Sancionada em julho de 1991, pelo então presidente Fernando Collor de Melo, a lei 8.213, conhecida como “lei de cotas”, que destina vagas em empresas com mais de 100 funcionários para pessoas com deficiência (pcd), completa três décadas de vigência em 2021 sem cumprir integralmente seu objetivo e sob ataque de parlamentares e setores contrários à legislação.
Para o professor Romeu Sassaki, um dos principais escritores e pesquisadores sobre acessibilidade e inclusão das pessoas com deficiência no Brasil, a lei de cotas sofreu forte resistência em seus primeiros oito anos de vida. Isso porque quase ninguém da área de colocação laboral de pessoas com deficiência ficou sabendo da existência da lei.
A regulamentação aconteceu em 1999, quando foram publicados os Decretos Nº 3.048 e 3.298. Além desses decretos, o Governo Federal publicou, em 2001, a Instrução Normativa 20, que "dispõe sobre procedimentos a serem adotados pela Fiscalização do Trabalho no exercício da atividade de fiscalização do trabalho das pessoas com deficiência”.
"De 1999 aos dias de hoje, graças à incansável ação dos auditores-fiscais do Trabalho, uma enorme quantidade de empresas com 100 ou mais empregados passou a cumprir a Lei de Cotas,” afirma Sassaki.
No entanto, mesmo com o avanço da legislação, pessoas com deficiência encontram dificuldades para ingressarem no mercado de trabalho. De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2018, cerca de 440 mil pessoas com deficiência ocupam postos formais de trabalho, mas outras 400 mil vagas estão abertas.
Esse número, porém, é muito baixo, comparando com dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, que identificou mais de 45 milhões de brasileiros com alguma deficiência.
Uma pesquisa realizada pela Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, que ouviu 8.485 pessoas com deficiência entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, mostrou uma alta inaplicabilidade da lei de cotas.
Conforme a pesquisa, 15,29% dos entrevistados de 18 a 64 anos de idade nunca ingressaram no mercado de trabalho. Desses, 49,04 acreditam que foi por falta de oportunidade. Dos que conseguiram emprego, 65,93% afirmaram ter enfrentado dificuldades para entrar no mercado de trabalho.
Ainda conforme a pesquisa, 19.99% dos entrevistados acredita que o empregador olhou em primeiro lugar para a deficiência e não as habilidades. Outros 19.18% responderam que percebem que as empresas não oferecem plano de carreira para profissionais com deficiência.
Mesmo com tanta adversidade, Sassaki aponta pontos positivos na legislação. "Como ponto positivo principal da Lei destaca-se a sua força conscientizadora e sensibilizadora que convenceu uma minoria dentre os cerca de 19,2 milhões de empresas de todos os portes, dos quais cerca de 561 mil só no Estado do Ceará, segundo a Receita Federal do Brasil”.
Para Beto Pereira, presidente da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB), a lei de cotas é uma conquista pós-Constituição de 1988, mas que só veio a ser efetivada no início dos anos 2000. “No entanto, muitas empresas ainda contratam pessoas com deficiência apenas para cumprir a legislação sem, contudo, algum planejamento ou plano de carreiras, oportunidade que deve ser dada a qualquer profissional da empresa,” analisa.
Beto acredita que, para haver a inclusão total de uma pessoa com deficiência dentro da empresa, é necessário o envolvimento de todos os setores, principalmente o de recursos humanos. “É preciso entender que mesmo existindo a lei, contratar uma pessoa com deficiência perpassa a obrigação. É preciso dialogar com a diversidade humana, pois hoje em dia a sociedade busca empresas mais inclusivas e responsáveis,” afirma.
Para Jarbas Trindade, advogado e assessor jurídico e direitos humanos da ONCB, a lei de cotas oportunizou a inserção, mas isso não é o suficiente para garantir a inclusão desse público. “Faltam programas de capacitação desses profissionais dentro das empresas. Falta também alguma campanha que incentive a contratação desses profissionais, bem como a adaptação das empresas, disponibilizando, por exemplo, um mobiliário com desenho universal”.
Outro ponto que dificulta é o capacitismo, quando os gestores não acreditam no potencial daquele profissional, associando-o à deficiência.
Bastidores da reportagem
Produzir uma matéria sobre os 30 anos da lei de cotas foi, ao mesmo tempo, gratificante e de entristecer. Eu que sou cego, sei a importância que essa lei tem para a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
A parte gratificante foi saber que muitas empresas já estão vendo a lei de cotas como um avanço e, inclusive, projetam contratar mais profissionais que os exigidos por lei. A parte que me deixou bastante triste foi saber que, na outra extremidade, muitas empresas ainda não conseguem ver o potencial das pessoas com deficiência. Também foi lamentável, para dizer o mínimo, o fato de 73 mil pessoas com deficiência terem perdido o emprego em 2020, mesmo com legislação proibindo expressamente que isso acontecesse.
Espero que essa realidade mude o quanto antes, e que as empresas entendam, de uma vez por todas, que contratar pessoas com deficiência não é algo de outro mundo e que esses profissionais podem ser tão bons quanto os outros. Espero também que as empresas coloquem essas pessoas em cargos de liderança, mostrando assim que estão fazendo inclusão da forma correta.
Carlos Vianna é jornalista do O POVO
Avanço
A lei 14.133, sancionada em abril, torna obrigatória a contratação de profissionais com deficiência por empresas que prestam serviços de terceirização