Cobranças por metas e resultados fazem parte do dia a dia laboral de quase todos os brasileiros no mercado de trabalho. Mas, em meio à explosão de afastamentos, finalmente o Brasil se movimenta e inclui a síndrome de Burnout como uma doença do trabalho. Daí fica o questionamento: Quando a cobrança deixa de ser saudável e como os trabalhadores e líderes podem reagir?
Segundo o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, em 2022, o Brasil teve 2.424 notificações de transtornos mentais relacionados ao trabalho, maior número da série histórica iniciada em 2007. As doenças mentais são a 3ª maior causa de afastamentos por condições não acidentárias no País, com 13% dos casos.
Os dados ainda mostram que a quantidade de benefícios B91 (Auxílio-Doença por acidente de trabalho ou doença ocupacional) concedidos no Ceará - quando considerados os problemas mentais e comportamentais - chegou a 199 ao fim de 2022.
Assim, o Estado se coloca como o 11º do Brasil em número de afastamentos. Do montante total, 86 foram registrados em Fortaleza.
O Ministério da Saúde publicou na última semana uma atualização da lista de doenças relacionadas ao trabalho, incluindo 165 novas patologias. Com isso, a quantidade de códigos de diagnósticos passa de 182 para 347. Dentre as novas inclusões, destaca-se o Burnout ou síndrome do esgotamento profissional.
A atualização define que esse quadro pode ser desencadeado por fatores psicossociais ligados à gestão organizacional, às responsabilidades das tarefas profissionais e às condições do ambiente de trabalho.
Os sintomas incluem exaustão emocional, despersonalização e redução da realização profissional. Segundo o psicólogo Lucas Freire, “o reconhecimento do burnout como uma condição relacionada ao trabalho destaca a importância de abordar questões de saúde mental no contexto profissional.”
Carlos Assis, fundador do Instituto Philos Org - que produziu o Anuário da Saúde Mental nas Corporações, aponta que a agenda ESG (ambiental, social e de governança) das empresas não pode ser indiferente aos problemas dos colaboradores com transtornos mentais e comportamentais.
"A incidência é diferente a depender do setor. Mas no Anuário observamos que as empresas estão lidando com um número maior de colaboradores com transtornos, similar à curva vista na população. Isso ficou mais visível após a pandemia pelo impacto emocional", observa.
Dentro desse contexto, duas certificações prometem auxiliar na remediação e prevenção aos problemas. A ISO 45001, que possui requisitos direcionados para prevenção do bem-estar físico dos colaboradores e, também, da saúde mental, e a ISO 45003, que trata diretamente na ajuda às organizações a eliminar o estigma em torno do diálogo sobre o tema no local de trabalho, de forma a construir um ambiente positivo.
Paulo Bertolini, diretor-geral da APCER Brasil, destaca que normas como a ISO 45001 - que já é bem difundida entre as empresas brasileiras - não são apenas direcionadas à prevenção de riscos físicos no ambiente laboral, mas também abordam os cuidados acerca da saúde mental.
"A ISO 45001 é aplicável a organizações de todos os setores e tamanhos, e pode ser facilmente integrada com outros padrões ISO, como a ISO 9001 e ISO 14001. Além de proporcionar um processo de melhoria contínua através da metodologia Plan, Do, Check, Act (PDCA) - planejar, fazer, checar e agir", afirma.
Dentre as empresas que possuem o ISO 45001 no Brasil, a cearense Cegás já observa os efeitos positivos das novas práticas de atenção à saúde mental dos colaboradores.
Nos últimos seis meses, após a implementação da temática de saúde mental no dia a dia, apoio da direção, além de palestras semanais e reuniões para conversas, alguns funcionários reconheceram sintomas de ansiedade, depressão e síndrome de burnout e encontraram apoio do serviço médico, tratando antes da evolução que gerasse afastamento por doença mental.
"No ambiente de trabalho, interno e em campo, a saúde mental não pode mais ser vista como algo secundário na cultura das empresas e, sim, como um elemento primordial para manter o bem-estar dos funcionários, gestores, gerentes e alta liderança", afirma Roberto Wagner, gerente de Qualidade, Saúde, Meio Ambiente e Segurança da Cegás.
AÇÕES PRÓ-SAÚDE MENTAL
Tema ainda considerado sensível no dia a dia de muitas empresas, a atenção à saúde mental não pode ser considerada "gasto", já que trabalhar essa tendência gera efeitos positivos na produtividade.
Estudos da Harvard Business Review apontam que, a cada US$ 1 investido em ações que promovam melhorias na saúde mental, podem ser percebidos US$ 4 em ganhos com o aumento da produtividade, menor absenteísmo e maior satisfação e retenção dos colaboradores.
INVESTIGAÇÃO
Com apoio da Célula de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) no Ceará, O POVO obteve dados sobre a quantidade de investigações de transtornos mentais relacionados ao trabalho. Nesse levantamento, as cidades de Sobral, com 31 notificações, de Fortaleza (14) e de Horizonte (13) lideram o ranking. Em 2022, 103 notificações foram feitas. O número representa uma escalada das notificações, já que em 2020 foram 33 casos e em 2021 outras 92.
O Brasil atualmente ocupa a segunda colocação no ranking mundial de burnout, com 30% dos colaboradores com a síndrome do esgotamento profissional. Os dados, da International Stress Management Association (Isma), só deixam o País atrás do Japão, com 70%.
ASSÉDIO EM ALTA
No que se refere aos dados sobre assédio no ambiente de trabalho, o MPT-CE revela que o número de procedimentos relacionados a assédio no ambiente de trabalho têm saltado de forma relevante em 2023. Durante todo ano de 2022, foram registradas 283 denúncias. Neste ano, entre janeiro e 29 de novembro, foram 437 procedimentos abertos. A variação chega a 54,4% de alta e ainda faltam mais quatro semanas até o fim de 2023.
ADOECIMENTO DOS BANCÁRIOS EM DEBATE
O "adoecimento da categoria" foi tema abordado em audiência pública no Senado Federal, em outubro. Entidades sindicais, além de representantes do Ministério do Trabalho, participaram.
Presidida pela senadora cearense Augusta Brito (PT), a sessão foi espaço em que foram expostos os problemas e propostas soluções, como uma mesa de negociação com os bancos para amenizar a pressão exercida sob os bancários e a melhoria da rede de apoio após adoecimento.
Audiência pública similar foi realizada no Ceará, em novembro, pelo MPT-CE. Na oportunidade Eugênio expôs a falta de notificação do adoecimento dos bancários, por parte dos bancos, junto ao INSS, pela falta de emissão de Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT).
Maior estudo já realizado na avaliação das iniciativas e compromissos com a promoção da saúde mental dos 100 maiores grupos empresariais do Brasil, o Anuário Saúde Mental nas Empresas 2023, avaliou organizações que, juntas, somam cerca de 3 milhões de empregados.
Tendo por base os valores dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e os Determinantes Sociais da Saúde (DSS) da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Instituto Philos Org e o Portal Integridade ESG, observaram sete vetores, que inclui práticas como programas de promoção da saúde integral nas empresas e qual o nível de maturidade das ações.
No ranking setorial, o setor financeiro apareceu na frente, somando 11,09 pontos no índice de preocupação e investimento na área. Depois veio Tecnologia e Comunicação (6,19), Comércio (6,02) e Indústria (4,83). O pior setor foi o de Serviços, Transporte e Logística (2,18) e a média ponderada foi de 5,40.