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Tasso Jereissati conta sua história
Reportagem Especial

Tasso Jereissati conta sua história

Na semana em que se encerra aquele que anuncia como o último mandato eletivo, Tasso Jereissati revisita a trajetória que transformou o Ceará e se transformou em uma era

Tasso Jereissati conta sua história

Na semana em que se encerra aquele que anuncia como o último mandato eletivo, Tasso Jereissati revisita a trajetória que transformou o Ceará e se transformou em uma era
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Quando a nova legislatura tomar posse no Congresso Nacional, neste 1º de fevereiro de 2023, estará encerrada não na vida pública, mas em mandatos eletivos, aquela que provavelmente é a mais relevante trajetória da história da política no Ceará. Tasso Jereissati (PSDB) conclui o segundo mandato de senador. "Eu acho que tudo tem um ciclo na vida da gente e assim meu ciclo se encerra".

Você também pode assistir à entrevista com Tasso Jereissati

Só ele e Nogueira Acióli, na virada do século XIX para o século XX, tiveram três mandatos de governador do Ceará. Tasso acumula ainda dois mandatos de senador, somando 16 anos. Ninguém tem tanto tempo em postos desse peso na história do Estado — Acióli até foi senador, mas não concluiu nem a metade de um mandato.

Há quem ame e quem deteste Tasso, mas é impossível negar a importância política dele. Nem negar que o Ceará era um antes de ele tomar posse, em 15 de março de 1987, e é outro agora, que ele abandona as disputas eletivas.

Tasso recebeu O POVO para uma conversa de quase duas horas ao longo da qual ele percorreu a própria trajetória, desde as raízes familiares, a carreira empresarial, a imprevista entrada na política, as alianças, os rompimentos, os aliados, os adversários e as perspectivas.

Fala do que considera a maior vitória: a redução da mortalidade infantil. Comenta o que acha ser uma incompreensão, da parte dos servidores públicos, que muitas vezes o viram como vilão. E rebate o que reputa como "lenda": que o boicote dele foi responsável pelo fracasso da administração Maria Luiza Fontenele na Prefeitura de Fortaleza.

Narra momentos de crise, como o primeiro de uma série de motins de policiais que o Estado viveu, em 1997. Aliás, aponta a segurança pública como preocupação no Ceará de hoje — e lamenta que mudanças que começaram com ele na área tenham sido abandonadas.

Tasso Jereissati, durante entrevista ao O POVO sobre sua carreira, desde que o nome Jereissati chegou aqui até os dias de hoje(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Tasso Jereissati, durante entrevista ao O POVO sobre sua carreira, desde que o nome Jereissati chegou aqui até os dias de hoje

Tasso foi um empresário que virou político, mas recorda que, no início, não era apoiado pelo empresariado em geral. Tinha ao lado, sim, um grupo de jovens empresários. Mas, grande parte do setor o via com resistências.

Não muito diferente, ele destaca, do que houve na última eleição, quando enfrentou reações entre pares por apoiar Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra Jair Bolsonaro (PL) para presidente no segundo turno.

Lula, aliás, de quem se tornou amigo, mas a quem teve como adversário em vários momentos, como na disputadíssima eleição de 2002 no Ceará. "Aquela eleição é um ponto de inflexão aqui no Ceará, porque dali por diante o nome do Lula passou a ter muita força. Até hoje".

E assim foi em 2010, quando Tasso sofreu a única derrota eleitoral na vida, com a entrada forte de Lula na campanha por adversários. "Foi um aprendizado de humildade. A gente aprender que tinha um adversário aqui que realmente eu não podia com ele nesse sentido".

Apesar disso, não teve dúvida em apoiar o petista contra Bolsonaro, a quem define: "É o pior presidente da história do Brasil".

Do ponto de vista dos mandatos eletivos, a não ser que haja uma mudança de rota, a era Tasso chega ao fim. Porém, não significa aposentadoria. Ele afirma que seguirá fazendo política.


 

Do Líbano para o Ceará

"Eram vários irmãos e, em determinada época, no Líbano tinha uma certa perseguição religiosa. Até hoje tem problema de religião no Líbano. No começo do século XX, vieram para o Brasil. Eram três irmãos, meu avô (Aziz Kalil Jereissati) e mais dois irmãos. Um não se adaptou e voltou para o Líbano. Os outros dois ficaram aqui e aí começaram a trabalhar. Se não me engano, era um tipo de mascate, porque eles vendiam mais tecido para o Interior. Vendiam para Fortaleza, mas naquele tempo, aqui em Fortaleza, o comércio de rua era muito pequeno. Tinham as costureiras que faziam (roupas com os tecidos) e o interior do Estado. Então, aí começou a história da nossa família Jereissati aqui". 

 

Tasso empresário

"Eu comecei a trabalhar nos negócios que eu tinha herdado do meu pai (Carlos Jereissati). Que era o moinho, Grande Moinho Cearense, que existe até hoje. Tínhamos o Hotel Savanah, que eu fiz uma reforma grande no Hotel Savanah. Ali embaixo do Hotel Savanah tinha a Lobrás (Lojas Brasileiras), todo mundo ia lá na Lobrás, na Praça do Ferreira. Nós ampliamos para fazer uma entrada bonita e ampliamos o hotel com restaurante etc.

"Começamos a ideia da construção do Hotel Esplanada, na praia. E fiz o Center Um, que foi o primeiro protótipo de shopping center que nós fizemos e que tinha naquela época muita pretensão. Eu fui muito desaconselhado, inclusive pela minha família, de que o pessoal aqui no Ceará, em Fortaleza, gostava de ir para a rua. Antigamente falava a rua, ir para o Centro era: 'Vou pra a rua'. E ninguém ia sair da rua para fazer compra em outro lugar. Inclusive, fizemos um estacionamento pequeno também. Para que estacionamento se posso estacionar na calçada? Então, foi um lance muito audacioso que deu muito certo. E praticamente focamos nessas nessas atividades". 

 

A política antes de ser político

"Eu não tinha expectativa de ser político. Teve um hiato muito grande, desde o país ter mudado. Teve um longo período de ditadura militar e também um longo período desde que meu pai faleceu e que nós ficamos morando em São Paulo. Nós tínhamos negócios em São Paulo, fomos trabalhar em São Paulo. E tinha, sim, uma lembrança da política muito forte, que marcou muito a vida do meu pai (ex-deputado e ex-senador Carlos Jereissati). Mas, quando eu vim para cá para ficar aqui de vez, para começar a trabalhar aqui em Fortaleza, era um tempo muito duro da ditadura militar e um tempo de muita pobreza no Nordeste.

"Havia criado um certo desânimo no Ceará. A autoestima do cearense estava em baixa, ninguém acreditava que o Ceará teria futuro do jeito que ia. E nós, um grupo de jovens empresários aqui, resolvemos conversar sobre isso. Qual é o futuro nosso aqui no Ceará diante das perspectivas que tínhamos. E nós chegamos a uma conclusão, depois de muita reflexão, de que a democracia era fundamental para que o Ceará e os estados mais pobres voltassem a ter vez e voz e influência na política nacional.

"Mas não havia nenhuma intenção de política, de entrar na política eleitoral, de entrar na política partidária. Mas esse envolvimento nos levou a ter alguns contatos com a política. Nós trouxemos gente para debater aqui. Fizemos o CIC (Centro Industrial do Ceará). Até aí nós não tínhamos a menor intenção de entrar em política. Foi realmente por acaso".

Foi um grande mentor intelectual. Ele era um pouco mais velho que nós, tinha uma formação política muito profunda... Intelectualmente, era muito bem preparado e tinha sido durante a juventude um líder de esquerda, mas durante a vida ele acabou se tornando um grande empresário (Sobre Beni Veras)

Os jovens empresários e o Ceará

"A visão era de muita preocupação. Mesmo pensando nos nossos negócios, nós não víamos futuro dos negócios aqui no Ceará, por causa da pobreza e da falta de perspectiva de crescimento. Em função de uma política que tinha se instalado muito antiquada, que se chamava a política dos coronéis. Havia uma espécie de retroalimentação da própria pobreza, através do clientelismo. E nós não víamos perspectiva de sair desse ciclo vicioso que enterrava o crescimento do Estado — enterrava a emancipação da população — a não ser uma democracia plena, com voto livre, escolha pelo voto livre, partidos livres, partidos políticos. Havia essa preocupação com nosso futuro, com o futuro do Estado. E todos nós tínhamos um amor muito grande pelo Ceará. Independente da questão econômica, nós achávamos que o Ceará tinha um potencial que não estava sendo utilizado".

 

Os "velhos" empresários

"Na verdade, na época nós não tínhamos o apoio dos empresários de uma maneira geral. Nós tínhamos um grupo de empresários que nos apoiava e nós éramos um grupo de empresários jovens, bem claro e não tão disseminado. E que a grande preocupação era o futuro das empresas também, das nossas empresas".

 

Beni Veras

"O Beni foi um grande mentor intelectual. Ele era um pouco mais velho que nós, tinha uma formação política muito profunda. Tinha participado de alguns movimentos estudantis antes da ditadura. Intelectualmente, era muito bem preparado e tinha sido durante a juventude um líder de esquerda, mas durante a vida ele acabou se tornando um grande empresário.

"Ele montou para o grupo Guararapes, como executivo, as Confecções Guararapes, a maior confecção do Nordeste, talvez maior confecção do Brasil. Então, ele evoluiu daquela posição de muito esquerda para uma posição de centro. Mas um social-democrata. E tinha essa visão muito profunda de que democracia é essencial.

"Esse pequeno grupo começou a se encontrar no fim da tarde no edifício Jangada, onde ficava a Federação das Indústrias. Na rua Major Facundo, quase esquina com Praça do Ferreira. Lá em cima, no último andar, em que estava a Federação das Indústrias, tinha um barzinho, e nós fizemos lá um ponto de encontro para trocar ideias. E o Beni fazia parte desse grupo de sete, oito jovens empresários. Ele teve uma influência fundamental, um guru intelectual e formulador do nosso pensamento".

Beni Veras: para Tasso Jereissati, ele teve uma influência fundamental no grupo de jovens empresários(Foto: Datadoc O POVO)
Foto: Datadoc O POVO Beni Veras: para Tasso Jereissati, ele teve uma influência fundamental no grupo de jovens empresários

Jovens empresários movimentam a política

"Essa agitação nos deu primeiro uma experiência enorme, abriu nossos horizontes, porque esse movimento começou a ser conhecido no Brasil inteiro. Não existia em todo o Brasil nenhum movimento empresarial que tivesse essa postura anti-ditadura e que pedia a volta da democracia, que falava da pobreza, falava dos problemas sociais.

"Até que apareceu em São Paulo um grupo que ficou muito famoso, o Grupo dos Oito, que tinha o Antônio Ermírio de Moraes, Cláudio Bardella, Zé Mindlin e vários outros grandes empresários e começaram a fazer movimentos (completavam o Grupo dos Oito: Laerte Setúbal Filho, Jorge Gerdau, Paulo Vellinho, Paulo Villares e Severo Gomes). E nós nos entrosamos, eles souberam desse movimento, vieram aqui e nós praticamente começamos a fazer uma parceria com eles. Se tornou quase parte de um movimento nacional, com noticiário nos grandes jornais brasileiros.

"Por isso que eu digo que teve uma reação, sim, de parte do empresariado local. Reação muito semelhante, em alguns pontos, ao que aconteceu agora com os empresários que não reconheciam, não conseguiam enxergar o perigo que representava o Bolsonaro para a democracia. Várias vezes fomos chamados de incendiários, comunistas, perigosos etc.

"E resolvemos abrir mesmo todos os movimentos. O Lula veio aqui. (Leonel) Brizola veio aqui quando chegou do exílio. O nome Brizola era palavrão. Era considerado o mais perigoso (líder da esquerda), porque era muito popular, os militares tinham medo que ele empolgasse as multidões e desestabilizasse o País com a presença dele. Todas essas pessoas faziam debates conosco. Falavam, depois tinham as perguntas. Nós tivemos de mudar o local do auditório em que o Brizola ia falar para outro lugar porque cortaram a energia".

 

Candidato

"Foi tudo muito de repente. Um conjunto de circunstâncias. Primeira circunstância foi o rompimento do Gonzaga Mota, que chamava ele de Totó, com os três coronéis. O Gonzaga Mota tinha sido colocado no governo pelo chamado trio dos coronéis, que era o Adauto (Bezerra), o Virgílio (Távora) e o César Cals. E em determinado momento, o Gonzaga Mota rompeu com eles. Neste rompimento, os três se uniram para isolar o Totó. E o Gonzaga Mota passou para o PMDB.

"Nessa época, como durante uns 30 anos da época da ditadura, o PMDB tinha sido praticamente dizimado. Não tinha um candidato ao Governo do Estado. Porque um candidato dos três, unidos, era considerado imbatível. Eles dominavam 95% das prefeituras do Ceará. E o PMDB tinha uma estrutura muito pequena, mas muito boa. Muito leal aos seus princípios, sua vontade de enfrentar o programa de mudanças. As duas grandes lideranças do PMDB aqui eram o Mauro Benevides e o Paes de Andrade. Eles não queriam se candidatar ao governo porque achavam que era impossível derrotar os três coronéis juntos e preferiam garantir seus mandatos, o Paes como deputado federal e o Mauro como senador, dentro de um programa que tivesse alguma viabilidade.

"Aí, o Totó, que era muito audacioso, lembrou-se do nosso grupo, do CIC. E resolveu, diante daquela perspectiva, chamar um de nós para colocar como candidato. E por várias circunstâncias acabou caindo no meu nome. O nome natural seria o Beni. Mas ele estava começando o processo de uma doença, que realmente progrediu. Ele revelou, nós não sabíamos, inclusive, que não tinha condições. E aí fizeram uma reunião, um acordo e acabaram no meu nome.

"Eu, por acaso, só fui candidato, só topei ser candidato, que eu não pensava em ser candidato, por uma circunstância muito especial. Eu tinha acabado de ser operado do coração. Eu tinha 36 anos. Naquela época, era uma operação muito grande. Eu não digo arriscada, mas uma coisa muito traumatizante, inclusive. E não era o normal uma pessoa da minha idade ter que fazer aquele tipo de operação. Eu fiz essa cirurgia e quando eu voltei estava essa discussão. E fui sondado para ser o candidato do PMDB, para enfrentar os três coronéis. Eu comentei com esse grupo: vamos marcar uma posição. Não é para ganhar.

"A gente vai, marca uma posição. A gente precisa mostrar que existem alternativas. Mas o mais engraçado é que eu liguei para o meu médico, achando que ele ia dizer: 'Não faça essa loucura'. E ele disse ao contrário. Ele disse: 'Olha, na sua idade, é muito normal você ter depressão depois desse tipo de cirurgia. Isso (ser candidato) é a melhor coisa que pode lhe acontecer. Você vai ter tanto problema que não vai ter tempo de ter depressão'. Foi o que aconteceu. A palavra final foi desse médico. Aí nós fomos, mas sem nem muita ambição. Fomos realmente muito dispostos a marcar uma posição, fazer um discurso novo, diferente".

 

Legado

"Acho que nós temos do ponto de vista administrativo um avanço gigantesco. sem querer ser presunçoso. Não fui só eu, foram muitos. Fizemos uma escola de administração pública, que predomina até hoje. Nós tivemos avanços em praticamente todas as áreas do governo. Desde o início do meu primeiro governo, o Estado do Ceará talvez seja o único que não tenha nunca mais atrasado salário de funcionário, tenha sua disciplina fiscal mantida quando é tão discutida crise fiscal.

"Já vão 30, 40 anos o Estado do Ceará tem mantido, e virou referência no Brasil o que foi feito aqui no Estado do Ceará. Saiu de um estado que era conhecido pela política dos três coronéis, que era retalhado entre os três, um estado que estava em default, sem pagar suas dívidas e sem crédito em todas as organizações internacionais. Não tínhamos financiamento para nada. E o pior, tínhamos folha de pagamento, de professores, por exemplo, estava seis meses atrasada. Polícia não tinha bala. O Estado estava não só literalmente quebrado, mas com uma autoestima muito baixa em função dessas coisas todas e em função da imagem que a gente tinha lá fora, de caloteiro, disso e daquilo.

"Nós demos um salto enorme. Não fui só eu. Nós viemos mantemos. Nossa disciplina financeira é até hoje invejável. A educação, o Estado é referência. O que havia eram professores que não iam às aulas porque não recebiam salários, alunos que não frequentavam, diretorias das escolas todas políticas, em função de um amigo de um político. Nós somos uma referência e temos um Estado praticamente hoje alfabetizado de uma certa idade para cá. Éramos uma terra de analfabetos.

"Na saúde, mortalidade infantil tinha níveis africanos. Infraestrutura houve um salto gigantesco. Aeroporto, nós não tínhamos. O porto era o do Mucuripe, que não tinha a menor condição. Água, construção do Castanhão, dos canais. Temos pontos fracos ainda, e muito fracos. Mas em relação ao que nós tínhamos, demos um salto muito grande. Temos problemas sérios na segurança".

 

Retrocesso político

"Acho que nós estamos em um processo de retrocesso na política, o que é perigoso. Na maneira de fazer política, no clientelismo, na cooptação dos deputados através de favor do chefe. Isso é um retrocesso perigoso aqui. Para mim me frustra bastante. Esse retrocesso tem uma certa conexão com o retrocesso que está tendo no Brasil hoje. Vocês conhecem o centrão, o que o centrão significa hoje na política brasileira. Os últimos presidentes têm sido reféns do centrão. O centrão é uma grande máquina de fisiologismo, que deteriora a qualidade das políticas públicas e quando esgarça essa deterioração, chega à corrupção. Aqui acho que esse processo de cooptação ficou muito grave, desde o processo de cooptação de deputados, prefeitos, vereadores. É uma volta ao passado".

Posse de Tasso Jereissati, com Gonzaga Mota ao fundo(Foto: Datadoc O POVO)
Foto: Datadoc O POVO Posse de Tasso Jereissati, com Gonzaga Mota ao fundo

Gonzaga Mota

"Com o Gonzaga Mota, eu até hoje gosto muito dele, admiro-o. Acho que ele foi um dos grandes responsáveis por todo esse processo, pela coragem que ele tem e até pela visão que ele tinha. Ele rompeu com o passado e nós tentamos construir o futuro. O problema foi a maneira de fazer política, de entender a administração pública, que era muito diferente da sua base, da base política que deu sustentação ao Gonzaga Mota. Eu me lembro que na primeira reunião que nós tivemos com o grupo de políticos e lideranças, havia a divisão. A Coelce era de um, a Cagece era de outro. E assim foi. E eu refutei essa tese, esse princípio. E houve uma grande reação. E de alguma maneira, eles se queixavam junto ao Gonzaga dessa reação e foi de uma certa maneira esgarçando a nossa relação política naquele momento. Hoje eu tenho uma ótima relação com ele".

MARIA LUIZA Fontenele foi prefeita de Fortaleza entre 1986 e 1988(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS MARIA LUIZA Fontenele foi prefeita de Fortaleza entre 1986 e 1988

Boicote à Maria Luiza?

"Isso (boicote à Maria Luiza) é lenda (risos), pelo contrário. A Maria Luiza era orientada por um grupo extremamente radical. Esse grupo tinha, faleceu há pouco tempo, a Rosa da Fonsêca. No final eram minhas amigas, hoje são minhas amigas. A Rosa não, porque a Rosa faleceu. Mas eles tinham orientação que naquela época o líder deles (Jorge Paiva) era tão radical que ele vivia clandestinamente ainda porque não aceitou a anistia. Este grupo pretendia que nós estávamos à beira de uma revolução e que tinha de esgarçar ao máximo possível o sistema para que acontecesse a grande transformação e mudança do sistema. E eu fiz tudo para trabalhar junto com a Maria Luiza.

"Nós estávamos com problema de conseguir recursos, não só o Ceará como Fortaleza, e eu consegui recursos para construção de milhares de casas para a Prefeitura de Fortaleza. Eu convidei o ministro para vir aqui assinar esse contrato lá no Cambeba e convidei a Maria Luiza, porque o dinheiro era para ela. Quando foi a hora, a Maria Luiza e a Rosa cercaram o palácio de gente protestando, não queriam deixar o ministro chegar. E a Maria Luiza nem apareceu. Era assim que eles funcionavam. Esse grupo que a influenciava (à Maria).

"Eu acho até que ela era uma boa pessoa, uma pessoa correta, mas estava muito entusiasmada com essa possibilidade de uma revolução iminente, que eles achavam. E não admitiam qualquer tipo de congraçamento e paz, mesmo que fosse em torno de algo pontual e alguma coisa que fosse interesse deles. Lembrando que a Maria Luiza, esse grupo era tão radical que ela foi a primeira pessoa a fazer lockout. Ela fez greve na prefeitura, ela fechou em determinado momento a Prefeitura".

 

A ruptura

"Eu acho que o meu melhor governo foi o primeiro. Porque foi o mais difícil. Esse foi o momento da ruptura. Foi da ruptura de todo esse sistema. Nós colocamos o que havia com certeza nas secretarias todas o que havia de melhor no talento cearense. Em todas as áreas. Fizemos um programa de reestruturação do Estado. Nós saímos sem grandes obras, mas como Estado modelo do Brasil. Veio o Estado de S.Paulo aqui, toda a imprensa brasileira, ver o que aconteceu aqui. Saiu de estado mais endividado, mais caloteiro, mais devedor etc, para o estado que estava em melhores situações administrativas no país inteiro".

 

Maior conquista

"Nesse nesse primeiro momento, eu tive o que eu considero a minha maior vitória, foi a redução da mortalidade infantil. Sabe como começou o programa Agentes de Saúde, que foi o que fez diminuir a mortalidade infantil? Foi o seguinte. Veio uma seca. Primeiro ano, toda essa confusão, e uma seca. O Governo Federal trazia as frentes de trabalho. E um secretário meu, excelente. Não é bom não, excelente. Da Saúde. Tinha ido a Cuba — de novo me chamaram de comunista. E tinha visto uma experiência da China, que chamava Médicos de Pés Descalços. Você ia à comunidade, pegava um líder dessa comunidade, esse líder não tinha conhecimento médico nenhum, ia ser encarregado de visitar 200 famílias, cada um.

"Como é que nós fizemos isso no primeiro momento? Pegamos as frentes de trabalho, que não faziam nada, frente de trabalho e cesta básica. E transformamos em agente de saúde. Carlile Lavor, o secretário. E a mulher dele que era excepcional, doutora Mirian. Ela que fazia a implantação propriamente. Ele era o secretário e ela treinava grupos, esses agentes para sair. O objetivo era reduzir mortalidade infantil. Sair de casa em casa. O que nós dávamos para eles? Uma mochila, uma balancinha, soro, água, açúcar. Qual era a maior causa da mortalidade infantil: diarreia, que desidratava. Eles sabiam na comunidade inteira as mulheres que estavam grávidas e acompanhavam até o nascimento da criança.

"Nós tivemos um contato aqui com o Unicef. Veio o chefe do Unicef aqui e eu disse para ele que nós íamos diminuir a mortalidade infantil em três anos no Ceará. E ele não é que duvidou, ele disse: 'Vai ser difícil. Porque eu acompanho esses casos' e tal. E eu desafiei que fizesse a auditoria, o Unicef, que é um órgão da ONU. E ele topou. Depois de três anos, para surpresa dele, nós tínhamos feito uma diminuição, se não me engano, nós estávamos acima de 100 crianças em cada mil que morriam antes de completar um ano de idade e reduzimos se não me engano para 60. Depois até chegar a 35 no governo seguinte.

"Levamos um prêmio de melhor programa mundial de assistência. Foi nesse primeiro governo, e ele é pouco lembrado. Até o agente de saúde é mais conhecido. Porque o agente de saúde não é como é hoje. Acabou virando a associação dos agentes, acabou virando funcionário público. Não era. Era liderança comunitária que fazia aquilo voluntariamente".

 

Ciro Gomes prefeito

"Eu conheci o Ciro quando fui fazer, eu não era político nem candidato a nada, e a Assembleia, pelo CIC, me convidou para fazer uma palestra sobre economia brasileira. O Ciro era suplente de deputado estadual e tinha acabado de assumir a cadeira. Lá no debate, ele acabou sendo meu grande debatedor, porque ele era muito preparado. E me surpreendeu, porque era um garoto.

"Ele tinha menos de 30 anos. Pensei: esse cara é bom. Quando eu entrei na política, eu o chamei pra vir com o meu grupo, quando eu fui candidato. Ele se elegeu deputado estadual com base em Sobral. E até pela retórica do Ciro, que é de primeiríssima, e a maioria dos deputados antigos contra mim, eu o convidei para ser o líder. Para enfrentar as onças (risos).

"Ele se notabilizou por causa disso, porque como ele é até hoje um orador privilegiado, podia até perder a votação, mas o discurso ele ganhava. A discussão ele ganhava. Você tem um cara para levar isso aqui, brilhante. Eu pedi para ele trazer o título dele para cá, dar o espaço para ele ir adiante".

Posse de Ciro Gomes como prefeito de Fortaleza(Foto: Alcides Freire, em 1º de janeiro de 1989)
Foto: Alcides Freire, em 1º de janeiro de 1989 Posse de Ciro Gomes como prefeito de Fortaleza

Ciro governador

"Aquele momento foi difícil para mim, havia perspectiva de o Sergio (Machado, secretário de Governo de Tasso no primeiro mandato e mais tarde senador) ser o candidato. Mas, na campanha do Ciro a prefeito, ele começou a ficar muito popular e muito conhecido. Onde nós chegávamos o Ciro, essa fama dele de Fortaleza, já tinha em Sobral e começou a correr o Estado. E na hora de escolher o sucessor, era evidente que do ponto de vista de eleitoral, de popularidade, não só o povo, quando chegava ao lugar, o Ciro era aplaudidíssimo. O Sergio Machado, até pelo trabalho que ele fez, trabalho de retranca, não tinha popularidade nenhuma. Fizemos várias pesquisas e pesquisas e pesquisas, mas chegou a hora que era tão claro que o candidato era o Ciro que não teve jeito. Acho que ele (Sergio) nunca compreendeu isso".

 

Cenário nacional

"No governo (Fernando) Collor, nós fizemos uma oposição logo depois do primeiro ano, eu ainda no governo. Eu, até antes do PSDB, comecei a criticar o governo Collor, porque percebi com toda clareza que alguns programas do Nordeste tinham corrupção no meio, uma corrupção institucionalizada. Eu cheguei a reclamar e alertar e não teve eco. E já começamos a ficar alijados aqui no Ceará. Isso coincidiu com o sentimento da bancada nossa em Brasília, que naquela época era dos grandes líderes do PSDB, Mário Covas, Fernando Henrique, Franco Montoro etc. Que também já faziam oposição ao governo Collor e as coisas começaram a aparecer. Nós começamos a ficar muito perto do PT, que em São Paulo já era, em função dos tempos da ditadura militar, para fazer oposição ao Collor.

Aí veio a questão do impeachment e nós formamos, eram três partidos. PSDB, que eu era presidente, garoto. O PMDB, que era o Orestes Quércia presidente. E o PT, que era o Lula o presidente. Nós começamos a trabalhar muito juntos no sentido de coordenar com os três partidos toda a CPI do Collor. Eu fiz uma boa amizade com o Lula nessa época. Chegamos até a imaginar uma candidatura que viria em que o Lula seria o candidato a presidente e eu o candidato a vice. Mas veio o plebiscito do parlamentarismo, em que nós éramos parlamentaristas e o PT não, e aí nós seguimos caminhos diferentes".

FHC durante visita ao Nordeste em 1994(Foto: José Varella/Estadão)
Foto: José Varella/Estadão FHC durante visita ao Nordeste em 1994

FHC

"Veio o impeachment do Collor, assumiu o Itamar (Franco). O Fernando Henrique foi ministro do Itamar e foi um acaso. Foi um acaso o Fernando Henrique ir para a Fazenda. O Fernando Henrique era ministro das Relações Exteriores. O Itamar era um sujeito de um temperamento muito difícil, isso era conhecido. Cara correto e tudo, mas um temperamento difícil. Ele demitiu o primeiro ministro da Fazenda dele, que era o (Gustavo) Krauze. Depois demitiu outro, o Eliseu Resende (entre os dois, houve ainda Paulo Roberto Haddad). Ficou todo mundo meio com medo de ser ministro da Fazenda do Itamar, porque ele brigava. De repente, o Itamar, que ninguém esperava, porque não era a vocação do Fernando Henrique. A vocação do Fernando Henrique era Ministério das Relações Exteriores, que ele gostava. E o Itamar resolve convidá-lo para ser ministro da Fazenda.

"No Ministério da Fazenda, ele fez com um timaço. Tinha um excelente relacionamento na academia, pegou o que havia de melhor na academia, muitos jovens geniozinhos na época, Pérsio Arida, André Lara Resende, Edmar Bacha, Gustavo Franco. Era um timaço. E veio o Plano Real. E a inflação era o câncer da economia brasileira desde o Juscelino Kubitschek. E o Plano Real que deu aquele choque, resolveu a inflação, que era de anos e anos, dezenas de anos. E aí também a mesma coisa, ficou evidente que o candidato era ele. Sucesso que ele tinha tido como ministro da Fazenda, que debelou a inflação que era tida como inflação indebelável no Brasil, foi resolvida naturalmente. Foi um consenso no partido que ele era o candidato a presidente".

 

Retorno ao governo

"Eu acabei o governo, fiquei até o fim, e tive a intenção de ficar fora da política. Tinha feito o que tinha me proposto a fazer, as chamadas mudanças. Mas acabei sendo convidado para presidente do PSDB nacional. Porque nós éramos o único estado onde o PSDB tinha ganhado as eleições, com o Ciro (em 1990). Aí fui me envolvendo de novo na política, dessa vez na política mais nacional. Não tinha reeleição na época, o Ciro antecipou também a saída dele, saiu mais cedo para ser ministro e de novo ficamos sem um candidato aqui e eu fui me envolvendo e aí eu achei que tinha obrigação de ser candidato naquele momento, para que nós não tivéssemos, enfim, para dar continuidade ao trabalho que Ciro e eu tínhamos feito".

 

PT no Ceará

"Nós tínhamos muito bom diálogo com Mário Mamede, com o (José) Guimarães, com o Ilário (Marques) sempre tive diálogo aqui. Daí por diante, a partir do governo Fernando Henrique. Não foi nem do governo Fernando Henrique. Do Fernando Henrique ministro da Fazenda. Eu acho que o PT nacionalmente, como estratégia nacional do PT, começou a nos ter como inimigo número um. Uma estratégia que criou o Bolsonaro. Focar em nos demonizar, demonizar privatização. Uma série de palavras que foram demonizadas e aí nasceu uma nova história dessa demonização do PT em nos forcar. Pediram impeachment, quiseram derrubar o Fernando Henrique várias vezes, aí a coisa esgarçou, ficou realmente difícil no Brasil inteiro.

"Acabou criando o Bolsonaro, porque como a coisa foi esgarçando, esgarçando e esgarçando, ela entrou no ápice com a história dos nós contra eles, tudo é nós contra eles. Criaram um inimigo a ser aniquilado, existia no Brasil um inimigo a ser aniquilado e o foco éramos nós. O que aconteceu? Eu digo que acabaram criando o Bolsonaro. Porque esgarçou e criou uma extrema-direita. Que era nós contra eles, virou o eles contra nós. Desse esgarçamento saiu o Bolsonaro. E saiu essa radicalização e polarização que nós tivemos nessas eleições".

Eu precisava enfrentar, senão eu me desmoralizava e essa turma de policiais tomariam conta. Tinha tido várias reportagens no O POVO sobre um policial corrupto (o caso França). Tinha muito a ver com essa história. E ele (ministro do Exército) me disse: 'Olha, nós não podemos envolver, mas, se passarem do limite, damos as costas largas para você'. E aí eu resolvi enfrentar (Sobre o motim de 1997)

 

Motim da Polícia

"Com certeza aquele momento (paralisação dos policiais em 1997) foi muito difícil. Não sei se foi o mais difícil, porque no governo tem muitos momentos difíceis. Não sei se aquele foi o mais, mas com certeza foi um dos mais difíceis. Porque houve uma infiltração grande de policiais corruptos que não aceitavam determinadas modificações que nós estamos tentando fazer na Polícia Civil, principalmente, e em alguns lugares na Polícia Militar. Uma coisa muito perigosa. Primeiro, era ilegal. Segundo, tinha más intenções.

"Não era uma greve salarial ou por melhores condições de trabalho. Ela tinha intenções de parar algumas modificações que nós estávamos querendo fazer. E terceiro porque o grevista armado é o que aconteceu agora com o Cid (Gomes) lá em Sobral (em 2020, quando o senador foi baleado por policiais amotinados). Sendo que ali (em 1997) era em Fortaleza, e marchando armados com metralhadoras. E era um movimento também nacional, porque tinha acontecido em vários estados. E houve um episódio muito negativo que foi em Minas Gerais, em que na época o governo cedeu. E aqui, quando chegou, quando eles chegaram esse a grau de insubordinação, de saírem armados pelas ruas, fazendo já não só passeata, mas fazendo arruaça e vieram em direção ao (Palácio da) Abolição (sede na época da Secretaria da Segurança Pública).

"Eu estava aqui e contatei, na época era ministro do Exército. Eu não tinha a Polícia, não é? Eu precisava enfrentar, senão eu me desmoralizava e desmoralizava aqui e essa turma de policiais tomariam conta. Tinha tido várias reportagens no O POVO sobre um policial corrupto (o caso França). Tinha muito a ver com essa história. E ele (ministro do Exército) me disse: 'Olha, nós não podemos envolver, mas, se passarem do limite, damos as costas largas para você'. E aí eu resolvi enfrentar. A turma que tinha ficado conosco, era a turma da Polícia Militar mais disciplinada, a Tropa de Choque. O comandante esteve aqui conosco, tivemos uma reunião e disse: 'De tal linha eles não passam'.

"Eles foram muito bem equipados, muito bem armados. E quiseram passar no tiroteio. Quiseram atirar no comandante Mauro Benevides. Acertaram no ombro do comandante. Mas quando acertaram o ombro do Mauro Benevides, a Tropa de Choque botou os dentes de fora e acabou ali. Botou os dentes de fora e nós listamos todos os envolvidos, conseguimos listar todos os envolvidos. Fizemos uma demissão, punição mesmo, demissão de todos aqueles que estavam envolvidos. Terminou aqui. O ministro do Exército e o chefe da Casa Militar vieram aqui me agradecer e parabenizar, que aqui nós paramos o movimento que estava acontecendo no Brasil inteiro".

 

Investigação de policiais

"Naquela época nós fizemos uma mudança radical. Criamos uma Secretaria de Segurança, que não era nem Polícia Militar nem Polícia Civil, estava acima do comandante da Polícia Militar, do chefe da Polícia Civil e Corregedoria. Por causa do caso França. Porque a Corregedoria era feita por eles mesmos.

"Então, nós chamamos o juiz Helder Mesquita e ele criou uma Corregedoria da Polícia. Nós passamos daí, nesse momento na época do meu governo, por crises em função de punições, porque começaram a acontecer, porque a Corregedoria era independente e ligada nem a um comando nem a outro. Ligada ao secretário de Segurança, que foi um general que nós trouxemos do Exército, o Cândido Vargas, e que tinha uma autoridade muito grande por ser general. E não só por ser general. Ele tinha realmente uma postura que inspirava autoridade".

 

Motins posteriores

"Aí já tinha um fato novo, que eu não cheguei a acompanhar de perto para dar opinião. Vi que surgiu uma liderança, que foi o (Capitão) Wagner, na primeira (2011-2012). Essa liderança era diferente das lideranças do meu tempo. Porque ele não era ligado a nenhum esquema de corrupção, nem de gangues internas, de grupos internos. Parecia que não era, o que dava uma certa legitimidade a ele. Isso facilitou que houvesse uma movimentação daquele tipo.

"Essa última (2020) é um absurdo. De novo foi coisa de os caras armados, lá em Sobral. Mesma coisa. Deram um tiro no Cid. Também não justifica o Cid vir de trator em cima deles. Mas, os caras estavam armados. Grevista armado é uma insurreição".

Tasso Jereissati(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Tasso Jereissati

Rejeição entre servidores

"Não diria injustiçado não, diria incompreendido, né? Porque eles (servidores) foram os mais beneficiados. Chegavam a pagar supermercado e o leite das crianças com "gonzaguetas" (emitidas no governo Gonzaga Mota para pagar servidores, que faziam compras em estabelecimentos com essa espécie de vales, que correspondiam a títulos da dívida ativa, e os estabelecimentos podiam compensar o pagamento de impostos).

"O problema é que nós tivemos de mexer em muitas legislações que eram privilégios e que faziam com que você não tivesse o controle da folha. A gente fez demissão em massa, mas nenhum que estivesse trabalhando. Quando nós fizemos o recenciamento dos servidores públicos nos locais de trabalho, nós demitimos primeiro os que não apareciam. Me lembro que nós pagávamos servidor público que morava em Paris, Nova York. Esse foi o primeiro ponto. E esses servidores falavam em nome dos servidores, que estavam sendo injustiçados etc. Tinha servidores que tinham cinco, seis empregos e não compareciam a nenhum deles ou no máximo a um.

"Então, nós limitamos, quem aparece em mais de um lugar e assim por diante. Tinha a famosa Lei Geni. Você exercia determinado cargo comissionado, além do seu salário, você recebia gratificação. Ficava incorporada ao seu salário e você ia acumulando e acumulava na aposentadoria. Tinha pessoa que ganhava em vários lugares e tinha várias gratificações e gratificação. Então, isso tudo nós cortamos. Só que esse tipo de coisa as pessoas não entendem, o funcionário público não entendia. Isso tudo era para defender o salário do funcionário público. Mas faziam os movimentos.

"E aí o PT fez muito mal, porque ele representava muito o funcionário público e davam essa entonação de que eles faziam movimentação, manifestação de que era dos funcionários públicos que estavam sendo perseguidos e coisa assim. Mas ninguém que trabalhasse. Recebia salário normal, não foram sequer tocados. Essa Lei Geni, você vê que são engraçadas as coisas. A maior crítica era a imprensa e na hora que a gente acabou, aí veio o mundo em cima da gente também".

 

Sucessão em 2002

"Aquela eleição é um ponto de inflexão aqui no Ceará, porque dali por diante o nome do Lula passou a ter muita força. Até hoje. Quem elegeu o nosso governador atual foi o Lula. Lula, Lula, Lula. Nessa eleição (2002) foi que nós conhecemos pela primeira vez a força do Lula aqui no Ceará, no Nordeste inteiro e que o nome dele e a presença dele faziam modificar alguns resultados das eleições aqui".

 

Oposição no governo

"Toda essa composição, nós sempre tivemos contra. Nós nunca fizemos aliança com o PMDB. O PMDB foi muito adversário nosso aqui. A gente foi compor com o PMDB agora, na candidatura do Eunício (Oliveira, em 2014) para governador. O PFL também, que era PFL (depois DEM, atualmente fundido no União Brasil), sempre esteve contra. O PFL era o grupo do Adauto, principalmente. Sempre esteve contra. O PT sempre esteve contra. Nós sempre fomos, realmente, um partido de centro. Agora, quem desequilibrou aqui, até hoje desequilibra, é o Lula".

Lúcio Alcântara(Foto: Rafael Cavalcante, em 17/01/2011)
Foto: Rafael Cavalcante, em 17/01/2011 Lúcio Alcântara

Lúcio governador

"Era o mais competitivo, tinha sido vice-governador (do Ciro), era um senador muito respeitado, tinha excelente histórico de trabalho dele de senador. Era o nome naquele momento que aparecia como melhor nome para o PSDB (ser candidato a governador em 2002)".

Ciro Gomes e Juraci Magalhães(Foto: Mauri Melo, em 2/4/1990)
Foto: Mauri Melo, em 2/4/1990 Ciro Gomes e Juraci Magalhães

Juraci Magalhães

"O Juraci foi candidato a vice do Ciro (em 1988, na Prefeitura de Fortaleza) por escolha nossa. Nessa época que nós tínhamos até ali excelente relação. Não excelente, mas uma boa relação com o PSDB e com o PMDB até ali. Que foi a eleição do Ciro para prefeito, dois anos depois da minha eleição de governador.

"Quando, eu já falei, a candidatura do Ciro era evidente que tinha de ser ele o candidato (a governador), então ele teve de sair (da Prefeitura), assumiu o Juraci. Que nós tínhamos confiança. Na verdade, além de ter confiança, a gente tinha um pouco de medo, porque o Juraci sempre teve um temperamento meio, vamos dizer, instável. Tinha medo da instabilidade dele. Mas a relação daí por diante com o PMDB foi se esgarçando. Aí em função... houve um esgarçamento com o Paes de Andrade. Boa parte desses deputados com quem nós tivemos problema eram do PMDB. Esse relacionamento do não-fisiologismo esbarrou muito dentro do PMDB. Eu até livro o Mauro (Benevides), que o Mauro era mais sereno nessa questão. Mas os outros, inclusive o Paes, eram muito agressivos. Foram fazer queixa ao doutor Ulysses (Guimarães). O doutor Ulysses me disse: "Meu filho, você vai ser um excelente governador, mas nunca mais vai ganhar uma eleição na sua vida".

Pelo que eu estava fazendo aqui em casa, que não está ajudando os companheiros. Mas a relação com o pessoal do Juraci continuou boa até o falecimento dele. Nós tínhamos uma relação muito boa. Apesar de que o Juraci tem dois momentos. Completando o mandato do Ciro ele foi muito bem. Depois ele começou a se enrolar um pouco nas próprias pernas".

 

Senador

"Para mim foi muito emocionante. Estava assumindo a cadeira dele (Carlos Jereissati, pai de Tasso, que morreu três meses após tomar posse como senador, em 1963). Meu primeiro discurso (em 2003) no Senado foi saudando o governo Lula, porque eu acreditava nisso muito firmemente, que no Brasil de golpes e golpes e golpes, o Brasil do Café com Leite, da República Velha e que as elites econômicas sempre dominaram o poder, você eleger um presidente da República operário, sindicalista, nordestino, eleito sem uma janela quebrada, um clima de festa, era um marco que dava quase que uma solidificada final nas instituições brasileiras. Foi nesse sentido o discurso. Mas aí depois veio o mensalão. Continuava com uma boa relação com o Lula, apesar de não estar com mais... Mas votei muita coisa com o governo, que ele quis fazer, que era certo. O Lula. Até a chegada do mensalão. Aí começou novamente um afastamento mais agressivo".

 

Estilo Tasso

"No primeiro governo, se eu não fosse duro, eu não tinha conseguido fazer nada. Eu fui duro, muito duro e tinha consciência que em determinados lugares e momentos eu não podia abrir exceção. Se eu abrisse uma exceção, estourava a barragem. Porque fez para fulano, tem que fazer pra sicrano e assim por diante. E posso ter feito até algumas injustiças. Então eu tinha de ser muito duro. Tinha de trincar os dentes e suportar tudo que vinha. E suportei muita coisa. Porque eu estava determinado. Como eu disse, eu só fui candidato a governador para marcar uma posição e para mudar a política no Ceará. E acho que mudei. Mudamos, eu e o grupo que veio comigo. E se não fosse assim eu não teria conseguido. Aí foram as circunstâncias que me obrigaram assim. Já no segundo governo não foi tanto assim. No segundo governo ainda voltaram algumas coisas, mas eu fui mais flexível. Então, tem muito a ver com as circunstância e tem muito a ver Executivo e o Parlamento".

 

Aprendizado no Senado

"No parlamento nacional, eu aprendi muito, eu disse isso no meu discurso. Que no Executivo eu não tive a oportunidade de entender e conviver e entender. Porque você convive com o cara genial, cultíssimo e com o cara ignorante e limitado mentalmente e os dois são meus pares, são iguais. Você convive com nordestino do sertão e com o gaúcho dos pampas. Você convive com o paulista, não estou dizendo que o paulista é arrogante. Mas o paulista, com aquele jeitão de paulista e convive com o carioca. É muita gente muito diferente, de origens diferentes. Sendo que ali todos nós somos iguais, todos somos pares.

"Ninguém pode nem tem condições de se achar ou melhor ou pior do que eles e tem de entender a cabeça do outro, a origem do outro e absorver aquilo que você pode absorver. Se você também tem muita tolerância e respeito ao pensamento alheio, por mais diferente que seja. Senão você não sobrevive. Não sobrevive não, senão você não é capaz de entender a linguagem do Parlamento. Tem muita gente que quebra a cara com isso".

Sobre a carreira política, Tasso Jereissati diz que, em princípio, não havia intenção de entrar na política partidária(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Sobre a carreira política, Tasso Jereissati diz que, em princípio, não havia intenção de entrar na política partidária

 

Rompimento com Lúcio Alcântara

"Sabe que aí é uma coisa que eu não gostaria de falar agora. Não é que eu não gostaria. Eu respeito o Lúcio, mas ele se deixou influenciar muito por amigos e familiares que ao meu ver não casavam com o que eu pensava para o Governo do Estado".

(Rompeu com Lúcio porque o escolhido era Cid?) "Não necessariamente. O problema não foi esse. O problema foi a maneira de ele governar. Por exemplo, eu tenho uma frustração, porque acho que estava indo no caminho certo depois de fazer uma grande mudança no sistema de segurança do Estado. Eu fiz uma coisa audaciosa. Tinha um policial de Nova York. William Bratton, que tinha sido o cara que fez o que chamavam de Tolerância Zero, mas ele não gostava desse nome, e que mudou a segurança de Nova York. Era uma das cidades mais violentas do mundo. E ele tinha acabado de ser demitido pelo prefeito porque ele quis ser candidato a prefeito. Problema político deles lá.

"Então eu fui buscar ele, contratei ele. Ele trouxe uma equipe e nós montamos aqui um sistema de segurança. Estávamos caminhando para montar um sistema muito bacana. Em resumo, você não tem mais na polícia moderna o policial herói, aquele que sai no carro, se expõe, leva o tiro, o herói, o valente. Assim que eu assumi, tinha um delegado aqui: 'É bom, é valente'. Hoje é inteligência e informação. Estava montando um sistema de inteligência e informação.

"Isso trouxe insatisfação. Alguns policiais botaram na cabeça do Lúcio que aquilo era coisa de americano, que não dava certo aqui no Ceará. O Lúcio, quando assumiu desmanchou tudo e aí sim nós voltamos lá quase que para um século atrás, uma coisa que havia sido muito difícil de começar. A primeira coisa, já que não podia, que era constitucional, começava pela unificação das polícias. Elas trabalhavam como se fosse uma só.

"As razões (para romper com Lúcio) foram mais de eu estar muito desiludido com o governo, a maneira de ele governar. Não estou dizendo que é errado ou certo".

 

Derrota em 2010

"Tudo é um aprendizado, né? (Ri.) Mas ali foi de novo: Lula. Marcou muito isso (propaganda na qual pedia voto para Eunício Oliveira e José Pimentel: 'Quem vota em um vota no outro. Quem vota no outro vota no outro e não precisa votar em mais ninguém'). Mas, você se lembra, os candidatos saíram da televisão. Ficou só ele (Lula). Parecia que era ele (o candidato). Ele fez até gravação de telemarketing. A voz do Lula é inconfundível, né? O cara atende o telefone, a voz fala: 'Aqui é o Lula, tô pedindo a você', tem gente que pensa que é o Lula mesmo. Telemarketing massivo. Foi um aprendizado de humildade. A gente aprender que tinha um adversário aqui que realmente eu não podia com ele nesse sentido".

 

Era possível acordo?

"Olha, não é o que eu percebi, não. Como eu disse para você, o Lula era forte, o Lula determinaria a eleição aqui e ninguém queria ficar contra o Lula aqui durante a eleição. Então a escolha naquele momento, oportuna, era para ficar do lado do Lula. E eu fazia oposição ao Lula no Senado Federal. Como disse o general lá: simples assim. E eu entendi, claro, o cara quer ganhar eleição. Eu percebi claramente que ele não queria saber, queria uma aliança que tivesse o Lula. Quem foi? Foi o candidato do PT e do PMDB que era muito ligado ao Lula, que era o Eunício e o Pimentel" (Após a eleição, Cid Gomes disse ao O POVO que Tasso se precipitou, quando ele, Cid, ainda buscava uma articulação para apoiar Tasso).

 

Rompimento com Ciro

"Do Ciro não chegou nem a haver rompimento. Foi nessa mesma época (2010) em que ele fez uma opção clara entre o PT ou ficar comigo. Como a opção dele naquele momento foi o PT por causa da política nacional, houve um afastamento daí por diante, porque nós não seríamos mais companheiros de caminhada aqui no Ceará, que ele tinha tomado outro rumo, que era diferente do nosso. Mas eu nunca cheguei a brigar com ele, nem discutir, nem bater boca, nem nada".

 

Lula recebeu apoio de Tasso no segundo turno da eleição de 2022(Foto: Reprodução/Instagram)
Foto: Reprodução/Instagram Lula recebeu apoio de Tasso no segundo turno da eleição de 2022

Chamado de comunista

"É a segunda. A primeira e a última (eleição). A primeira vez que eu fui (candidato) me chamavam de comunista. Agora de novo (risos), duas vezes que eu sou chamado de comunista.

"Olha, na verdade minha candidata foi a Simone (Tebet). Não ganhou. Foi para o segundo turno Lula e Bolsonaro. O Bolsonaro, eu não vivi esses séculos todos, mas, pelo menos pelos livros de história que eu li, é o pior presidente da história do Brasil. Que colocava em questão princípios fundamentais, desde a democracia. Lembra do Bolsonaro fazendo homenagem ao coronel (Brilhante) Ustra, que foi o maior torturador da polícia na época da revolução. Tinha os torturadores profissionais, ele era torturador por prazer. É só um exemplo da personalidade. Sujeito que coloca aquele ministro da Educação, aquele maluco, o (Abraham) Weintraub. Aquele outro do Ministério da Relações Exteriores (Ernesto Araújo), coloca o (Eduardo) Pazzuello, ex-ministro da Saúde) em plena pandemia, morrendo milhares de brasileiros por dia, e o Pazzuello. E o mais importante de tudo, que era um homem que evidentemente admirava o fechamento de direita. Uma ditadura de direita, autoritarismo de direita.

"Não tive a menor dúvida em apoiar o Lula que, apesar de eu não comungar com as ideias dele totalmente, eu vejo nele um democrata. Por essa razão, com muita convicção. Eu acho até que muitas profissões no Brasil hoje deviam ter um pouco nas suas faculdades educação política, para entender o que são na política determinadas posições e quais são as consequências de determinadas posições. O que foi o fascismo, o que foi o nazismo, como começou e aonde chegou. Por que chegou. Mas infelizmente essa visão muita gente não teve, muita gente educada, muita gente preparada não teve. Eu não tenho a menor dúvida do Lula".

 

Preocupação com a economia com Lula

"Eu estou preocupado, sob o ponto de vista da economia, muito preocupado, principalmente na questão fiscal. Eu acho que nós podemos, corremos risco de perder o controle da dívida. Perdendo o controle da dívida nós vamos ter a subida da inflação. A subida da inflação significa subir juros, subir juros significa não crescimento, não crescimento significa desemprego. Não porque eu fiz isso não. É porque todo mundo que é bem-sucedido faz isso: você não começa gastando, você começa ajeitando as coisas em casa. Se você começa gastando, no fim do governo... Não estou dizendo que vai acontecer, mas estou preocupado que aconteça isso".

 

Aposentadoria?

"Não disputar mais eleição, sim. Eu acho que tudo tem um ciclo na vida da gente e assim meu ciclo se encerra. Mas, ficar discutindo, participando e ajudando o Ceará, o Brasil naquilo que eu puder ajudar. Eu não quero também ficar simplesmente omisso em tudo, não. Quero ter uma vida com mais liberdade, ser dono da minha hora um pouco. Isso é o que eu queria. Mas política eleitoral para mim já passou".

Tasso Jereissati em seu escritório na Torre Iguatemi(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Tasso Jereissati em seu escritório na Torre Iguatemi

Posição política

Eu me acho principalmente, pelos tipos de governos que eu vivi, convivi, enfrentei ou apoiei, um autêntico social-democrata. Entrei por acreditar no PSDB, que era um partido social-democrata, e até hoje não deixei de ter essa linha. Eu conheço poucos políticos, mesmo de esquerda, que tenham a mesma sensibilidade social que eu tive a minha vida inteira, desde o início, de que a minha maior obra foi a redução da mortalidade infantil. Se você andar hoje é outra geração, mas o (projeto) São José foi o que me marcou no interior, as pessoas mais pobres. E ao mesmo tempo sempre tive a consciência da questão do equilíbrio fiscal e de uma economia de mercado em que a função do governo é consertar os desníveis.

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