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Até onde compensa financeiramente o impacto da mineração?
Reportagem Seriada

Até onde compensa financeiramente o impacto da mineração?

"Tesouro" explorado em terras cearenses gerou R$ 12 milhões em repasses para prefeituras, mas destino do recurso é incerto. Com agência reguladora ineficiente, Brasil perde 50% da arrecadação com a mineração, estima estudo. Em meio aos riscos e impactos para comunidades vizinhas, até que ponto esse valor é justo?
Episódio 1

Até onde compensa financeiramente o impacto da mineração?

"Tesouro" explorado em terras cearenses gerou R$ 12 milhões em repasses para prefeituras, mas destino do recurso é incerto. Com agência reguladora ineficiente, Brasil perde 50% da arrecadação com a mineração, estima estudo. Em meio aos riscos e impactos para comunidades vizinhas, até que ponto esse valor é justo?
Episódio 1
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O setor de mineração é um dos que mais geram riquezas no Brasil, respondendo por 4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Viver sem seus derivados na modernidade é impossível. Os medicamentos, as estruturas, a tecnologia e até a transição energética dependem de seus recursos.

E, nesta atividade de exploração, o estado brasileiro assume o papel de “sócio”, já que o solo é um bem nacional.

Mas, em meio à comoção gerada pela crise do afundamento de terras em Maceió (AL), uma lupa sobre o setor é dada. O repasse de royalties "dinheiro que retorna à União, estados e municípios como forma de pagamento em decorrência da exploração do solo pelas empresas" é compensador para a “sócia” nesses projetos?

O setor faturou R$ 120 bilhões somente no primeiro semestre de 2023, numa alta de 6% em relação a igual período de 2022.

Ceará: A quantidade de minas por município

 

No Ceará, o valor da produção mineral alcançou R$ 1,3 bilhão no ano passado, segundo dados do Anuário Mineral Brasileiro.

Já conforme o Sindicato das Indústrias de Mármores, Granitos e Similares do Estado do Ceará (Simagran), puxado pelo setor de rochas ornamentais - o principal dentre os segmentos da mineração no Estado - o setor deve manter estabilidade em 2023.

Mas, conforme dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), o repasse de recursos da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), conhecidos como royalties da mineração, chegou a R$ 12,24 milhões em 2023, até novembro, no Ceará.

E em todo ano passado o repasse foi de R$ 15,1 milhões. Comparado ao valor bruto de produção em 2022, o repasse de CFEM no Ceará não passa de 1,16% do montante obtido pelas empresas.

A maior parte desse repasse é originária de operações mineradoras de rochas ornamentais (44,3% do total, ou R$ 5,4 milhões em 2023). Também aparecem as explorações de calcário (26,7% ou R$ 3,2 milhões) e água mineral (19,79% ou R$ 2,4 milhões).

Em menores proporções, o Ceará ainda possui explorações de dolomito e magnesita, argilas, areia, ferro, gipsita, quartzo entre outros.

Apesar das cifras envolvidas, é difícil ter a certeza de que a parte da sociedade neste ramo está sendo paga da maneira devida.

A ANM revela que cerca de 7,8 mil empresas distintas recolheram CFEM em 2022, no entanto, as desconfianças sobre o montante, alvo de sonegação, são altas.

Um estudo da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) aponta que para cada R$ 1 arrecadado, R$ 1 é sonegado na mineração.

Entre 2006 e 2019, o setor rendeu R$ 30,3 bilhões aos cofres públicos por meio da CFEM, mas o valor da arrecadação deveria ter sido o dobro – R$ 60,6 bilhões.

Arrecadação de CFEM por município (R$ em milhões)

 

O POVO apurou que o principal gargalo é a capacidade fiscalizatória da agência reguladora.

Apenas quatro servidores da ANM tiveram de dar conta das cerca de 7,8 mil empresas do setor que fazem a contribuição de CFEM.

Em crise interna devido à falta de pessoal e pouco orçamento, a ANM é ligada ao Ministério de Minas e Energia (MME).

A pasta foi procurada pelo O POVO e respondeu que, desde o início da atual gestão, trabalha para fortalecer a agência reguladora. O primeiro passo tem sido a convocação de novos servidores.

Após pedido, o Governo Federal autorizou a realização de concurso público para provimento de 24 vagas para o cargo de especialista em recursos minerais.

Além disso, foi autorizada a nomeação, em fevereiro de 2023, de 40 candidatos aprovados em concurso anterior.

Outra frente deve ser a valorização salarial dos servidores da ANM.

Em novembro, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) e o MME, em tratativas com o sindicato dos servidores da ANM, chegaram a um consenso sobre a equiparação salarial dos servidores da Agência, que será finalizado em 2026.

As parcelas serão de 40% em janeiro/2024, 40% em janeiro/2025 e 30% em janeiro/2026.

Imagens mostram o avanço do afundamento do solo em mina de Maceió

 

A crise interna na agência que deveria fiscalizar o setor de mineração

O olhar que se tem no mercado sobre o MME é a impressão de que "as Minas" ficam para depois, enquanto toda prioridade é dada "às Energias", conforme O POVO apurou. E a atual situação da ANM seria uma “prova”.

Estimativa feita pela própria Agência aponta que cada novo fiscal atuante da entidade teria potencial de aumentar a arrecadação da CFEM em R$ 100 milhões por ano.

A crise interna na agência, no entanto, vai além. Os escassos recursos de CFEM que deveriam ser destinados aos municípios sofreram atrasos neste ano.

Uma greve geral de servidores em meio à mudança de legislação sobre a CFEM foi o estopim.

O último repasse aos municípios impactados pela atividade de mineração ocorreu em maio de 2023.

"A descontinuidade no repasse se deu por alteração na legislação, em particular, a Lei 14.514/2022, que permitiu que a CFEM pudesse ser distribuída aos municípios produtores de minérios e impactados pela atividade mineral, bem como aos municípios vizinhos aos produtores."

Com decreto regulamentador assinado em agosto e publicação da Resolução ANM 143, em novembro passado, uma lista provisória dos beneficiados foi divulgada.

Segundo a Agência, cerca de R$ 400 milhões estão na fila para serem repassados aos municípios ainda em dezembro.

A legislação sobre a distribuição de royalties estabelece que, além de estados, União e municípios mineradores, a ANM tem direito a 7% do que é recolhido.

Então, o que se tem atualmente é a própria agência impactada com a greve, já que grande parte desses recursos estava contingenciada.

 

Há um movimento do próprio mercado de mineração para que haja o fortalecimento da agência.

O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa as maiores empresas do setor, faz parte desse movimento. "Sem recursos, a fragilidade prejudica o trabalho de seus técnicos.

Ainda de acordo com o Ibram, permitir que a agência continue em condições precárias põe em risco operações minerárias, deixa espaços livres para a exploração ilegal de minérios, citam, logo no momento em que lutam contra o ganho de força do garimpo ilegal no Brasil.

"Fortalecer a ANM é caminhar com vigor para estabelecer reais condições de desenvolvimento sustentável para os setores econômicos. Ao setor empresarial interessa um órgão regulador forte - assim há maior segurança para investidores aportarem capital em projetos no Brasil, por exemplo".

Em resposta, o MME detalha que para melhorar a operação da ANM e de forma a dar celeridade aos processos de análise, publicou a Portaria nº 70/2023, que orienta o uso da inspeção acreditada em empreendimentos minerários.

“O normativo tem como objetivo modernizar os processos e trazer mais confiabilidade aos pedidos que chegarem à ANM. O ministro Alexandre Silveira e a Secretaria Nacional de Geologia, Mineração e Transformação Mineral continuarão trabalhando para tornar o setor ainda mais forte, garantindo uma mineração mais segura, sustentável e que entregue retornos sociais à população”, diz em nota. 

 

 

Como os recursos da CFEM devem ser utilizados

 

As regras de utilização dos recursos provenientes da CFEM são expressas: de acordo com a ANM, não podem ser usados para o pagamento de dívidas (exceto com a União) e de salários de pessoal permanente (exceto da área de educação).

Sugere-se que os recursos sejam aplicados em projetos de diversificação econômica, saúde, educação e infraestrutura.

A forma como os municípios fazem uso dos recursos originados na atividade de mineração é foco de um prêmio nacional idealizado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e realizado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e pela ONG Agenda Pública.

Em 2023, foi realizada a 2ª edição do prêmio e, dentre os 200 finalistas da primeira fase, duas cidades cearenses se destacaram: Ocara e Uruoca.

"O objetivo do prêmio é mapear e reconhecer o bom desempenho da gestão nos municípios com atividades de mineração. Queremos destacar boas práticas na entrega de serviços públicos à população, resultado de uma boa governança pública", afirma Sérgio Andrade, cientista político e diretor executivo da Agenda Pública.

O prêmio não prevê inscrições e a classificação será dada a partir de análise de dados, em que serão selecionadas 24 práticas finalistas.

Para além dos méritos a quem merece, a realidade é distinta e cresce a discussão sobre a forma como esses recursos advindos das atividades mineradoras são utilizados.

Não é incomum ver que cidades onde grandiosos investidores do setor extraem riquezas, sejam cidades com extrema pobreza.

O POVO apurou que, apesar de haver uma regra estabelecendo que o uso dos recursos do CFEM seja restrito ao desenvolvimento de outras atividades econômicas - sob a lógica de prever o fim de uma jazida finita como é comum na mineração -, a realidade é diferente.

Uma decisão de corte superior passou a permitir que os recursos fossem utilizados de forma livre pelas gestões municipais.

Isso faz com que, apesar da regra da CFEM, as prefeituras gastem com outras finalidades, que podem ser saúde, educação, mas também pagamento de pessoal.

A questão chegou até Brasília e a temática transparência e impacto dos royalties da mineração nos municípios já chegou a ser tema de seminário, em junho, e a Frente Parlamentar da Mineração Sustentável (FPMin), formada recentemente, ganhou força.

Liderada pelo deputado federal Zé Silva (Solidariedade/MG), a FPMin tem dentre suas prioridades o empenho em assegurar que os recursos da CFEM sejam utilizados de forma responsável, direcionando-os para investimentos que promovam, efetivamente, o desenvolvimento sustentável das regiões impactadas pela atividade mineral.

No fim de outubro, a FPMin conseguiu avançar na proposta do Projeto de Lei 2138/2022, que vincula a utilização dos royalties da mineração estritamente a despesas de capital para modificar a base econômica produtiva dos entes federados beneficiários.

Após aprovação na Comissão de Minas e Energia da Câmara, a proposta deve ser discutida na Comissão de Finanças e Tributação, antes de chegar ao plenário.

Para o deputado federal Zé Silva (Solidariedade/MG), presidente da FPMin, o correto uso da CFEM representa a possibilidade de acabar com municípios mineradores "pobres".

"Como o minério não tem duas safras, é importante que a CFEM seja utilizada para investimento em infraestrutura, saúde, educação, logística e na geração de conhecimento, ou seja, garantir melhores condições de vida para as populações atuais e também para as gerações futuras". 

 

 

O setor de mineração no Ceará

 

O desastre ocorrido em Maceió é um fato que não pode ser comparado com qualquer risco operacional das atividades de mineração hoje instaladas no Ceará.

Diferentemente de lá, a maioria das operações mineradoras no Estado é do tipo mineração a céu aberto.

Sejam nas rochas ornamentais ou nas pedreiras que exploram brita, cascalho e outros derivados utilizados na construção civil, essas operações, seus riscos e retornos são diferentes.

Tomás Figueiredo Filho, advogado e consultor especialista em Mineração, além de ex-diretor da ANM, ressalta que a mineração está muito ligada com a história recente da vida no Ceará.

Ele cita o caso de pontos turísticos, como o Buraco Azul, em Jericoacoara, que já foi uma cava de mineração de areia para construção de estradas naquela região.

Após o fim da exploração, o espaço do buraco foi submergido pelas chuvas e a água ficou com uma coloração diferenciada.

Ele destaca que novas operações mineradoras devem aparecer no Estado nos próximos anos.

Existem estudos para exploração de platina e paládio, outro projeto inclui a exploração de ouro na região do Sertão Central, temos uma das três províncias geológicas conhecidas de lítio do Brasil, em Solonópole, além de algumas jazidas de minério de ferro pequenas, em Sobral, Quiterianópolis e Tauá.

"O Ceará tem em sua terra alguns minérios interessantes do ponto de vista de valor agregado. Existem projetos que estão em fases de estudo, mas ainda não teríamos como gerar o valor de produção similar a estados como o Pará", pontua.

Outro projeto que promete gerar investimentos no setor de mineração do Ceará é a exploração de urânio e fosfato, em Santa Quitéria.

Na jazida de Itataia, o fosfato é predominante, com reservas de 8,9 milhões de toneladas e as de urânio de 80 mil toneladas.

O aporte na operação seria de R$ 2,3 bilhões, um dos maiores investimentos já realizados não somente no setor de mineração do Estado, mas dentre todas as atividades econômicas.

Segundo memorando de entendimento assinado entre o Consórcio Santa Quitéria e o Governo do Ceará, o principal objetivo é a produção de fertilizante fosfatado (99,8% do total) e concentrado de urânio, em sua forma não enriquecida.

Presidente do Simagran, Carlos Rubens Alencar, observa que os olhares do público quando ouvem falar sobre o setor de mineração têm se tornado negativos, o que não considera justo pela importância da atividade.

"O setor de mineração é visto como patinho feio. Mas sem mineração não há vida moderna. E na nossa operação são raros os acidentes", afirma o presidente do Simagran, comparando com acidentes aéreos, que são raros, mas chamam bastante atenção quando acontecem.

Carlos Rubens destaca que existem centenas de unidades produtivas de mineração, mas que operam seguindo as normas estabelecidas e trabalham para adotar as melhores práticas de sustentabilidade e gestão.

Sobre os conflitos "pontuais" com comunidades, destaca que esse problema é decorrente da falta de planejamento urbano dos municípios. Segundo ele, os bairros têm crescido desordenadamente no rumo das pedreiras, como ocorre na Região Metropolitana de Fortaleza.

Carlos Rubens ainda destaca o papel do setor de mineração no desenvolvimento econômico do Estado, já que o setor tem por característica interiorizar investimentos. "Nós estamos presentes lá no Interior que só tem pedra, poeira e muito sol".

Alerta máximo: repórter da CBN Maceió atualiza informações sobre colapso em mina | O POVO News

 

 

A convivência nem sempre amigável entre mineradores, sociedade e natureza

 

Um dos exemplos claros de que a convivência de mineradoras com ocupações urbanas nem sempre é pacífica é a relação de uma pedreira localizada nos limites das cidades de Fortaleza e Eusébio.

Há mais de 30 anos em operação na exploração de calcário, sempre teve em sua vizinhança empresas afins, como de concreto, cimento e fornecedor de fertilizantes.

No entanto, com a especulação imobiliária de alto padrão, um condomínio de luxo foi construído e a operação teve de ser reduzida em quase 100%.

A relação na vizinhança não é amigável. Na avaliação da empresa de mineração, na internet, comentários negativos são variados.

"Grande risco aos vizinhos e transeuntes. No fim de 2019, uma pedra atirada durante uma explosão quase atinge uma criança", disse um, enquanto outro comentou sobre a poluição do ar.

 

 

Mudança de perfil da mineração cearense

 

Pedro D'Andrea, geógrafo e pesquisador na área de Mineração e membro do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), frisa que os dados apontam um crescimento importante do setor e uma mudança de perfil da mineração cearense, antes dominada pela operação de agregados da construção civil e rochas ornamentais.

"A mineração no Ceará existe há quase 90 anos, mas o crescimento do interesse do capital mineral sobre o Estado é recente, sobretudo de 2010 para cá".

Para Pedro, a partir desse movimento, o Ceará teria a oportunidade de mudar o paradigma e impor limites claros para o tipo de exploração mineral aceitável para o Estado, num modelo sustentável social, econômico e ambientalmente.

"O que observo é um problema muito grave. Temos tentado sentar com o governo, mas ele tem se mostrado muito pouco disposto a pensar um outro modelo de mineração", aponta.

No caso da exploração em Santa Quitéria, uma das cidades mais pobres do Nordeste, em que falta na região infraestruturas operacionais para o negócio, como também para atendimento da população, como saúde e assistência social, revela um quadro perigoso.

"A comunidade está refém do interesse e do poder que essas mineradoras têm sobre a orientação do modelo a ser seguido no Governo do Ceará", diz.

A Superintendência de Meio Ambiente (Semace) foi consultada pelo O POVO para saber sobre quais as principais infrações que o setor de mineração acaba cometendo no Ceará.

Segundo os dados, a maioria das autuações diz respeito à extração mineral sem licenciamento ambiental válido.

As principais irregularidades envolvem a extração de areia e argila, tanto em leito de rio quanto desassociada a um recurso hídrico.

A Semace revela que, nos últimos cinco anos foram aplicadas 52 multas. Os valores, somados, chegam a R$ 679,6 mil no período.

Se dividirmos o montante das multas pela quantidade de autuações pelo órgão ambiental, o valor médio é de R$ 13 mil.

Apesar de ser o setor mais problemático na irregularidade, a Semace ainda aponta que mais de 2,7 mil empresas possuem licença de operação para exploração de areia, argila e saibro.

Outras 125 licenças de instalação foram emitidas, além de mais 177 empreendimentos com licença prévia de operação.

 

 

Os conflitos deflagrados a partir da exploração de minérios nas comunidades

 

O caso da Braskem em Maceió não é o primeiro em que a atividade de mineração acaba por gerar conflitos com comunidades no entorno.

Além do impacto social que algumas operações geram, problemas ambientais também têm se tornado comuns na história recente. No Ceará, um litígio recente merece destaque.

Caso que gerou grande repercussão no Estado foi a denúncia de que rejeitos de minério de ferro estariam sendo descartados no Rio Poti, em Quiterianópolis.

O POVO noticiou, em 2019, mostrando que a mineradora responsável pelo problema já havia sido autuada por 14 vezes por órgãos ambientais por crimes contra o meio ambiente e práticas insustentáveis.

As autuações afirmavam que as comunidades da serra do Besouro, do Badarro, e parte do rio Poti estavam sendo atingidas por contaminação ainda não mensurada.

Veja as autuações contra a Globest; clique para ampliar

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O vazamento de rejeitos tinha o potencial de atingir o açude Flor do Campo, principal fonte de abastecimento de Novo Oriente e outros municípios.Essa contaminação, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), teria ocorrido em decorrência das fortes chuvas de 2019.

O material escorreu para o curso d´água, que nasce em Quiterianópolis, atravessa o Ceará, corta o Piauí e deságua no oceano Atlântico pelo rio Parnaíba.

Naquele mesmo ano, em maio, foi realizada uma audiência pública com presenças de autoridades do Estado, Legislativo e Justiça, além de pesquisadores que estiveram fazendo estudos na região.

Na oportunidade, foram discutidas medidas a serem aplicadas para diminuir os impactos da mineração na região de Quiterianópolis.

Técnico dos Laboratórios de Materiais do Núcleo de Tecnologia Industrial do Ceará (Nutec), Fernando Bacelar, afirmou "não ser conclusiva a influência da atividade mineradora na poluição do Rio Poti, havendo necessidade de análises complementares para a conclusão acerca do respectivo nexo de causal."

No entanto, em agosto de 2021, ao não receber retorno da Globest sobre ações necessárias para cessar danos ambientais causado em 2019 e para reparar/compensar a degradação da área atingida pelos rejeitos, o MPCE ajuizou uma Ação Civil Pública por danos ambientais e imateriais praticados pela empresa.

A Ação cobra da companhia medidas para revitalizar a região afetada (comunidades de Bandarro e Besouro, zona rural de Quiterianópolis) e, por fim, estipulação de indenização em dinheiro pelo Juízo de primeiro grau.

Ao O POVO, o Ministério Público do Estado do Ceará (MP-CE) informou por meio de nota que a promotoria de Quiterianópolis ajuizou uma Ação Civil Pública contra a Globest.

A empresa se manifestou argumentando que suas atividades estavam paralisadas desde o fim de 2017 e que a Semace, em 2020, afirmou em relatório técnico que o Plano de Recuperação de Área Degradada (Prad) havia atendido às demandas de forma satisfatória.

A Globest ainda informou que, passado o impacto da pandemia, contratou equipe de técnicos composta por geólogos e engenheiros para minimizar eventuais danos ambientais na região de influência da mineradora.

A Semace, por meio do Relatório nº 1379/2019, concluiu, em avaliação preliminar, que as análises físico-químicas realizadas não mostram indícios confirmativos da hipótese de contaminação ambiental das águas do rio por atividade de mineração e que, na atividade, a demandada não utilizaria água para lavagem de minério por conta que de bobinas imantadas.

Em outra frente, o MP-CE segue atuando contra a Globest, em Ação Penal na 1ª Vara Criminal de Tauá. A continuação da audiência de instrução foi agendada para 11 de dezembro.

Mas passados quatro anos do despejo de rejeitos de mineração no Rio Poti, a Globest continua expandindo suas operações em Quiterianópolis.

Mineradora pertencente ao grupo chinês Prosperity, trabalha agora para potencializar as exportações de minério de ferro extraído no Ceará. O foco agora é o mercado europeu.

Para isso, no início de 2023, a empresa firmou um acordo com o Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp) para exportar 240 mil toneladas de minério de ferro em 12 meses.

Assim, o minério de ferro extraído e beneficiado pelo grupo chinês em Quiterianópolis é transportado ao Pecém e segue em rota com destino ao Porto de Antuérpia (Bélgica).

 

Veja o antes e depois de bairro de Maceió afetado pelo risco de afundamento

 

>> Ponto de vista

Vidas afundadas em Maceió

 Por Lennon Costa (*)

Em outubro deste ano, durante viagem de férias, estive por alguns dias em Maceió-AL. O foco, inicialmente, era conhecer as belas praias da região e a orla, citada por muitas pessoas como a "mais bonita do Brasil", mas ao chegar lá, um cenário muito triste se apresentou.

 Lennon Costa, jornalista, é repórter de Economia do O POVO
Lennon Costa, jornalista, é repórter de Economia do O POVO Crédito: FÁBIO LIMA
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Eu até já tinha visto notícias sobre o afundamento de algumas regiões da cidade, mas nunca tinha buscado me aprofundar no assunto. No entanto, ao chegar lá, entre conversas com algumas pessoas, fui entendendo melhor todo o contexto e me revoltando junto com a população local.

Em 2018, alguns tremores de terra foram sentidos em alguns bairros da capital alagoana. Após alguns estudos, foi constatado que essa inconsistência no solo foi causada por um vazamento do líquido de 35 minas de sal-gema da mineradora Braskem, que explorava o solo do local há 40 anos.

Esse vazamento causou instabilidade e passou a gerar buracos nas vias e rachaduras nas casas e prédios, fazendo com que cinco bairros fossem desapropriados e isolados, sob o risco de uma tragédia.

Cerca de 60 mil moradores deixaram suas casas à época, com a promessa de que seriam indenizados pela Braskem, enquanto a mesma começou um processo de fechamento das minas. Estima-se que 200 mil pessoas sofreram impactos diretos pelo desastre.

Nesta semana, um novo trecho do bairro Mutange foi isolado, e a prefeitura local decretou estado de emergência no município, com risco de colapsos em uma nova mina, que pode ainda causar um efeito cascata e colapsar outras.

Voltando à minha viagem de férias, meu primeiro contato com a tragédia foi em uma conversa com um morador.

Estávamos fazendo um passeio turístico pelo litoral sul, e ao passarmos pela Praia do Francês, no município de Marechal Deodoro, região metropolitana de Maceió, atravessamos por uma área de dunas escavadas, e ele nos falou que era dali que a Braskem (que já admitiu) estava retirando a terra para preencher os buracos nas regiões dos afundamentos.

Mas isso não seria um crime ambiental? Ora, a fauna e a flora local são dependentes dessas dunas, e uma intervenção ali gera uma série de impactos para as espécies locais.

No dia seguinte, visitei uma exposição fotográfica na sede do Iphan em Alagoas, que traz diversas fotografias de pichações nos muros de casas de ex-moradores das regiões afetadas.

Frases como "o amor morou aqui, mas foi expulso pela cobiça", "amarei eternamente minha casa e Bebedouro (bairro)", "morávamos há 64 anos, a Braskem afundou sonhos" e "aqui morava uma família" estavam estampadas em uma galeria.

Essa exposição me deixou ainda mais curioso e, no meu último dia de viagem, cancelei o passeio que eu faria pelas praias do litoral Norte e resolvi ir ao Parque Municipal de Maceió, que fica no bairro do Bebedouro, um dos que tiveram parte do território desapropriado.

A minha ideia, além de conhecer o parque em si, era ver o entorno daquela região, como estava aquele espaço.

Logo na ida, quando passávamos, todas as casas eram repletas de concreto onde seriam as entradas, ou tiras de metal bloqueando o acesso às residências. Além de prédios enormes completamente vazios, espaços históricos interditados e ruas desertas.

Eu fiquei em choque. Não tinha ideia de que a área afetada era tão grande. Não tinha ideia que tantas pessoas tinham sido afetadas.

No caminho de volta, peguei o carro de aplicativo e fui por dentro dos bairros afetados.

O motorista disse que andava muito naquela região na infância, que conhecia várias famílias que tiveram de sair de suas casas, e relatou ainda que conhece gente que sequer recebeu a devida indenização ainda.

Relata ainda que houve casos de suicídio, de pessoas que não suportaram ter de deixar as residências que viveram durante toda a vida.

O caminho que passamos, apesar de não ter mais moradores, ainda estava com a estrada liberada, com placas que indicavam como "rota de fuga". Também encontramos alguns avisos da Braskem no local, que informava que a empresa estava trabalhando ali para o fechamento dos poços de sal.

Além disso, era comum ver diversos cartazes e pichações contra a Braskem, de ex-moradores que pediam justiça.

A cada quarteirão, a dor por imaginar que aquelas ruas deveriam estar repletas de pessoas sonhadoras, mas se tornaram espaços fantasmas. Dói pensar que cada porta tampada com tijolos ali eram sonhos de uma família. Saí de lá arrasado, mas também revoltado com tudo o que vi.

(*) Por Lennon Costa, repórter de economia do O POVO

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