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Minirreforma trabalhista permite contratação sem CLT e diminui acesso à Justiça
Economia

Minirreforma trabalhista permite contratação sem CLT e diminui acesso à Justiça

Medida provisória aprovada na Câmara segue para o Senado sob críticas de aumentar a precarização do trabalho no País
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Desemprego no Brasil recua para 10,5% no trimestre terminado em abril e atinge 11,3 milhões de brasileiros, revela IBGE (Foto: AGÊNCIA BRASIL)
Foto: AGÊNCIA BRASIL Desemprego no Brasil recua para 10,5% no trimestre terminado em abril e atinge 11,3 milhões de brasileiros, revela IBGE

Prevista, inicialmente, para ampliar e criar condições perenes para a manutenção do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda, o BEm, a Medida Provisória (MP) 1045/21 aprovada ontem, 12, na Câmara dos Deputados, foi transformada em uma minirreforma trabalhista ao ter incluído no texto projetos que permitem a contratação fora da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e reduzir o acesso à Justiça. Agora a matéria será enviada ao Senado.

O substitutivo aprovado, do deputado Christino Aureo (PP-RJ), foi o responsável por incluir vários outros temas no texto, como programas de primeiro emprego e de qualificação profissional, mudanças na CLT e definição de quem pode contar com gratuidade no acesso à Justiça.

As principais críticas de precarização do trabalho recaem sobre o chamado regime especial de trabalho, qualificação e inclusão produtiva (Requip). Destinado a quem está sem registro em carteira de trabalho há mais de dois anos, a jovens de 18 a 29 anos e beneficiários do Bolsa Família com renda mensal familiar de até dois salários mínimos, o programa prevê o pagamento de bônus pelo trabalho em jornadas semanais de até 22 horas (BIP) e de uma bolsa por participação em cursos de qualificação de 180 horas ao ano (BIQ).

 

O texto-base do relator também cria o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore), direcionado a jovens entre 18 e 29 anos, no caso de primeiro emprego com registro em carteira, e a pessoas com mais de 55 anos sem vínculo formal há mais de 12 meses.

Esse programa é semelhante ao Carteira Verde e Amarela, proposto com a MP 905/20, que perdeu a vigência sem ser votada. A remuneração máxima será de até dois salários mínimos, e o empregador poderá compensar com o repasse devido ao Sistema S até o valor correspondente a 11 horas de trabalho semanais por trabalhador com base no valor horário do salário mínimo.

Redução e suspensão de jornadas

Já sobre o foco inicial do texto, segundo a MP, o Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda garantirá o pagamento de uma parte do seguro-desemprego ao trabalhador que tiver o contrato suspenso ou o salário e a jornada reduzidos. Inicialmente, as regras serão por 120 dias contados da edição da medida provisória (28 de abril), mas poderão ser prorrogadas pelo Poder Executivo apenas para as gestantes.

O valor a receber dependerá de quanto for a redução. Se o acordo entre empregador e empregado for individual, sem participação do sindicato, a redução só poderá ser de 25%, 50% ou 70%, tanto do salário quanto da jornada de trabalho. Nessa situação, se houver redução de 50%, o trabalhador terá direito a 50% do salário e a 50% do seguro-desemprego por mês. Como o seguro é calculado sobre a média dos salários, o valor não chega a ser o mesmo que o reduzido.

A MP permite a redução de salário e jornada com percentuais diferentes por acordo coletivo, mas isso pode ser desvantajoso para o trabalhador. Se o acordo coletivo previr redução menor que 25%, o empregado não recebe nada do governo.

Só poderão ser beneficiados os contratos já existentes quando a MP foi editada e, desta vez, ao contrário da primeira edição (Lei 14.020/20), os trabalhadores com contratos intermitentes não poderão receber o benefício.

Ao participar do programa, o trabalhador terá uma garantia provisória contra demissão sem justa causa durante esse período e, depois do fim da redução ou suspensão do contrato, por tempo igual ao que passou recebendo o benefício. (Com Agência Câmara)

Principais projetos da MP

Priore

Voltado a jovens entre 18 e 29 anos, no caso de primeiro emprego com registro em carteira, e a pessoas com mais de 55 anos sem vínculo formal há mais de 12 meses.

A remuneração máxima será de até dois salários mínimos, e o empregador poderá compensar com o repasse devido ao Sistema S até o valor correspondente a 11 horas de trabalho semanais por trabalhador com base no valor horário do salário mínimo.

No total, a empresa poderá descontar até 15% das contribuições devidas ao sistema de aprendizagem (Sesi, Senai, Senac e outros).

Requip

Destinado a quem está sem registro em carteira de trabalho há mais de dois anos, jovens de 18 a 29 anos e beneficiários do Bolsa Família com renda mensal familiar de até dois salários mínimos, o programa prevê o pagamento de bônus pelo trabalho em jornadas semanais de até 22 horas (BIP) e de uma bolsa por participação em cursos de qualificação de 180 horas ao ano (BIQ).

Da mesma forma que no Priore, o Bônus de Inclusão Produtiva (BIP) poderá ser compensado pelo empregador com os valores devidos ao Sistema S, limitado a 11 horas semanais com base no valor horário do salário mínimo (R$ 5,00). No mês, o BIP máximo a compensar seria de R$ 225,00 (44 horas vezes R$ 5,00 por hora).

Essa relação de trabalho/qualificação não será considerada para qualquer fim trabalhista, previdenciário ou fiscal, assim o beneficiário não contará com qualquer direito trabalhista porque o bônus e a bolsa são considerados indenização. Sobre esses valores não haverá descontos para o INSS ou de Imposto de Renda.

Além de considerar a relação como não trabalhista, a MP permite ao ofertante da vaga de inclusão produtiva descontar o BIQ da base de cálculo do IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para as empresas tributadas pelo lucro real.

O Requip não proíbe, entretanto, que o trabalhador tenha um vínculo de emprego com outra empresa ou preste serviços como autônomo.

Justiça gratuita

Há, no texto, limitação do acesso à Justiça gratuita apenas para aqueles que tenham renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo ou renda familiar mensal de até três salários mínimos.

A declaração da pessoa não bastará, devendo o interessado provar essa condição por meio de comprovante de habilitação no CadÚnico do governo federal para programas sociais.

Caso ele perca a causa, deverá pagar os honorários do advogado da parte vencedora se tiver obtido créditos suficientes ao vencer outra causa dentro de cinco anos.

Gestantes

Quando a gestante entrar em licença-maternidade, o empregador deverá informar o fato ao Ministério da Economia, suspender as regras do programa de redução ou suspensão salarial e de jornada e pagar o salário com base no que ela recebia antes de entrar no programa. As regras preveem o pagamento pelo empregador e o desconto do valor do INSS a recolher dos demais empregados da folha de pagamento.

Fonte: Agência Câmara de Notícias

 

DANIEL SCARANO, vice-presidente da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará (OAB-CE)
DANIEL SCARANO, vice-presidente da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará (OAB-CE)

MP traz insegurança jurídica e afeta camadas mais frágeis

Foi uma surpresa para todo mundo. Aproveitaram um momento de prorrogação de um benefício, porque o BEm não cabe interpretação porque foi benéfico à população e à economia, para passar várias alterações e possibilidades de alteração em recursos trabalhistas.

Essa Medida Provisória causa uma insegurança trabalhista porque a população majoritariamente tem a fonte de renda organizada pela CLT, pois a maior parte das pessoas tem esse vínculo formalizado e trabalho. Então, uma ação que ataca esse volume tão grande de trabalhadores precisa ser estudada, pensada, divulgada até que seja votada.

Fica muito evidente a manobra política para aprovação desses termos. A gente fica inseguro sobre o futuro do projeto, porque não contávamos que a Câmara aprovasse tal texto sem prévia discussão e divulgação.

Isso tudo é preocupante. Esse emendado na legislação sempre oferece muito risco e traz insegurança jurídica. A gente tem uma relação de trabalho hoje que não sabe se vai estar amanhã ou depois. E nada vem sendo mostrado dos resultados. É uma pena porque isso repercute entre as camadas mais frágeis, nos trabalhadores que recebem entre 1 e 2 salários, e até agora não conseguimos colher as repercussões positivas que foram alegadas na aprovação de reformas como essa.

Daniel Scarano

Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/CE

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