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O debate sobre a divisão de recursos para candidaturas negras
Reportagem

O debate sobre a divisão de recursos para candidaturas negras

Ministro Ricardo Lewandowski antecipa para 2020 divisão proporcional entre negros e brancos do fundo eleitoral e tempo de propaganda em Rádio e TV. Plenário do STF vai analisar questão
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O debate sobre a divisão de recursos para candidaturas negras (Foto: Arte: Cristiane Frota)
Foto: Arte: Cristiane Frota O debate sobre a divisão de recursos para candidaturas negras

Em 2020, as pautas de inclusão e representatividade seguem acesas no debate público. No caso da população negra, a discussão em torno da distribuição proporcional de recursos do fundo eleitoral e do tempo de propaganda para candidatos negros ganhou novo capítulo. Decisão de ontem do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), apontou que o mecanismo deve valer já em 2020, alternado entendimento inicial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, em agosto, determinou que a medida valeria apenas para 2022.

Lewandowski atendeu a pedido feito pelo Psol, que acionou o STF solicitando que a regra passasse a vigorar imediatamente. Na decisão, o ministro defendeu implementação de "políticas públicas de incentivo à apresentação de candidaturas negras aos cargos eletivos" e apontou que a divisão proporcional dos recursos "não pode ser vista como mudança no processo eleitoral". Descartando, portanto, aplicação do artigo 16 da Constituição que veda mudanças a menos de um ano da votação.

Ministro Ricardo Lewandowski (STF)
Foto: Nelson Jr./ SCO / STF
Ministro Ricardo Lewandowski (STF)

A liminar deve ser discutida em plenário pelos 11 ministros da Corte, mas ainda não há previsão de data para apreciação da questão. Entretanto, a decisão pode alterar preparação das legendas para a eleição municipal, caso valha já em novembro. Segundo a regra, se uma legenda apresentar 30% de candidaturas negras deverá destinar percentual igual do fundo eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral gratuita, no rádio e na TV, para esse segmento.

Raquel Andrade, recém-nomeada presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), entende que o dispositivo representa "vitória sem precedentes para os movimentos sociais" e para os que defendem ações afirmativas para candidaturas negras. "Essas ações vêm em resposta à negação histórica da ocupação dos espaços de poder aos negros e negras", defende.

A respeito do período no qual temática deve começar a vigorar, a advogada destaca que o mais importante é que a discussão ultrapasse as barreiras de anos eleitorais. "É preciso que o debate mobilize o Estado, as instituições e, sobretudo, os partidos para uma ação coletiva e contínua em torno de candidaturas de homens e mulheres negros".

Representatividade de raca nas eleicoes
Foto: luciana pimenta
Representatividade de raca nas eleicoes

O tema chegou ao TSE em junho de 2019, quando a deputada federal Benedita da Silva (PT) realizou consulta questionando possibilidade de destinar recursos de campanha para negros, nos moldes do que é feito com as candidaturas femininas. No mês passado, a Corte eleitoral determinou que a distribuição deveria seguir critério da proporcionalidade. Apenas um dos sete ministros do TSE votou contra. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto entendeu que o papel de regulamentar a temática é do Congresso e não da Justiça Eleitoral.

A posição é compartilhada por Ricardo Musse, cientista político e professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP). O pesquisador coloca-se favorável à destinação de recursos para candidatos negros, medida que considera "civilizatória", mas questiona o trâmite. "A função de órgãos como o STF e o TSE é julgar a constitucionalidade de uma lei, não estabelecê-la", defende.

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Para Musse, o Supremo avança sobre responsabilidades de outros poderes e é papel da sociedade questionar. "Pouco se discute a legitimidade do STF em tomar esse tipo de decisão. Ele não tem. Quando o tribunal faz isso, age à revelia do texto constitucional".

O professor lembra ainda o caso das cotas raciais para universidades públicas. "Nessa temática o trâmite foi o correto. Nasceu no Congresso, houve recurso de um partido e o STF decidiu pela constitucionalidade. O Congresso é a instância que tem que tomar esse tipo de decisão. Qualquer coisa diferente desse trâmite é inaceitável", conclui.

 

IBGE

Segundo estudo do IBGE (2019), enquanto 9,7% das candidaturas de pessoas brancas a deputado federal tiveram receita igual ou superior a R$ 1 milhão, entre pretos ou pardos, 2,7% receberam pelo menos esse valor

 

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