Mais expectativas foram lançadas sobre o mercado livre de energia após o governo cearense informar da adesão a esta modalidade de consumo, na qual apenas grandes consumidores podem fazer parte. Atualmente, dados da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) indicam que 16% da energia consumida no Estado é neste modelo, o que pode aumentar se os 1.650 usuários já mapeados pelo Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Estado do Ceará (Sindienergia-CE) aderirem ao mercado livre.
Parte desse possível público-alvo, segundo indica o diretor de Gestão Energética do Sindienergia Paulo Siqueira, está nos 409 prédios públicos listados pela Secretaria da Infraestrutura (Seinfra). A pasta foi a responsável pelo estudo e o anúncio de entrada na modalidade. Ao todo, espera-se uma economia de 25% nas despesas referentes à conta de luz, resultando em R$ 225 milhões em cinco anos.
Na prática, o mercado livre é um ambiente cuja negociação pela geração da energia é feita diretamente entre o consumidor e o distribuidor/gerador ou pelo comerciante de energia – geralmente empresas especializadas em estabelecer os contatos entre geradores e consumidores. O preço do megawatt/hora nesta modalidade não é regulado por leilões e é estimado em até 48% abaixo do preço regulado no chamado mercado cativo, mas os contratos são registrados na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
“No Brasil, a gente tem 70 mil unidades de consumo aptas (a aderir ao mercado livre). No Nordeste, pelas regras atuais, 10,5 mil unidades de consumo que poderiam migrar”, cita Siqueira, acrescentando que movimentos como o do estado cearense são observados em outras unidades da federação, como Pernambuco – cujo projeto inclui ainda geração própria.
Adão Linhares, secretário executivo de Energia e Telecomunicações da Seinfra, conta que acompanhou o projeto do estado vizinho e contou que as opções escolhidas pelo Ceará, de entrar como consumidor no mercado livre e incluir a área da Praia Mansa para a construção de um novo parque eólico, faz parte dos planos de migração do governo para esta modalidade.
“Nosso contrato é uma transição, passando pelo mercado livre, e aproveitamos a utilização da Praia Mansa. A gente está tentando antecipar para o Estado do Ceará uma condição que deve acontecer daqui a quatro anos, no mercado livre varejista”, afirma, adiantando que outros projetos como o uso de geração distribuída (painéis fotovoltaicos) em escolas e uma parceria público-privada para geração de energia no percurso do Canal da Integração estão em curso também.
Sobre a Praia Mansa, ele afirma que as condições de geração de energia lá continuam competitivas e o excedente gerado além das necessidades do Estado poderão ser utilizadas como o investidor preferir. Na prática, o edital a ser lançado pelo governo propõe um contrato de cinco anos por um valor estimado de R$ 377 milhões.
A transição para o mercado livre que o Estado tenta adiantar é mais um fator que despeja expectativas sobre esta modalidade no Ceará, de acordo com o diretor do Sindienergia. Hoje, a migração só é permitida para aqueles consumidores que possuem demanda acima de 500 quilowatts (kW), o que corresponde a demanda de pequenas indústrias, supermercados de médio porte e shoppings.
O projeto de lei 414, em debate na Câmara dos Deputados, busca oficializar a entrada dos usuários de demanda de energia inferir aos 500 KW em um prazo de até 42 meses, após a entrada em vigência da lei.
Simultaneamente, a Agência de Energia Elétrica e a Câmara de Comércio de Energia Elétrica concluíram um estudo sobre os passos dessa transição, que foram encaminhados ao Ministério de Minas e Energia para avaliação e conclusão.
Mas Paulo Siqueira aponta ainda na necessidade de realizar melhorias no setor para que a atração de novos usuários – especialmente os de menor porte, no futuro – seja mais fácil. Como prioridade, ele aponta a necessidade de reduzir os custos de instalação. Ao aderir ao mercado livre de energia, o contratante precisa adaptar a rede elétrica interna dele, com o uso de um medidor de digital e outros equipamentos, o que chega a somar R$ 20 mil.
Siqueira propõe uma modelagem para isso, seja a empresa bancando a instalação ou uma forma de pagamento menos impactante para o bolso do futuro usuário como forma de não afastar o público-alvo.
A simplificação do faturamento é a segunda medida citada por ele. Isso porque, além das tarifas e impostos inclusos no preço da energia contratada, o usuário também paga pelo custo da transmissão, ou seja, o uso do fio da rede elétrica da concessionária de energia – no caso do Ceará, a Enel.
Hoje, os grandes consumidores pagam duas faturas: uma para o gerador da energia e outra para a concessionária. Mas Siqueira defende que é necessário a unificação desses sistemas para tornar a operação pelo usuário de pequeno porte menos complicada.
Já na esfera estadual, Linhares aponta a necessidade de uma gestão mais rígida em relação às contas do governo. Hoje, como principal ponto de atenção no projeto de migração do Ceará para o mercado livre, ele aponta o faturamento da conta, que precisa ser pago em dia sem interferência de quedas de sistema ou ocupação de servidores.
“Eu não posso deixar de pagar essa conta por uma queda de sistema ou qualquer outro acontecimento a que o serviço público possa estar sujeito. Isso imputa uma multa altíssima ao Estado pelo atraso no pagamento que não pode ser assimilada”, explica o secretário adjunto de Energia e Telecomunicações.
Para isso, de acordo com ele, esforços internos são feitos ao longo do processo de migração para dotar a governança da maior competência possível, sem trazer risco nem ao Estado nem ao investidor que selar a parceria.
Investidores de grande porte já procuraram o Estado
"Empresas de grande porte" do setor de energia já procuraram a Secretaria da Infraestrutura do Ceará (Seinfra-CE) interessados no projeto lançado há duas semanas e que dá início à migração do Estado para o mercado livre de energia, segundo revelou Adão Linhares, secretário executivo de Energia e Telecomunicações da pasta.
“Estamos em consulta pública permanente. Hoje mesmo recebi algumas ligações e coloquei o nosso pessoal técnico para tirar todas as dúvidas. Queremos a qualidade do investidor para resolver o problema do estado”, afirmou em conversa com O POVO, na tarde de ontem, 3.
A reputação do Estado no setor de energias renováveis e o ambiente de negócio criado aqui foram mencionados por ele como motivo desse interesse. Isso porque Linhares reconhece que o porte do projeto lançado, de R$ 387 milhões em cinco anos, não costuma ser o foco de grandes investidores do setor.
“Fomos, realmente, um pouco conservadores nesse projeto. Mas a partir do prazo de 5 anos, a gente reforça o ambiente de continuidade e segurança jurídica para o projeto, que é uma característica nossa. E o investidor sabe o que está fazendo, sabe os limites, os critérios... Ou seja, criamos condições para que os cinco anos sejam atrativos economicamente para o investidor”, analisa.
Mas “a característica da inovação” é apontada por ele também como outro fator que motiva os players maiores a se aproximarem do Estado.
O objeto do edital que reúne esses elementos é a área da Praia Mansa, onde o primeiro parque eólico do Brasil foi instalado. Para a região, a Seinfra projeta um novo parque, mais moderno e que aproveite as condições de geração do local de forma mais plena, e Linhares acrescenta ainda a possibilidade de equipamentos inovadores serem desenvolvidos ao mesmo tempo.
“Vejo um banco de baterias, a produção de hidrogênio, carregadores elétricos para o Porto do Mucuripe, pois podemos ter algumas surpresas no projeto porque deixamos bem aberto para inovação”, citou.
Preço é o grande atrativo do mercado livre
Consultor de energia, ex-presidente da Coelce e ex-presidente da Câmara Setorial de Energias Renováveis, Jurandir Picanço considera o mercado livre promissor a partir da aprovação do PL 414 e acredita que toda grande empresa cearense já deve ter analisado a entrada na modalidade. Confira a entrevista:
O POVO - O que deve motivar a adesão ao mercado livre? Acha que a entrada do governo do Estado pode incentivar isso no Estado?
Jurandir Picanço - A vantagem financeira é o maior incentivador do mercado livre, como acontece com qualquer consumidor.
Acho que a entrada do governo gera uma movimentação pontual. Tenho certeza que todos os grandes consumidores, a partir de 500kw de demanda, já devem ter analisado e decidido mudar ou ficar no mercado cativo. Falo de um supermercado grande, indústria de médio porte...
OP - E o que impede uma adesão maior?
Jurandir Picanço - São condições oferecidas, porque tem algumas cláusulas que não tornam interessante migrar para o mercado livre. Por exemplo, é preciso prever com maior segurança qual demanda de consumo futuro, porque o contrato é longo, de cinco anos ou mais. Se há dúvidas se o negócio vai continuar ou crescer muito ou não, o empresário prefere continuar na concessionária, porque, se não, ele vai pagar por uma energia que não vai consumir.
Além disso, o consumidor de maior porte não pode correr risco, porque planeja ampliação e tem que garantir o fornecimento de energia. Pois, quando sai da concessionária, do mercado cativo, ele não pode voltar imediatamente. A concessionária é obrigada a contratar toda a energia do Estado. Se sai um grande consumidor, ela reduz a contratação. Se ele quiser voltar, tem que negociar e isso leva tempo, não é imediato.
OP - Há falta de conhecimento sobre isso no mercado cearense?
Jurandir Picanço - Talvez um empresário um pouco desatento, pode ser. Mas a maioria que pode migrar para o mercado livre, com certeza, já viu as condições. São muitas comercializadoras procurando, oferecendo o serviço. Não vejo como um empresário deixa passar oportunidade de reduzir a sua conta, se for interessante.
OP - Mas há uma perspectiva de ampliação no futuro com o PL 414?
Jurandir Picanço - Sim. O projeto de lei vai, com certeza, ampliar o mercado livre. Há muita segurança desse projeto ser aprovado e, daqui a alguns anos, qualquer consumidor poderá acessar o mercado livre. E, para isso, acho que vai ter muita flexibilidade nos contratos.