digitalização de processos e serviços não é exatamente uma novidade. Já estava previsto para ser implementado ao longo do ano passado a nova plataforma de e-commerce. A empresa também oferecia o serviço de assistência técnica e fazia venda ativa por WhatsApp e por chat. Mas com a pandemia e as medidas de isolamento, que reduziram o fluxo dentro das lojas físicas, essas estratégias ganharam nova dimensão.

"Não podíamos deixar a peteca cair, então passamos a focar muito nisso. A gente já via como forte tendência, mas acreditávamos que isso só ia acontecer mais na frente. Por conta da pandemia, muita coisa foi acelerada. Uma estratégia que estava prevista para dois anos, fizemos no período de março a dezembro", explica o diretor de marketing, Nelson Gurgel.

A modalidade de comprar online e retirar na loja, por exemplo, saiu de uma modesta participação de 4% para 25% dos pedidos de e-commerce em 2020. O aluguel de equipamentos cresceu 75% em um ano.

A quantidade de downloads para o aplicativo do Ibyte Service, que oferece o serviço de assistência técnica delivery todos os dias da semana, aumentou 120% somente no período de março a dezembro.

"A pandemia ainda não acabou, não estamos em lockdown, mas o horário de funcionamento ainda não está como antes. Mesmo assim, um dos grandes aprendizados que podemos tirar deste período, foi a mudança de mentalidade, tanto do consumidor, como do colaborador em relação ao digital."

E isso deve se refletir no papel que as novas lojas devem assumir dentro da operação: espaços físicos mais compactos, mas que possibilitem ao consumidor uma experiência diferenciada de compra; tirar dúvidas com consultores; fazer pedidos no e-commerce ou contratar serviços. Dentro deste conceito de lojas figitais (físicos + digitais), os vendedores, quando não estão em atendimento presencial, estão voltados para o atendimento nos canais digitais.

"Não é mais um varejo físico que também vende online, acredito que estamos caminhando para ser um varejo digital que também tem loja. Buscando sempre estratégias para oferecer mais comodidade e melhor atender aquele consumidor em suas necessidades."

 

 

Mercadinhos São Luiz: inteligência de dados para otimizar operação e reduzir perdas

 

Self-checkout nos Mercadinhos São Luiz, na avenida Oliveira Paiva(Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Self-checkout nos Mercadinhos São Luiz, na avenida Oliveira Paiva

Quando se pensa em digitalização no Varejo, a primeira coisa que vem à mente das pessoas é o e-commerce. Mas não é só isso. Há no Brasil um forte movimento em curso, sobretudo, no segmento supermercadista, do uso da tecnologia em processos com o objetivo de aprimorar a gestão, reduzir custos, diminuir perdas e avarias. No Ceará, os Mercadinhos São Luiz é uma das redes que estão investindo em automação e inteligência de dados.

O serviço de self-checkout - aquele guichê, sem atendente, no qual o próprio cliente passa as compras e faz o pagamento - que antes da pandemia estava disponível em apenas três lojas, hoje é opção em 19 das 22 lojas da rede, explica o diretor de tecnologia do Mercadinhos São Luiz, Márcio Falcão.

"Na pandemia, por uma questão de reduzir o contato físico e o tempo da compra muitas, pessoas passaram a fazer uso do self checkout. O público está aprovando e se familiarizando com essas tecnologias. Em algumas lojas, chegamos a ter mais registros de compra do que em um checkout comum."

O pagamento por aproximação que no início do ano passado estava disponível em duas lojas, agora, está em todas as unidades. A rede está também finalizando os preparativos para, em breve, poder aceitar o Pix como modalidade de pagamento.

Menos visível ao público, mas essencial para garantir maior eficiência para a operação, está também a modernização dos sistemas de gestão. Foi o que possibilitou que, na pandemia, todos os setores, mesmo os que estavam funcionando de forma remota, trabalhassem de forma mais assertiva, explica Falcão.

Também foi acelerado o processo de robotização do estoque, por exemplo, para o setor de hortifruti, para evitar rupturas na cadeia de compra. Hoje a variedade e quantidade do que é oferecido em cada loja leva em conta os hábitos de compra naquele local. "Antes, ainda era um trabalho mais manual."

Com os investimentos, ele estima que a rede conseguiu um ganho de produtividade de 32%. "Isso é de grande importância dentro da operação, primeiro porque você evita que falte algum produto na gôndola. O que já traz um enorme benefício, porque o consumidor sabe que ali ele vai encontrar o que ele procura. Também evita desperdícios e possibilita maior precisão na análise dos dados."

 

 

UVMais: canais digitais como a guinada para os negócios

 

Wesley Benevides, da UVMais, com box no Centro Fashion(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Wesley Benevides, da UVMais, com box no Centro Fashion

Para o empresário Wesley Benevides, dono da UV Mais, marca especializada em roupas e acessórios com proteção solar, investir nos canais digitais não era apenas uma opção. Foi uma questão de sobrevivência.

"Logo quando começou a pandemia tivemos que parar completamente por 15 dias, de nem atender telefone. Foi um susto porque não somos uma empresa grande, mas que tem um monte de gente que dependia da gente: família, costureiras, cortador. Então precisávamos encontrar outros meios de continuar vendendo", explica.

Foi então que ele decidiu melhorar a forma como a marca se posicionava nos canais digitais. Se antes, postava fotos no Instagram de forma esporádica, hoje, o uso da ferramenta é diário, seja para lançar coleções, fechar vendas ou para atendimento ao cliente. Passou também a integrar a vitrine da Feira Digital, plataforma criada pelo Centro Fashion na pandemia.

Também deixou de fabricar algumas peças, cuja matéria-prima estava em falta ou com preços muito elevados.

Também passou a investir na parceria com entregadores para viabilizar o delivery. "A questão dos meios de pagamento também facilitou muito. Hoje a maior parte das minhas vendas é paga por meio do Pix", afirmou o empresário.

Histórias como a de Wesley que tiveram de passar por um forte processo de digitalização em pouco tempo são muito comuns entre os feirantes do Centro Fashion, explica o superintendente do empreendimento, Ivan Lucca.

Tanto é assim que o site da Feira Digital, implementada em abril do ano passado, já conta com mais de mil marcas anunciando, gratuitamente. Também contabilizou mais de 600 mil acessos no último trimestre. Hoje, mesmo com a abertura física das lojas, 60% das vendas se dão no ambiente digital.

"Tivemos um crescimento expressivo nas vendas online, principalmente, quando a gente fala na venda do atacado. Muitas cidades, e não só Fortaleza, estão com uma série de restrições de mobilidade, fora o medo que algumas pessoas têm de viajar neste período."

Ele acredita que, mesmo quando a pandemia passar, esses novos hábitos de compra devem perdurar. "Talvez não com a mesma intensidade, mas é definitivo. Estamos em um processo de transição de hábitos, onde as compras em lojas físicas vão ser muito mais assertivas. A pessoa já viu, pesquisou no digital, vem na loja física mais para experimentar ou conferir um detalhe ou outro do tecido."

 

 

 

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