Após quase dois anos da abertura do inquérito que apura possível esquema de "rachadinha" no gabinete do ex-deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), a pergunta "cadê o Queiroz?" foi finalmente respondida ontem.
Ex-assessor do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Fabrício Queiroz foi preso na casa de Frederick Wassef, que advogou para o "01" quando ele ainda integrava a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e se apresentava como consultor jurídico da família.
Suspeito de coagir servidores e de recolher parte de seus salários, o militar da reserva da PM fluminense estava abrigado na residência de Wassef em Atibaia (SP). De lá, foi levado para o Rio e conduzido até a penitenciária. Sua prisão, explicou o Ministério Público, justifica-se para evitar interferências nas investigações.
Outros mandados também foram cumpridos na Operação Anjo, autorizada pelo juiz Flávio Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio - o nome faz referência a Wassef, chamado assim pelos Bolsonaro quando obteve vitória no Supremo e conseguiu interromper provisoriamente os trabalhos da Polícia.
Entre as ações expedidas pela Justiça carioca, está a detenção de Márcia Oliveira de Aguiar, esposa de Queiroz, que permanecia foragida até a noite dessa quinta-feira.
Para analistas políticos, parlamentares e pesquisadores, o aparecimento de Queiroz neste momento tem efeito explosivo num cenário de grande instabilidade. Primeiro, deve ampliar a crise política na qual o presidente se vê envolvido, tornando-o ainda mais dependente de partidos do chamado "centrão". Devem aumentar ainda as tensões entre o presidente e o Judiciário, notadamente o Supremo Tribunal Federal (STF).
Doutor em Ciência Política e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Adriano Oliveira avalia que "o momento é delicado para o presidente" e que processos que tramitam devem ganhar celeridade.
"Bolsonaro está sofrendo um cerco no STF e no Congresso", disse. "Não é algo intencional, feito para tirar o presidente do cargo, mas motivado por duas questões", aponta. Segundo ele, "existem fatos que permitem que o Supremo aja", tais como as redes de disseminação de fake news e os atos antidemocráticos, organizados por apoiadores do chefe do Executivo.
Mas há também "o comportamento do presidente", que tem ensejado abertura de conflitos em muitas frentes, a exemplo da guerra que travava no Legislativo. Para ele, "Bolsonaro está encurralado, e vai ter que ceder".
A esses episódios, soma-se uma série de outros que marcaram a semana do presidente, como a prisão da militante extremista Sara Geromini, ainda na segunda-feira, 15.
Depois disso, o Planalto acumulou reveses, como a operação contra deputados bolsonaristas no dia seguinte, com quebra de sigilo fiscal solicitada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo.
Na quarta-feira, 17, o mesmo STF votou para manter o agora ex-ministro da Educação Abraham Weintraub no inquérito das fake news. E, finalmente, reconheceu a constitucionalidade da investigação, instaurada de ofício pelo presidente da Corte, Dias Toffoli.
A prisão de Queiroz coroa esses dias de pressão sobre o presidente. De acordo com Emanuel Freitas, cientista político da Universidade Estadual do Ceará (Uece), a ação da Polícia Civil e do MP do Rio que chegou ao paradeiro do ex-assessor é mais um desses fantasmas que Bolsonaro carrega desde antes das eleições e cuja aparição volta a assombrá-lo agora.
"Esse evento é mais um dos problemas de dentro do próprio núcleo. Aliás, todos os problemas do Bolsonaro até hoje são elementos da agenda de antes das eleições", destaca, referindo-se a Queiroz como desses "esqueletos no armário".
Questionado sobre as consequências políticas para Bolsonaro, o pesquisador é mais cético. "Pode causar uma certa fissura na base, mas nada que o comprometa", projeta. "Já vi muitas pessoas dizendo até que não votaram no Queiroz, mas no Bolsonaro"
Freitas assinala que há um efeito entre apoiadores e outro no restante da opinião pública e que, "fora da base, a prisão traz mais elementos para robustecer a crítica e as acusações contra o presidente".
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