O governador Elmano de Freitas (PT) só deve ser recebido pelas lideranças das comunidades vizinhas à jazida de Itataia, em Santa Quitéria, se assinar o que o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) chamou de memorando de entendimento popular.
O POVO teve acesso ao documento, que foi protocolado na Casa Civil e traz demandas daqueles que são contra a exploração de urânio e fosfato no Ceará.
A insatisfação do MAM diz respeito à renovação, por Elmano, do memorando de entendimento com o Consórcio Santa Quitéria - composto pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a Galvani Fertilizantes - no qual renova o estímulo à exploração na região.
Um compromisso assumido pelo governador em maio quando recebeu representantes do MAM, segundo traz o texto do memorando popular, diz que o apoio do Estado do Ceará só seria dado ao projeto no caso de um parecer favorável por parte do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama).
Como o Ibama ainda não se manifestou, os representantes dos movimentos encararam o apoio como quebra da promessa.
"O convite para que Vossa Excelência venha ao nosso território beber da água que bebemos, comer da comida que produzimos, respirar o ar que respiramos segue de pé. Lhe receberemos em nossos braços com a característica hospitalidade do povo cearense, mas em razão da sua atitude, condicionado a anulação do Memorando de Entendimento assinado com o capital e a assinatura deste Memorando de Entendimento Popular”, diz o documento direcionado ao governador.
A jazida de Itataia, hoje, é a maior reserva de urânio do Brasil. O minério está associado ao fosfato.
O projeto do Consórcio prevê a dissociação dos dois para a fabricação de alimentação animal e fertilizantes para o agronegócio, a partir do fosfato, e o chamado yelow cake, pastilhas de urânio prontas para beneficiamento no Exterior.
Em análise pelo Ibama pela terceira vez, o projeto de exploração prevê 20 anos de atividade, a partir de um investimento de R$ 2,3 bilhões e a geração de 2,8 mil empregos.
O apoio à exploração, inclusive, foi assegurado por Artur Bruno, assessor de Assuntos Municipais do governo cearense, à colunista Beatriz Cavalcante.
Cancelar esse apoio é a principal demanda do MAM, mas outras condições são feitas no documento protocolado na Casa Civil e que representam a vontade de 153 famílias dos assentamentos e comunidades Morrinhos, Queimadas, Taperas, Alegre Tatajuba e Trapiá.
Concentrados em oito eixos, os pedidos envolvem desde um estudo aprofundado sobre os casos de câncer e o amparo aos doentes até a finalização das obras da escola modelo no Assentamento Alegre Tatajuba, "cuja assinatura do contrato, ordem de serviço e início da execução ocorreram em maio de 2014 com valor total contratado de R$1.015.335,34 e cujo percentual de execução da obra chegou a apenas 56,56% desde então".
Apoio na inserção de produtores rurais e mulheres do campo em programas federais e estaduais também fazem parte do documento apresentado.
Porém, os pontos sensíveis envolvem promessas só efetivadas após a assinatura da segunda versão do memorando de entendimento com as empresas, feita pelo ex-governador Camilo Santana (PT) - hoje, senador licenciado e ministro da Educação.
No texto, o MAM pede "que seja ampliado o acesso à água com a garantia da implantação de cisternas de placa para consumo humano, cisternas de produção, poços profundos, revitalização e ampliação dos açudes de Morrinhos, Queimadas e sistemas de adutoras comunitárias para a totalidade do universo de famílias demandantes Taperas, Alegre Tatajuba e Trapiá".
A demanda é embasada, diz o documento, por levantamento realizado pelo MAM em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Estado do Ceará e expõe a promessa na "qual o governo se compromete a viabilizar o fornecimento de 855.000 litros/hora através de adutora proveniente do Açude Edson Queiroz" para atender o projeto de mineração.
Mais um ponto que expõe o memorando diz respeito à rodovia CE-366, que conecta o distrito de Lagoa do Mato, próximo à mina, ao centro de Santa Quitéria até o fim de 2024. O trecho é carroçável, sem iluminação e a pavimentação dele é uma demanda da cidade há décadas.
Entre os benefícios para a exploração, o Estado promete pavimentar outro trecho, que conecta a mina à cidade de Itatira. Por ser mais próximo do ponto de exploração, essa parte agilizaria a chegada dos caminhões com cargas nas rodovias principais rumo aos portos do Pecém e de Fortaleza.
O movimento Articulação Antinuclear Ceará também divulgou em suas redes sociais carta pública endereçada ao governador Elmano de Freitas. No texto, criticam a assinatura do memorando de entendimento com o consórcio Santa Quitéria e chamam atenção para os riscos do projeto.
"Já temos muitos casos de câncer aqui na região, e quanto mais perto da mina, com a mexida que a INB começou a fazer lá desde 1976, mais mortos. Construir hospitais oncológicos, como vocês já estão fazendo em Limoeiro do Norte, por exemplo, por causa dos cânceres dos venenos, não é resposta: não queremos ter direito a tratar do câncer, queremos – e temos! - o direito de não ser expostos a coisas
que causam câncer", afirmam no documento.
Procurado pelo O POVO, o governo do Estado nem confirmou se recebeu o documento protocolado na Casa Civil nem deu resposta sobre o que o governador Elmano de Freitas vai fazer após a exigência do MAM.
Já o Consórcio Santa Quitéria, por meio de nota, informou que não irá aumentar o número de casos de câncer na região com a operação do Projeto, nem contaminará a água, ar, solo nem as lavouras ou
criações de animais da região. "Os níveis de radiação durante a operação do empreendimento não serão prejudiciais à saúde dos trabalhadores e nem das populações locais, uma vez que as doses que possam ser potencialmente geradas, além de estarem bem abaixo dos legais, serão monitoradas e controladas para que permaneçam dentro dos rígidos limites estabelecidos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN)."
O projeto encontra-se em fase de licenciamento ambiental e nuclear junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama e à Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN, respectivamente. Para a obtenção da Licença Prévia (LP), estão sendo realizados estudos complementares ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) , conforme solicitação do IBAMA. Os estudos devem ser entregues ao Instituto até o final de novembro de 2023.
Em relação ao licenciamento nuclear, o Projeto Santa Quitéria relembra que obteve um
importante avanço em setembro: a CNEN concedeu a autorização para a Instalação Mineroindustrial, onde serão realizadas a lavra e a produção de fosfatados.
"Esta autorização validou o cumprimento dos requisitos de segurança e proteção radiológica para as instalações mineroindustriais e tem validade de cinco anos. Vale ressaltar que a autorização para a Instalação Mineroindustrial é uma das etapas do rito legal de licenciamento na CNEN, que ocorre em dois processos: este, da Instalação mineroindustrial, é em fase única; o segundo se refere à instalação nuclear e segue em andamento, compreendendo três etapas."
A empresa diz ainda que, quando estiver em operação, o projeto tornará o Ceará protagonista na produção nacional de fertilizantes. Ao todo, anualmente, serão produzidos cerca de 1,05 milhão de toneladas de adubos fosfatados para a agricultura e 220 mil toneladas de fosfato bicálcico, destinados para alimentação de animais, o que representa 99,8% da produção.
"O Projeto vai gerar ainda mais emprego, renda e melhorar a qualidade de vida das pessoas na região. São mais de R$ 2,3 bilhões em investimentos e cerca 2.800 empregos diretos e indiretos na fase de operação. Com mais emprego, a massa salarial da região, que inclui os municípios de Santa Quitéria, Itatira, Canindé e Madalena, vai chegar a R$ 390 milhões. Com isso, o PIB vai crescer: em Santa Quitéria, será 10 vezes maior que o atual (de R$500 milhões para R$ 5,4 bilhões) e o da região será 4 vezes
maior (de R$ 1,6 bi para R$ 6,4 bilhões)."
"Com o projeto, o Governo do Ceará também se comprometeu, por meio do memorando de intenções já assinado, a trazer ainda mais infraestrutura para região, incluindo estradas, rede elétrica e uma adutora que abastecerá as comunidades de Morrinhos, Queimadas e Riacho das Pedras, levando água encanada para essas regiões."