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Quais as consequências para o mundo da política ambiental de Trump
Reportagem Especial

Quais as consequências para o mundo da política ambiental de Trump

Saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris significa o fim de compromissos assumidos para conter emissões de gases causadores do efeito estufa. É ainda sinal para outros grandes emissores afrouxarem os próprios compromissos, principalmente a China. Energias renováveis perderão investimentos. Tudo isso numa década que os cientistas consideram fundamental para a ação climática

Quais as consequências para o mundo da política ambiental de Trump

Saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris significa o fim de compromissos assumidos para conter emissões de gases causadores do efeito estufa. É ainda sinal para outros grandes emissores afrouxarem os próprios compromissos, principalmente a China. Energias renováveis perderão investimentos. Tudo isso numa década que os cientistas consideram fundamental para a ação climática
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Quando o presidente Donald Trump assinou a ordem executiva para retirar os Estados Unidos do Acordo Climático de Paris, colocou os Estados Unidos entre um pequeno número de países, incluindo Irã e Iêmen, que não fazem parte do pacto internacional. O gesto foi uma das primeiras atitudes no retorno à Casa Branca, e repete o que ele já havia feito no primeiro mandato. 

Trata-se do cartão de visitas de um programa com objetivo de acabar com regras ambientais, vistas como maneira de impedir o progresso do País. Trump rejeita limitações às emissões de gases do efeito estufa e projeta impulso a uma industrialização movida a combustíveis fósseis.

 

"Nesta década crucial para a ação climática, isso é, claro, devastador" Laura Schäfer, da ONG ambiental e de direitos humanos Germanwatch, sobre a saída dos EUA do Acordo de Paris

 

A guinada ambiental da maior economia do planeta ocorre num momento particularmente sensível, quando os cientistas afirmam haver a última oportunidade para evitar efeitos ainda mais drásticos da mudança climática. A postura a partir de Washington pode ser a senha para outros países também abandonarem o rigor em relação aos próprios compromissos. 

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. Foto oficial(Foto: Daniel Torok/ divulgação)
Foto: Daniel Torok/ divulgação Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. Foto oficial

Principalmente, a posição dos Estados Unidos tira pressão da China, maior emissora de gases do efeito estufa do mundo. Ainda assim, a saída decidida por Trump não significa a implosão do Acordo de Paris.

Os Estados Unidos também saíram do pacto climático da outra vez em que Trump foi presidente, mas Joe Biden reverteu essa decisão quando assumiu o cargo em 2021.

Investir nas reservas de petróleo e gás dos Estados Unidos foi promessa de campanha de Trump, que também corta recursos para energias renováveis. Uma das primeiras ações do presidente foi suspender novas concessões de energia eólica offshore.

No passado, Trump se opôs a este tipo de produção de energia— um mercado em rápido crescimento nos EUA — chamando as turbinas de "um desastre econômico e ambiental". Espera-se que o novo presidente também se desfaça de algumas ou todas as políticas climáticas implementadas por seu antecessor, Joe Biden, incluindo partes da Lei de Redução da Inflação de 2022 (IRA).

A IRA tem como objetivo aumentar a energia renovável, os empregos verdes e combater as mudanças climáticas.

 

 

Disputa dos EUA com a China

Os Estados Unidos são o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. A China está na primeira colocação. A batalha econômica entre os países está no centro do discurso de Trump. "Os Estados Unidos não irão sabotar nossas próprias indústrias enquanto a China polui impunemente", disse Trump.

O ministério das Relações Exteriores da China respondeu imediatamente, expressando preocupação sobre a retirada dos Estados Unidos e dizendo que o país responderá ativamente às mudanças climáticas e promoverá conjuntamente a transição global para uma economia de baixo carbono.

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Sozinha, a China é responsável por cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa, contribuindo com 32% das emissões. Os Estados Unidos emitem 13,6%, seguidos pela União Europeia, segundo o Climate Watch.

O Acordo de Paris convoca os governos a tomarem ações para limitar o aumento da temperatura global a 2 ºC acima dos níveis pré-industriais e a perseguirem esforços para manter as temperaturas abaixo de 1,5 ºC para evitar os piores impactos da crise climática.

 

 

"Sinal para outros reduzirem compromissos"

A retirada dos EUA do Acordo de Paris removeria a obrigação do país de reduzir as emissões, alertou Laura Schäfer, da ONG ambiental e de direitos humanos Germanwatch.

"Nesta década crucial para a ação climática, isso é, claro, devastador", disse ela. "Isso poderia ser um sinal para outros países reduzirem seu compromisso com a mitigação climática. Poderia diminuir a pressão sobre outros grandes emissores como a China. As emissões dos EUA desempenham um papel importante na questão de se conseguiremos manter o aquecimento global abaixo de 2 graus e 1,5 grau", afirmou.

Cientistas dizem que a janela para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C está se fechando, com temperaturas médias globais já atingindo este teto.

 

 

Brasil sediará conferência

Sob o Acordo de Paris, os países são obrigados a registrar as emissões e apresentar metas de redução a cada cinco anos, com a rodada prevista para ser apresentada antes de fevereiro, em preparação para a conferência climática COP30, que ocorrerá em Belém, no Brasil, em novembro de 2025.

A administração do ex-presidente Joe Biden apresentou as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) dos EUA em dezembro. Elas delinearam compromissos para reduzir as emissões líquidas entre 61% e 66% até 2035, em comparação com os níveis de 2005.

Belém (PA) sediará a COP30, em novembro(Foto: Bruna Brandão/ MTUR)
Foto: Bruna Brandão/ MTUR Belém (PA) sediará a COP30, em novembro

"Sair de Paris essencialmente remove de fato a NDC", disse David Waskow, diretor da Iniciativa Climática Internacional no World Resources Institute, com sede nos EUA.

"O importante sobre a NDC e o que a administração Biden fez é que ela estabelece uma marca, uma estrela-guia, para o que os Estados Unidos precisam fazer em relação às mudanças climáticas. Então, essa redução realmente estabelece um efeito de sinalização claro, um farol para o que precisa ser feito pelas cidades e estados dos EUA", afirmou.

 

 

Quem vai liderar os esforços climáticos nos EUA?

Durante o primeiro mandato de Trump, mais de quatro mil governadores, prefeitos e líderes empresariais de todo os EUA prometeram manter os compromissos do país sob o Acordo de Paris por meio da coalizão "We Are Still In".

Após a vitória de Trump nas eleições de 2024, alguns líderes renovaram o interesse de continuar com a redução de emissões como parte da US Climate Alliance, que afirma ter como objetivo trabalhar por um futuro de emissões líquidas zero.

 David Waskow, diretor da Iniciativa Climática Internacional (Foto: Reprodução X / @davidwaskow) )
Foto: Reprodução X / @davidwaskow) David Waskow, diretor da Iniciativa Climática Internacional

Waskow entende que as cláusulas dentro da IRA dificultarão que Trump revogue toda a lei, especialmente porque os estados republicanos estão recebendo parte dos créditos fiscais e incentivos para projetos de energia limpa e veículos elétricos.

"Pode haver alguns ajustes nas margens, mas acho que a lei pode permanecer intacta. E, em termos de como os outros países internacionalmente reagirão a isso, acho que é importante olhar além do espetáculo de palco de Trump e ver o que está realmente acontecendo na prática", disse Waskow.

Ainda assim, uma análise do veículo especializado britânico Carbon Brief sugere que o mandato de quatro anos de Trump poderia resultar em 4 bilhões de toneladas métricas a mais em emissões de dióxido de carbono lançado na atmosfera até 2030, caso o novo presidente revogue completamente a IRA. Isso é equivalente às emissões anuais combinadas da União Europeia e do Japão.

"Isso deixa claro que esperamos muito mais emissões dos EUA em comparação com o que Joe Biden havia planejado", disse Schäfer.

 

 

Haverá um impacto econômico para os EUA?

Reverter as medidas climáticas pode ter impacto na economia dos EUA, considerando o crescente investimento global em energia verde em comparação com os combustíveis fósseis.

O investimento global em energia em 2024 deve ultrapassar 3 trilhões de dólares (R$ 18 milhões), segundo um relatório da Agência Internacional de Energia, com dois terços desse valor indo para tecnologias limpas como energias renováveis e veículos elétricos, além de outras energias como a nuclear, contra um terço investido em carvão, gás e petróleo.

Li Shuo, especialista em energia no Asia Society Policy Institute, disse que a retirada dos EUA impactaria a capacidade do país de competir com a China nos mercados de energia limpa, como solar e veículos elétricos. "A China tem tudo a ganhar, e os EUA correm o risco de ficar ainda mais para trás", disse ele.

 

 

Próximos passos para uma retirada do Acordo de Paris

Apesar da ação rápida de Trump para retirar os EUA do Acordo de Paris, o país terá de esperar um ano após o recebimento da notificação de retirada para que ela se torne oficial. Isso significa que os EUA ainda compõem o grupo quando a próxima conferência climática COP acontecer.

Ainda não está claro se o governo americano de fato participará da cúpula, mas terá um papel diminuído. Especialistas dizem que a UE e o maior emissor mundial, a China, podem estar prestes a fortalecer sua liderança nas negociações.

Para Waskow, o acordo internacional permanece relevante, mesmo sem os EUA. "[Quase] 90% das emissões globais estão representadas nesse acordo global. Então, isso é extremamente importante," acrescentou ele.

 

 

Indústria pode colocar freio na vontade de Trump de 'abrir torneira do petróleo'

 Da AFP

O desejo do presidente americano, Donald Trump, de aumentar a produção de petróleo e gás nos Estados Unidos pode encontrar limites na vontade do setor petrolífero, que deve cuidar da equação da lucratividade, segundo analistas.

"Drill, baby, drill" ('Perfure, querida, perfure', em tradução livre), declarou o presidente republicano durante seu discurso de posse, no qual também proferiu uma de suas frases características sobre o assunto: “Seremos uma nação rica novamente, e é esse ouro líquido sob nossos pés que ajudará a fazer isso acontecer”, acrescentou o magnata.

Os Estados Unidos já são o maior produtor de petróleo bruto do mundo e o presidente espera aumentar a produção de hidrocarbonetos para “preencher as reservas estratégicas” e “exportar a energia americana para o mundo todo”, disse ele.

Plataforma offshore de petróleo e gás Esther no Oceano Pacífico em 5 de janeiro de 2025 em Seal Beach, Califórnia(Foto: MARIO TAMA / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)
Foto: MARIO TAMA / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP Plataforma offshore de petróleo e gás Esther no Oceano Pacífico em 5 de janeiro de 2025 em Seal Beach, Califórnia

Ele também busca reduzir o custo da energia para os consumidores dos EUA. É por isso que declarou estado de “emergência energética” e removeu as restrições à perfuração de poços em várias áreas, incluindo áreas protegidas no Alasca.

“É difícil conceber a noção de uma 'emergência energética' quando os Estados Unidos produziram 13,2 milhões de barris de petróleo bruto por dia em 2024”, disse Stewart Glickman, da CFRA.

A Agência de Informações sobre Energia dos EUA (EIA) prevê que a produção local chegue a 13,5 milhões de barris por dia (mbd) em 2025, “um novo recorde”, acrescentou o analista. 

 

 

A posição da indústria

Diante da perspectiva de excesso de oferta durante a nova presidência de Trump, com a demanda global perturbando os mercados, os produtores americanos podem se recusar a acelerar o ritmo para evitar que os preços do petróleo caiam demais, disseram os analistas.

As empresas petrolíferas dos EUA “agirão de acordo com seus próprios interesses econômicos e extrairão até verem que é lucrativo” e “isso dependerá do preço do petróleo e do retorno sobre o investimento”, resumiu Andy Lipow, da Lipow Oil Associates.

Algumas das principais empresas petrolíferas já haviam sido cautelosas com relação aos volumes de fornecimento global.

“Vemos níveis recordes de demanda por petróleo e níveis recordes de produtos refinados”, disse Darren Woods, da ExxonMobil, à CNBC em novembro de 2024. Mas “há muito disponível no mundo neste momento, e grande parte dele está vindo dos Estados Unidos”, acrescentou.

Sede da Exxon Mobil em Houston, Texas(Foto: Divulgação/ExxonMovil/David Sundberg)
Foto: Divulgação/ExxonMovil/David Sundberg Sede da Exxon Mobil em Houston, Texas

O executivo falou então em racionamento da produção, lembrando que, após a fusão da Exxon e da Mobil em 1999, o grupo tinha 45 refinarias. Quando ele assumiu o controle em 2021, o grupo tinha apenas 22, disse ele à CNBC.

A estratégia de Trump levanta dúvidas entre os analistas porque a Opep e seus aliados têm 5,8 milhões de barris por dia de capacidade ociosa, observou Robert Yawger, da Mizuho USA.

Oito membros da aliança Opep+, incluindo Arábia Saudita e Rússia, planejaram reverter gradualmente os cortes de produção de 2,2 mbd atualmente em vigor, o que alimentaria os volumes do mercado.

 

 

Justificando aumentos

O novo governo dos EUA “deve justificar os aumentos de produção”, pois eles devem ser “rentáveis”, disse Yawger. “Eles não vão repetir o problema que tivemos no passado, que é um excesso de oferta no mercado e o desaparecimento da galinha dos ovos de ouro”, disse ele.

A explosão do petróleo e do gás de xisto há cerca de 15 anos transformou o setor petrolífero dos EUA. Incomodada com o poder extrativista dos EUA, a Arábia Saudita reagiu inundando o mercado de petróleo e fazendo com que o preço do barril caísse para US$ 26 no WTI dos EUA até 2026.

Parte do setor de petróleo de xisto fechou e os que sobreviveram prometeram controlar melhor seu crescimento e suas finanças no futuro. “As políticas energéticas equivocadas e irracionais acabaram”, resumiu Jeff Eshelman, diretor da organização profissional independente Independent Petroleum Association of America (IPAA), em reação aos anúncios de Trump. “Os vastos recursos dos Estados Unidos serão liberados de forma responsável”, acrescentou.

 

 

Temperatura média do planeta aumentou além do limite simbólico do Acordo de Paris

O mundo viu a temperatura média aumentar, nos últimos dois anos, além de 1,5°C, o limite simbólico estabelecido pelo Acordo de Paris para combater a mudança climática, conforme o serviço europeu Copernicus.

Conforme previsto há meses, 2024 foi o ano mais quente já registrado desde que as estatísticas começaram em 1850, confirmou o Serviço de Mudanças Climáticas (C3S) do observatório europeu. É improvável que o novo ano quebre esses recordes novamente, mas o serviço britânico Met Office alertou que 2025 pode ser um dos três anos mais quentes já registrados.

Em 2025, ano marcado pelo retorno ao poder de Donald Trump nos Estados Unidos, os países também devem anunciar os novos compromissos climáticos, atualizados a cada cinco anos no âmbito do Acordo de Paris de 2015.

O ano de 2024 foi o mais quente desde que há registros(Foto: Reprodução/Pexels - Pixabay )
Foto: Reprodução/Pexels - Pixabay O ano de 2024 foi o mais quente desde que há registros

Os esforços para a redução de gases de efeito estufa estão diminuindo em alguns países ricos: apenas -0,2 pontos percentuais nos Estados Unidos no ano passado, diz um relatório independente. 

Segundo o Copernicus, em 2024 e na média entre 2023-2024, o aquecimento superou 1,5°C em comparação à era pré-industrial.

Isso não significa, porém, que o limite mais ambicioso do Acordo de Paris, que deve durar pelo menos 20 anos, tenha sido cruzado. Mas, "destaca o fato de que as temperaturas globais estão subindo além do que os humanos modernos já vivenciaram". 

De fato, o aquecimento global atual não tem precedentes em pelo menos 120 mil anos, segundo cientistas.

 

 

"Séria advertência"

Esta é uma "séria advertência", diz Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam de Pesquisa de Impacto Climático (PIK). "Tivemos uma prévia de um mundo a 1,5°C, com sofrimento e custos econômicos sem precedentes para as pessoas e a economia global, devido a eventos extremos reforçados pela atividade humana, como secas, inundações, incêndios e tempestades", disse.

Por trás desses números há uma série de desastres agravados pela mudança climática: 1,3 mil mortos em ondas de calor extremo na peregrinação a Meca em junho, inundações históricas na África e na Espanha, furacões violentos nos Estados Unidos e no Caribe. 

Emissão de gases do efeito estufa(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil Emissão de gases do efeito estufa

Em termos econômicos, desastres naturais causaram 320 bilhões de dólares (1,9 trilhão de reais) em perdas no mundo todo, segundo a seguradora Munich Re. 

Restringir o aquecimento a 1,5°C em vez de 2°C, o limite mais alto do Acordo de Paris, reduziria significativamente suas consequências mais catastróficas, segundo o IPCC, o painel de especialistas climáticos da ONU. 

"Todos os anos da última década foram um dos dez mais quentes já registrados", alerta Samantha Burgess, vice-diretora do C3S. 

Os oceanos, que absorvem 90% do excesso de calor causado pela humanidade, também continuaram a aquecer, atingindo um recorde no ano passado. A média anual de suas temperaturas na superfície, excluindo áreas polares, atingiu o nível inédito de 20,87° C, quebrando o recorde de 2023.

 

 

"Em nossas mãos"

Além dos impactos imediatos das ondas de calor marinhas sobre os corais e peixes, esse superaquecimento duradouro dos oceanos, o principal regulador do clima da Terra, afeta as correntes marinhas e atmosféricas. 

Mares mais quentes liberam mais vapor de água na atmosfera, fornecendo energia adicional para tufões, furacões ou tempestades. O Copernicus observa, portanto, que o nível de vapor de água na atmosfera também atingirá um recorde em 2024, aproximadamente 5% acima da média de 1991-2020. 

No ano passado, o mundo testemunhou o fim do fenômeno natural El Niño, que induz ao aquecimento global e aumento de eventos extremos, e uma transição para condições neutras ou o fenômeno oposto, La Niña. 

Especialistas dizem apontam impactos das mudanças climáticas no fenômeno El Niño, causador de secas e enchentes em regiões do planeta(Foto: NELSON ALMEIDA / AFP)
Foto: NELSON ALMEIDA / AFP Especialistas dizem apontam impactos das mudanças climáticas no fenômeno El Niño, causador de secas e enchentes em regiões do planeta

A Organização Meteorológica Mundial alertou em dezembro que seria "curto e de baixa intensidade" e insuficiente para compensar os efeitos da mudança climática. "O futuro está em nossas mãos: ações rápidas e decisivas ainda podem mudar a trajetória do nosso clima futuro", enfatiza Carlo Buontempo, diretor do C3S. 

A COP29 em novembro em Baku, a última grande conferência climática da ONU, terminou com apenas uma nova meta para o financiamento climático e permaneceu quase em silêncio sobre as ambições de redução de gases de efeito estufa e, em particular, a eliminação de combustíveis fósseis.

 

 

Foco dos EUA no petróleo visa a retomar hegemonia industrial, aponta correspondente

Da Agência Brasil

A derrota dos Estados Unidos na disputa pelo protagonismo industrial e a ascensão da China no mercado mundial foram os diagnósticos do jornalista Jamil Chade, correspondente de veículos nacionais e estrangeiros e especialista em política internacional, em entrevista ao programa Natureza Viva, da Rádio Nacional da Amazônia, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

"Os americanos se deram conta que perderam, estão perdendo, a batalha pela hegemonia industrial com a China. Está claríssimo para eles, que essa hegemonia acabou, ela foi transferida para a China. A expectativa é de que a China tenha, até 2030, 40% da produção industrial do mundo", afirmou, em entrevista à jornalista Mara Régia.

 

 

Mais Petróleo

De acordo com ele, a tentativa de retomar a hegemonia industrial está por trás da decisão do presidente Donald Trump em aumentar a produção e uso de petróleo em plena era de aquecimento global causado, principalmente, pelo uso de combustíveis fósseis.

“Segundo os americanos, a única forma hoje de barrar essa hegemonia é voltar de uma forma imediata a produzir localmente e a romper com as dependências externas. E aí, romper com as dependências externas e, acima de tudo, voltar a produzir, claro, com petróleo, com energia fóssil. Então, essa é a situação americana hoje. Ela é muito dramática, vai ter um impacto profundo no mundo inteiro”.

Ativista segura uma placa com os dizeres em francês "Eu sou o clima" enquanto outros ativistas formam uma linha vermelha gigante durante uma manifestação perto do Arco do Triunfo na Avenida de La Grande Armée, em Paris, na COP21, em 2015(Foto: ALAIN JOCARD/AFP)
Foto: ALAIN JOCARD/AFP Ativista segura uma placa com os dizeres em francês "Eu sou o clima" enquanto outros ativistas formam uma linha vermelha gigante durante uma manifestação perto do Arco do Triunfo na Avenida de La Grande Armée, em Paris, na COP21, em 2015

Para Chade, o interesse de aumentar a produção industrial estadunidense movida por petróleo explica a desregulamentação em curso do setor ambiental desde a primeira semana de governo Trump. “Eles olham para a regulação ambiental como uma ameaça, como um entrave econômico, como um problema para a economia”.

 

 

Saída dos EUA do Acordo de Paris deve ser efetivada somente em 2026

 Da Agência Brasil

O artigo 28 do Acordo de Paris determina que o pedido de um país para se retirar do tratado entra em vigor um ano a partir da oficialização do pedido de saída. Embora tenha manifestado uma série de medidas antiambientalistas antes mesmo de ser eleito para o atual mandato, Donald Trump, como no mandato anterior, anunciou a saída apenas do Acordo de Paris e não da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês), que teria como consequência a saída dos dois tratados. 

Para a gerente sênior de ação climática da WRI Brasil, Míriam Garcia, quando a saída dos Estados Unidos for efetivada, o país permanecerá mantendo compromissos globais para enfrentamento da mudança do clima. "Nas diferentes trilhas de negociação, você tem algumas trilhas que são referentes ao Acordo de Paris e a operacionalização do Acordo de Paris, e você tem algumas trilhas que são dadas à questão de orçamento da própria convenção ou de estrutura da convenção. Então, em todas essas esferas, os Estados Unidos ainda continuam", avalia.

Emissão de gases causadores do efeito estufa, relacionados principalmente à queima de combustíveis fósseis, é principal causa de mudança climática(Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas)
Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas Emissão de gases causadores do efeito estufa, relacionados principalmente à queima de combustíveis fósseis, é principal causa de mudança climática

Na avaliação do especialista em política internacional do Instituto ClimaInfo, Bruno Toledo, a saída dos Estados Unidos ocorre hoje em contexto diferente em relação ao primeiro mandato do novamente presidente. "Lá em 2017, era a recém-aprovação do Acordo de Paris, apenas dois anos depois de 2015. Então, de uma certa maneira, digamos que o humor público era muito mais otimista por conta daquele sucesso", destaca. 

Passados dez anos, Toledo considera que houve um desgaste no engajamento das partes do tratado, por não alcançarem consenso para implementação de medidas que garantam a diminuição das emissões dos gases do efeito estufa, e consequente contenção do aumento da temperatura do planeta.

“Em 2017, você ainda tinha um otimismo por conta da experiência de Paris e hoje é muito mais frustração. Então, esse é um risco que a gente não tinha lá atrás. O quanto que essa frustração pode contaminar não apenas países, mas também observadores.”, diz.

Manifestação em Paris em 2015, relacionada à COP21(Foto: ALAIN JOCARD/AFP)
Foto: ALAIN JOCARD/AFP Manifestação em Paris em 2015, relacionada à COP21

Por outro lado, Bruno destaca que tratados multilaterais como o Acordo de Paris ainda são a principal forma de avançar na construção de políticas de enfrentamento às urgências globais, como a mudança do clima. “É o único tratado internacional que nós temos, nos quais praticamente todos os governos do mundo se comprometem com metas de redução de emissões de gás de efeito estufa”, ressalta.

Miriam diz que é preciso lembrar que o Acordo de Paris é resultado de um longo processo de construção de consenso para uma arquitetura intergovernamental que viabilize ações que façam frente aos desafios impostos pela mudança do clima. “É através desse olhar de fortalecimento do multilateralismo e das diferentes ferramentas que existem sob o guarda-chuva do Acordo de Paris que nós vamos conseguir atingir as metas de mitigação e de adaptação.”

Para a especialista, essas metas são dinâmicas e acompanham a volatilidade da geopolítica, mas não devem servir de questionamento de mecanismos multilaterais como o Acordo de Paris. “Precisamos olhar o acordo como um instrumento que garante a participação de todos os países, porque cada país ali tem um voto dos signatários do Acordo de Paris. E buscar nesse espaço multilateral as reformas necessárias para que ele possa continuar respondendo aos desafios que só vão aumentando.”

 

 

Acordo de Paris

O Acordo de Paris é uma das ferramentas da UNFCCC, que foi o primeiro tratado multilateral sobre o tema assinado pelos países na Eco92, no Rio de Janeiro. “O Acordo de Paris é como se fosse um sub acordo, porque ele está dentro de um guarda-chuva maior, que é o da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima”, explica Bruno Toledo.

O especialista recorda que, após a criação desse primeiro tratado, em 1997, houve a criação do Protocolo de Kyoto, que foi a primeira ferramenta desenhada para reduzir as emissões globais.

“No Protocolo de Kyoto, apenas os países desenvolvidos, aqueles industrializados, que tinham compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa, mas infelizmente, por conta de questões políticas, logo em seguida os Estados Unidos, que era parte do protocolo, sai, durante o governo do George W. Bush em 2001, e nisso o tratado acaba perdendo bastante força.”

O protocolo também não alcançava grandes emissores, classificados como países ainda em desenvolvimento. “A China nos anos 90 não estava entre os grandes emissores de gases de efeito estufa, mas toda aquela explosão de crescimento econômico que eles tiveram entre o final dos anos 90 e a segunda metade dos anos 2000 colocaram os chineses como um dos principais emissores do planeta”, recorda.

 

 

Metas do Acordo de Paris

Divergências e tensões políticas entre a China e os Estados Unidos, em 2009, no contexto da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP15) em Copenhague (Dinamarca), travaram um novo acordo. E somente em 2015, as negociações resultaram no Acordo de Paris.

O tratado reúne em 29 artigos os objetivos, regras e metodologias para alcançar as metas de manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, aumentar a capacidade de adaptação aos impactos negativos da mudança do clima e tornar os fluxos financeiros compatíveis com uma trajetória rumo a um desenvolvimento de baixa emissão de gases de efeito estufa e resiliente à mudança do clima.

Também prevê avaliações periódicas, como no artigo 14, que estabelece a elaboração de um Balanço Global para “avaliar o progresso coletivo em direção ao objetivo do Acordo e suas metas de longo prazo”. O primeiro documento foi entregue em Dubai, durante a COP28, em 2023.

Entre as avaliações, estão as estimativas para os esforços globais de mitigação das emissões, o avanço da capacidade de adaptação e os meios de implementação, como financiamento, por exemplo.

Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas - COP21, em Paris (Foto: Arnaud BOUISSOU/Medde)
Foto: Arnaud BOUISSOU/Medde Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas - COP21, em Paris

Diante dos primeiros resultados, os países partes do Acordo de Paris, têm até fevereiro de 2025 para a entrega da terceira geração da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC na sigla em inglês), que define as ambições para a redução de emissões de gases do efeito estufa. O Brasil se antecipou ao prazo, e assumiu o compromisso de diminuir o problema em seu território de 59% até 67%, em 2035.

Para a gerente da WRI Brasil, um bom termômetro para avaliar o engajamento dos países será as ambições apresentadas até a COP30, no Brasil, em novembro.

“Há uma expectativa de que uma boa parte dessas NDCs venham até setembro. E é mais importante ter boas NDCs do que ambições que não estejam tão boas no prazo. Então, é trabalhar para que a gente possa ver retratado nos compromissos que os países colocam para a comunidade internacional uma maior escala das ações de mitigação, um maior reconhecimento sobre a importância de adaptação e o papel do financiamento que cada um desses países colocará”, conclui.

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