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Elevação do Rio Grande: um tesouro escondido no Atlântico Sul
Reportagem Especial

Elevação do Rio Grande: um tesouro escondido no Atlântico Sul

Imagine uma vasta "montanha" submersa no Oceano Atlântico que esconde segredos sobre a formação do nosso planeta e, ao mesmo tempo, guarda riquezas incalculáveis. Essa é a Elevação do Rio Grande (ERG), um enigma geológico que tem despertado grande interesse científico, econômico e geopolítico, especialmente para o Brasil

Elevação do Rio Grande: um tesouro escondido no Atlântico Sul

Imagine uma vasta "montanha" submersa no Oceano Atlântico que esconde segredos sobre a formação do nosso planeta e, ao mesmo tempo, guarda riquezas incalculáveis. Essa é a Elevação do Rio Grande (ERG), um enigma geológico que tem despertado grande interesse científico, econômico e geopolítico, especialmente para o Brasil
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O fundo do oceano é um reino de paisagens impressionantes. Guardião de florestas inteiras, cavernas profundas e animais gigantescos. Entre seus segredos milenares, a Elevação do Rio Grande se destaca: uma cadeia de montanhas a mais de 4 mil metros de profundidade.

A formação geológica é considerada fundamental para entender como o Oceano Atlântico se formou e evoluiu, como as placas continentais se separaram e como os vulcões oceânicos se comportam ao longo do tempo.

 


Além disso, possui um notável potencial econômico, evidenciado pela presença de minerais ricos em cobalto e elementos químicos indispensáveis em tecnologias modernas, incluindo eletrônicos, baterias e energias renováveis.

Agora, o Brasil está buscando ter o controle de exploração nesta região oceânica, o que pode significar um salto na soberania tecnológica e científica do País. Mas o que está em jogo nessa disputa?

 

A jornada de uma cordilheira submarina

Uma das joias da América do Sul. É como podemos nos referir a formação geológica que se estende do norte da Venezuela, passando por Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Argentina até chegar no Chile.

Os Andes, que contornam o lado ocidental da América do Sul, estão entre as mais extensas cordilheiras do mundo.

Seu relevo variado abrange geleiras, vulcões, pradarias, desertos, lagos e florestas. As montanhas abrigam sítios arqueológicos pré-colombianos e vida selvagem, como chinchilas e condores.

A cordilheira dos Andes possui aproximadamente oito mil quilômetros de extensão, sendo a maior cadeia de montanhas do mundo (em comprimento). A sua formação geológica datada no período Terciário, aproximadamente de 66 milhões a 2,6 milhões de anos atrás(Foto: Roman Bonnefoy)
Foto: Roman Bonnefoy A cordilheira dos Andes possui aproximadamente oito mil quilômetros de extensão, sendo a maior cadeia de montanhas do mundo (em comprimento). A sua formação geológica datada no período Terciário, aproximadamente de 66 milhões a 2,6 milhões de anos atrás

Movendo-se para o oeste, para além da costa brasileira, e mais de 4 mil metros abaixo do nível do mar, encontramos uma prima distante dos Andes.

Uma cordilheira submarina, que se estende por mais de 150.000 km² e cujos picos podem estar localizados a menos de 500m de profundidade. Esta é a Elevação do Rio Grande.

Em termos técnicos, a ERG é um planalto assísmico submerso. Em outras palavras, uma estrutura longa, linear e montanhosa que atravessa o fundo do oceano.

Mapa topográfico da Elevação Rio Grande(Foto: Serviço Geológico Brasileiro)
Foto: Serviço Geológico Brasileiro Mapa topográfico da Elevação Rio Grande


A história da Elevação do Rio Grande começa com um evento cósmico em miniatura: uma espécie de bolha gigante de magma subindo das profundezas da Terra.

Pense em uma lâmpada de lava subaquática, na qual um material quente e denso, chamado "pluma mantélica", emerge lentamente, como um vulcão primordial em formação.

Essa "vazamento" de magma, em conjunto com a majestosa Dorsal Mesoatlântica – uma gigantesca cadeia de montanhas que serpenteia pelo centro do oceano –, deu origem a várias formações geológicas semelhantes.

 

Saiba mais sobre a formação das Dorsais Meso-oceânicas 

 

As primeiras páginas dessa história foram escritas há cerca de 100 a 80 milhões de anos, durante o Cretáceo Superior, um tempo em que os dinossauros ainda dominavam a Terra.

Naquela era remota, a Elevação do Rio Grande não era uma entidade submersa; pelo contrário, era um ponto de terra firme em meio ao vasto oceano, testemunhando o florescer e o ocaso de criaturas pré-históricas.

Mas a Elevação do Rio Grande não se contentou em ser apenas uma relíquia esquecida. Ela experimentou um segundo e grandioso espetáculo de fogos de artifício vulcânicos há aproximadamente 46 ou 44 milhões de anos, durante o Eoceno "Período geológico da era Cenozoica, que ocorreu entre aproximadamente 56 milhões e 34 milhões de anos atrás" .

Mapa topográfico da Elevação Rio Grande(Foto: USP)
Foto: USP Mapa topográfico da Elevação Rio Grande

Esse evento foi tão intenso que partes da elevação emergiram novamente, como ilhas vulcânicas recém-nascidas, saudando o sol após milênios de sono.

As rochas desse período são como impressões digitais, revelando composições semelhantes às encontradas em outras ilhas vulcânicas do planeta, como se fossem parentes geológicos distantes.

No entanto, a glória dessas ilhas foi efêmera. Após a explosão de atividade vulcânica, a Elevação do Rio Grande começou um processo de declínio. A erosão, como um escultor invisível, moldou suas superfícies, e ela começou a afundar gradualmente.

Durante um período de clima quente e úmido no Eoceno, as rochas vulcânicas foram transformadas por um intenso intemperismo químico, até que a Elevação do Rio Grande finalmente se entregou ao abraço das profundezas, submergindo por completo.

 

 

O continente perdido sob as ondas

A Elevação do Rio Grande é um laboratório natural repleto de marcas que contam, como uma testemunha ocular, um evento gigantesco: a separação do supercontinente Gondwana, que um dia uniu a América do Sul e a África.

O Rifte Cruzeiro do Sul, por exemplo, é uma profunda "rachadura" na crosta terrestre, com 10-30 km de largura e mais de 1 km de profundidade, cortando transversalmente a área central da ERG.

O rifte "Vale estreito e comprido, resultante do abaixamento de um bloco na crosta terrestre entre falhas ou zonas de falhas aprox. paralela" e outras falhas próximas a ele são como um diário de bordo dos movimentos das placas tectônicas, e nos ajudam a entender como a Elevação do Rio Grande se formou, mudou de lugar e como o Oceano Atlântico foi se abrindo ao longo do tempo.

Imagens do leito submarino feito pelo ROV SuBastian. Imagem de apoio ilustrativo(Foto: Schmidt Ocean Institute )
Foto: Schmidt Ocean Institute Imagens do leito submarino feito pelo ROV SuBastian. Imagem de apoio ilustrativo

Além disso, as camadas de sedimentos, como areia e lama que se acumulam no fundo do mar, e as rochas da Elevação do Rio Grande são como páginas de um diário.

Elas contêm restos de seres vivos marinhos e informações sobre o clima e as condições do oceano em diferentes épocas. É como se os cientistas pudessem "ler" essas páginas para descobrir como era a vida e o ambiente marinho milhões de anos atrás.

Por exemplo, se os pesquisadores encontram camadas de areia grossa, pode indicar que havia correntes fortes ou que a área era mais rasa. Se encontram argilas finas, sugere que aquela porção de terra estava em contato com águas mais calmas e profundas.

Pesquisadores examinam amostras de rocha vulcânica, decidindo a melhor maneira de prosseguir com o exame mais aprofundado, incluindo o corte delas. Imagem de apoio ilustrativo(Foto: Schmidt Ocean Institute )
Foto: Schmidt Ocean Institute Pesquisadores examinam amostras de rocha vulcânica, decidindo a melhor maneira de prosseguir com o exame mais aprofundado, incluindo o corte delas. Imagem de apoio ilustrativo

As diferentes cores e composições também dão pistas sobre o clima da época, a quantidade de oxigênio na água e até mesmo a presença de vulcões próximos.

E nas páginas desse diário de bordo, os fósseis são como os personagens de grandes acontecimentos registrados.

Na Elevação do Rio Grande, os cientistas encontram principalmente vestígios de criaturas marinhas minúsculas, mas incrivelmente importantes.

Há os foraminíferos, seres pequenos que flutuavam ou viviam no fundo do mar. Suas conchas revelam não só a temperatura da água, mas também a profundidade do oceano e até a composição química do ambiente onde nadavam.

Existem também os nanofósseis calcários, ainda menores, que fornecem detalhes sobre as condições do oceano.

Ao identificar quais espécies de nanofósseis estão presentes em cada camada de sedimento, os cientistas conseguem datar as rochas com precisão impressionante, como se cada espécie fosse um "carimbo" de um período específico da história da Terra.

 


Além disso, a presença de certas espécies ou como elas se distribuem também dá pistas sobre a temperatura da água, a salinidade, a quantidade de nutrientes disponíveis e até a profundidade da coluna d'água onde viviam.

E não podemos esquecer dos pterópodes, pequenos moluscos marinhos que também deixaram seus vestígios nas profundezas.

Por terem essas conchas delicadas, eles são especialmente sensíveis às mudanças na química da água do mar, principalmente à sua acidez.

O ROV SuBastian coleta uma amostra geológica de uma chaminé de fonte hidrotermal. Imagem de apoio ilustrativo(Foto: Schmidt Ocean Institute )
Foto: Schmidt Ocean Institute O ROV SuBastian coleta uma amostra geológica de uma chaminé de fonte hidrotermal. Imagem de apoio ilustrativo

Se a água do oceano fica mais ácida (um problema crescente hoje em dia por causa da absorção de CO² da atmosfera), as conchas dos pterópodes têm dificuldade em se formar ou podem até se dissolver.

Então, a presença ou ausência de fósseis de pterópodes em certas camadas de sedimento pode indicar se o oceano, naquele tempo, estava passando por períodos de acidificação.

É como se eles fossem pequenos medidores de pH do oceano antigo, nos dando pistas sobre a composição da água e, por consequência, sobre as condições climáticas e atmosféricas daquela era.

 

 

Tesouros escondidos nas rochas 

A Elevação do Rio Grande não é só um lugar cheio de histórias antigas sobre a Terra, mas um verdadeiro cofre de tesouros. Não estamos falando de moedas de ouro ou joias de piratas, e sim de algo muito mais valioso no mundo de hoje: minerais estratégicos e terras raras.

Não é à toa que o Brasil, por exemplo, já recebeu autorização para explorar cobalto na região, e vários países têm os olhos voltados para essa "montanha" submarina. 

O ROV SuBastian  coleta uma amostra geológica. Imagem de apoio ilustrativo(Foto: Schmidt Ocean Institute )
Foto: Schmidt Ocean Institute O ROV SuBastian coleta uma amostra geológica. Imagem de apoio ilustrativo

A chave para entender isso está nas chamadas crostas ferromanganesíferas (Fe-Mn) que cobrem o fundo da Elevação.

As crostas são uma "casca" escura e dura que se formou nas rochas ao longo de milhões de anos, pintadas pacientemente pelo Oceano com camadas de minerais. Essa "pintura" não é uma tinta comum; ela é rica em elementos químicos importantes que estavam dissolvidos na água do mar.

Então, o que essa "casca" esconde? Ela é um depósito natural de minerais como o cobalto, o níquel e o manganês.

 

Qual a importância da crosta mineral encontrada no Oceano? 


Esses nomes podem soar um pouco técnicos, mas são mais presentes no nosso cotidiano do que podemos pensar.

O cobalto, por exemplo, é crucial para as baterias dos nossos celulares e carros elétricos. O níquel e o manganês são importantes para fabricar aços especiais e outras ligas metálicas.

É como se a Elevação do Rio Grande estivesse oferecendo um "kit de sobrevivência" para a era tecnológica.

Na imagem, os principais minerais portadores de elementos de terras raras(Foto: Serviço Geológico Brasileiro / SGB Educa)
Foto: Serviço Geológico Brasileiro / SGB Educa Na imagem, os principais minerais portadores de elementos de terras raras

Mas a coisa fica ainda mais interessante quando falamos das terras raras. Essas são um grupo de elementos químicos que, apesar do nome, não são tão "raros" de encontrar na crosta terrestre, mas são difíceis de minerar e processar em grandes quantidades.

Eses elementos são essenciais para tudo, desde telas de smartphones, computadores e televisões até equipamentos de alta tecnologia, como turbinas de energia eólica e sistemas de defesa.

A presença de terras raras na Elevação do Rio Grande, junto com a platina (outro metal valioso, usado em joias e catalisadores automotivos), transforma esse platô submerso em uma fonte potencial de recursos de alto valor estratégico para qualquer país.

A forma como essas crostas se formaram também é fascinante. Elas são consideradas "hidrogenéticas", o que significa que se precipitaram diretamente da própria água do mar.

Significa que, ao longo de milhões de anos, a água foi "grudando" esses metais nas rochas, camada por camada.

Algumas dessas crostas datam de cerca de 47 milhões de anos, enquanto outras são mais jovens. Essa variação mostra que o processo de "pintura" do fundo do mar aconteceu em vários capítulos da história da Elevação.

 

 

A geopolítica do oceano

Com um tesouro como a Elevação do Rio Grande repousando em águas até o momento internacionais, a pergunta que surge naturalmente é: quem tem direito a essa riqueza submersa?

Para o Brasil, a resposta é clara — essa montanha submarina faz parte de um território que o país busca garantir como seu.

O País não quer apenas proteger sua costa, mas também o vasto e rico "quintal" que se estende para dentro do oceano, uma área que carinhosamente chamamos de "Amazônia Azul".

A Marinha do Brasil, em parceria com agências e órgãos governamentais, coordena a implementação e o aperfeiçoamento do Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul, cuja missão é "monitorar e proteger, continuamente, as áreas marítimas de interesse e as águas interiores, seus recursos vivos e não vivos, seus portos, embarcações e infraestruturas(Foto: Marinha do Brasil)
Foto: Marinha do Brasil A Marinha do Brasil, em parceria com agências e órgãos governamentais, coordena a implementação e o aperfeiçoamento do Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul, cuja missão é "monitorar e proteger, continuamente, as áreas marítimas de interesse e as águas interiores, seus recursos vivos e não vivos, seus portos, embarcações e infraestruturas

Essa "Amazônia Azul" é um espaço marítimo gigantesco, de cerca de 5,7 milhões de quilômetros quadrados, que é de vital importância para o país.

É nela que estão nossos recursos marinhos, rotas comerciais e, agora, potenciais reservas de minerais e energia. Para ter controle sobre essa vastidão, o Brasil tem uma estratégia legal muito importante: pleitear a inclusão da Elevação do Rio Grande na Plataforma Continental Jurídica Brasileira (PCJB).

A Plataforma Continental Jurídica é como uma extensão invisível do nosso território terrestre sob o mar. Normalmente, um país tem direitos sobre o fundo do mar até 200 milhas náuticas (aprox. 370 quilômetros) de sua costa.

No entanto, se um país consegue provar que seu continente se estende naturalmente para debaixo d'água, ele pode pedir para que essa área seja reconhecida como sua, indo além das 200 milhas.

Plataforma Continental Brasileira e os minérios encontrados na região (Foto: Marinha do Brasil)
Foto: Marinha do Brasil Plataforma Continental Brasileira e os minérios encontrados na região

É exatamente isso que o Brasil tem feito com a Elevação do Rio Grande. Com muitos anos de pesquisa e expedições científicas, como o Programa Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (Leplac), o País tem coletado dados que mostram que a Elevação do Rio Grande pode ser uma continuação geológica natural do nosso continente.

É como se a "raiz" da nossa terra firme se estendesse até lá embaixo. Esses estudos, que duraram mais de uma década, reforçam a ideia de que a Elevação tem características de rochas continentais, solidificando o argumento brasileiro de que ela merece ser parte do nosso domínio.

Se a Comissão dos Limites da ONU — uma espécie de tribunal internacional para essas questões marítimas — aceitar a solicitação brasileira, mesmo que a definição legal final ainda demore, isso significaria que o Brasil teria soberania sobre o leito e o subsolo marinhos da Elevação do Rio Grande.

Traduzindo: o Brasil teria o direito exclusivo de explorar e aproveitar todos os recursos naturais que ali existem, desde os minerais valiosos que cobrem as rochas até um possível petróleo ou gás natural escondido nas camadas de sedimento.

Por que isso é tão importante? Primeiro, é uma questão de segurança e defesa nacional. Proteger a "Amazônia Azul" e garantir a soberania sobre a Elevação do Rio Grande fortalece o Brasil no cenário global, permitindo que a Marinha monitore e controle essa vasta área com programas como o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz).

 


Segundo, é uma questão econômica. Ter acesso a esses minerais estratégicos e a potenciais jazidas de energia pode impulsionar nossa economia e garantir um futuro mais independente em termos de recursos.

E terceiro, mas não menos importante, é uma questão científica e geopolítica. O interesse internacional na Elevação do Rio Grande é enorme, com nações como Reino Unido, Rússia, Alemanha, China e Estados Unidos enviando suas próprias expedições.

Essa "corrida do ouro" subaquática mostra o quão valiosa e estratégica a Elevação é. Ao conquistar e defender sua soberania sobre essa área, o Brasil não apenas amplia sua base de recursos e projeta sua influência no Atlântico Sul, mas também reafirma sua posição como uma nação de destaque na pesquisa e exploração dos oceanos.

 

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