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Após minimizar pandemia, Bolsonaro contrai Covid-19
Politica

Após minimizar pandemia, Bolsonaro contrai Covid-19

Contudo, presidente, que esteve no Ceará há 12 dias, volta a ignorar protocolos ao anunciar teste positivo e a insistir na defesa do uso da hidroxicloroquina
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O presidente está se tratando desde o último dia 7 de julho, quando teve a confirmação da doença (Foto: Reprodução / TV BRASIL)
Foto: Reprodução / TV BRASIL O presidente está se tratando desde o último dia 7 de julho, quando teve a confirmação da doença

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) informou ontem que contraiu a Covid-19. Divulgado pelo Planalto, o exame foi feito anteontem, sem usar codinome para identificação do laudo, ao contrário de outras três vezes em que ele recorreu a pseudônimos na hora da coleta. O resultado positivo do chefe do Executivo ganhou repercussão internacional e obrigou a cúpula do governo a também fazer novos testes.

Pelo menos 13 ministros que se encontraram com o presidente ao longo dos últimos dias fizeram exames de Covid-19, entre eles Paulo Guedes (Economia), Braga Netto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Jorge Oliveira (Secretaria Geral), André Mendonça (Justiça), Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Roberto Campos Neto (Banco Central).

Nos últimos dias, Bolsonaro teve contato com pelo menos 55 pessoas, entre políticos, empresários e autoridades. Em alguns desses encontros, o presidente não usou máscaras e apertou as mãos ou abraçou alguns dos seus interlocutores.

EM PENAFORTE, 12 dias atrás, Bolsonaro tirou máscara algumas vezes no meio da multidão
Foto: JL ROSA
EM PENAFORTE, 12 dias atrás, Bolsonaro tirou máscara algumas vezes no meio da multidão

Em um desses encontros, Bolsonaro esteve em reunião com os presidentes de Ceará e Fortaleza, Robinson de Castro e Marcelo Paz, respectivamente, para tratar da volta do futebol. O mandatário alvinegro já havia testado positivo para Covid-19. Noutra ocasião, há 12 dias, o presidente da República esteve no Ceará (no município de Penaforte) para inauguração de trecho de obras da Transposição do rio São Francisco.

Bolsonaro recebeu dirigentes de oito clubes no dia 30 de junho
Foto: REPRODUÇÃO TWITTER
Bolsonaro recebeu dirigentes de oito clubes no dia 30 de junho

O período de incubação do novo coronavírus varia de 2 a 14 dias, mas é mais comum que os sintomas se manifestem entre o quinto e o sétimo dia após a infecção, segundo estudos mais recentes.

"Esperamos que o presidente, que vetou a obrigatoriedade do uso de máscaras, tenha a consciência de avisar a todos com quem entrou em contato nessas últimas duas semanas, sem usar máscara, fazendo aglomerações, apertando mãos de pessoas, inflamando as pessoas", afirma Dione Rola, pediatra, integrante do coletivo Rebento - Médicos e Médicas em Defesa da Ética, da Ciência e do SUS.

"Ao longo dos últimos dias, inclusive quando visitou o Ceará, o presidente esteve com centenas de pessoas. Todas elas precisam estar atentas para possível contaminação", alerta Marjorie Mota, também médica e integrante do Rebento.

Em entrevista a jornalistas de TVs, ontem, no Palácio da Alvorada, o presidente afirmou que já iniciou o tratamento com hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra a doença, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

 

Bolsonaro tem 65 anos e faz parte do grupo de risco da doença, mas disse que não está sofrendo com os sintomas mais graves por causa do uso precoce do medicamento.

"Então, eu confio na hidroxicloroquina. E você?", disse, em vídeo divulgado ontem nas redes sociais. O presidente tem minimizado os riscos da doença, que já chamou de "gripezinha". Já disse que não teria problemas por ter "histórico de atleta" e classificou a pandemia de "histeria".

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 Bolsonaro contrariou mais uma vez recomendações de autoridades de saúde e colocou jornalistas sob risco de infecção ao anunciar o teste positivo, afirmam analistas. Para o médico Julival Ribeiro, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o paciente deve cumprir rígida quarentena e quebrar o isolamento apenas se precisar buscar atendimento médico.

Ele cancelou os compromissos previstos para os próximos 15 dias, mas pretende continuar trabalhando da residência oficial. "Vou ficar despachando por videoconferência. E assinar alguns papéis aqui", afirmou.

Ao anunciar ontem a jornalistas que foi infectado pela Covid-19, o presidente chegou a tirar a máscara no fim da entrevista. "Estou bem, graças a Deus. Os que criticaram também, não tem problema, podem continuar criticando à vontade."

Bolsonaro tirou máscara para que jornalistas vissem rosto dele
Foto: TV BRASIL/AFP
Bolsonaro tirou máscara para que jornalistas vissem rosto dele

Na entrevista, Bolsonaro foi cercado por pelo menos três repórteres, além de equipes de filmagem. No fim, ele retirou a máscara, mas antes se afastou dos jornalistas.

Para Ribeiro, a máscara não é "100% segura" para impedir a transmissão da doença. "Uma pessoa que está com a Covid-19, e sabe, não pode dar entrevista. O correto é: teve Covid, ficar em quarentena, mesmo para autoridades", disse. 

Na avaliação de André Ferreira, especialista em direito penal da FGV Direito SP e advogado do CADHu (Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos), é possível enquadrar a conduta do presidente em três crimes previstos no Código Penal: infração de medida sanitária preventiva, ofender a saúde de outrem e incitar publicamente a prática de crime.

"Esse crime (de infração de medida sanitária preventiva) pune quem descumpre com as regras de prevenção ao contágio, como vimos no vídeo com os jornalistas e em diversas outras oportunidades em que ele andou livremente entre manifestantes, desrespeitando as regras de isolamento do DF e causando aglomerações. Ninguém comenta isto, mas o fato de transmitir a alguém uma moléstia pode ser enquadrado no art. 129 do Código Penal, pois é uma 'ofensa à saúde de outrem'".

Ferreira aponta que o mais grave, na sua visão, foram as falas e posturas do presidente que podem ter incentivado a população a descumprir as medidas de isolamento nos últimos meses. "Isto também é um crime, chamado de incitação pública à prática de crime e está no art. 286 do Código Penal."

Sintomas

Bolsonaro, ao lado do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman
Foto: Isaac Nóbrega / PR
Bolsonaro, ao lado do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman

Os primeiros sintomas da doença, de acordo com o relato do presidente, começaram ainda no domingo. No sábado, Bolsonaro foi a Santa Catarina sobrevoar área atingidas por um ciclone e se encontrou com autoridades locais. No mesmo dia, ele esteve na residência do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, com ministros e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República. Ele não usou máscara e se confraternizou com abraços, de acordo com imagens divulgadas pela Presidência da República.

"Começou domingo com uma certa indisposição e se agravou durante o dia de segunda-feira com mal-estar, cansaço, um pouco de dor muscular e a febre no final da tarde chegou a bater 38 graus (Celsius). Daí, com o médico da Presidência e com os sintomas apontando para a covid-19, fomos fazer uma tomografia no Hospital das Forças Armadas", afirmou.

 

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