Os advogados do ex-presidente Jair Bolsonaro, Celso Sanchez Vilardi e Paulo Bueno, compartilharam o tempo de defesa naquele 3 de setembro de 2025. Diante dos cinco ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, o primeiro chegou a admitir lidar com um processo “muito complicado”: tomado de “carga” por uma parte da população, que “condena sem conhecer os autos”.
De fato, o processo é histórico e muito difícil, especialmente para a defesa. Pela primeira vez, um ex-presidente brasileiro vai a julgamento por tentativa de golpe de Estado contra a própria nação a qual esteve à frente.
Junto desta, outras quatro acusações: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
O caso é sério e todas as partes têm ciência disso. Quaisquer provas consideradas ou contestadas precisam ser tomadas com cuidado e, assim, resumiram-se os argumentos de cada parte, no que diz respeito à participação de Bolsonaro na trama golpista: enquanto uma acusa o ex-presidente de ser “o cabeça de tudo”, a outra diz que sequer é possível relacioná-lo a atos que realmente configurem “tentativa” de golpe.
Os argumentos da acusação e da defesa que circulam Bolsonaro
A acusação considerou uma linha narrativa de questionamentos às instituições de poder, ao sistema eletrônico de votação e um aparelhamento do Estado que teria levado a incitações destas ideias à população. Foi criado, segundo a Procuradoria Geral da República um clima “efervescente” e, nos próprios atos de apoiadores, “intervenção militar” era pedida explicitamente.
A eleição e o pós-pleito teriam ainda contado com planejamentos de ações cada vez mais violentas de atentado contra opositores de Bolsonaro e ministros do STF. O aparelhamento do Estado aumentou, com utilização da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para impedir eleitores de chegarem às urnas. A participação militar foi ordenada e, por fim, a tentativa resultou nos atos de 8 de janeiro de 2023.
A versão completa da PGR foi narrada em reportagem especial publicada pelo O POVO+. O material integra uma série sobre o julgamento histórico de tentativa de golpe.
A defesa, antes de qualquer coisa, reclama da condução do caso no Judiciário. Discordam do julgamento pela Primeira Turma, algo já superado nesta etapa do processo. Mantém, entretanto, críticas de “cerceamento”.
Segundo os advogados, não houve tempo hábil para a equipe conhecer a prova dos autos. Também reclamaram por terem sido proibidos de participar das audiências e dos interrogatórios dos denunciados de outros núcleos que não o primeiro, do qual Bolsonaro faz parte.
Os principais argumentos da defesa de Bolsonaro
Outra crítica central circula na delação premiada de Mauro Cid, cujos depoimentos são base para quase todo o processo. Em diversas partes da sustentação, os advogados retomam ao que Cid falou ou deixou de falar, reforçando que as provas deveriam ser desconsideradas por se tratar de uma fonte “que mentiu” diversas vezes.
Cid teria descumprido o acordo e as cautelares que lhe foram impostas de forma alternativa a sua prisão preventiva. Os advogados ainda trazem uma “confissão” do ex-ajudante de ordens, em perfil “fake” no Instagram, na qual ele que afirmou ter sido coagido a falar via “ameaças veladas”.
“Essa delação não é uma jabuticaba, como disse o advogado de Augusto Heleno. Ela é algo que não existe em lugar nenhum do mundo. Deve anular”, defendeu Celso Sanchez Vilardi.
Desconsiderado Cid, os demais argumentos tratam da falta de comprovação de “atos violentos” pelo ex-presidente. “Dizer que o crime de abolição do estado de direito começou com uma live sem violência é subverter o próprio código penal: consumação da violência que consuma o delito”, disse o advogado Celso.
Para a defesa, o caso teria “crescido”, com mais e mais oitivas com participantes do atentado, “para colocar o presidente na narrativa 8 de janeiro”.
Bolsonaro, pelo contrário, teria falado publicamente - como em 30 de dezembro de 2022 - que "nada justifica tentativa de ato terrorista" em Brasília. Sobre os acampamentos, os advogados relembraram falas do então presidente de “desestímulo”, além de dados de que os grupos estariam diminuindo conforme os meses da transição passavam.
A defesa considera que Bolsonaro determinou transição democrática para Lula. Citaram um episódio no qual o ministro da Defesa indicado, José Múcio, estava tendo dificuldade para entrar em contato com militares. Bolsonaro teria ajudado e intermediado o encontro.
Conforme a PGR, o golpe não se consumou por recusa de chefes militares, algo contestado pela defesa. O advogado Paulo Bueno argumentou que uma negação dos chefes do exército e aeronáutica não impediria Bolsonaro de seguir adiante com o suposto “golpe”, uma vez que ele tinha poder de substituir os titulares para outros “coniventes” ou declarar Estado de Sítio mesmo sem apoio total das forças armadas. Para o advogado, o presidente não agiu porque não o quis.
“Precisamos definir, em algum momento, qual o plano que o presidente tem que se defender. Ele foi acusado pela reunião do 7 de dezembro, quando não se consumou. Se não consumou porque o exército não respaldou, o que estava acontecendo em 15 de dezembro? Estamos falando de outra coisa”, disse, por fim, Celso Sanchez Vilardi, se referindo à data na qual o plano "Punhal Verde e Amarelo" seria executado.
Celso falou por cinquenta minutos e Paulo por dez. Os dois representavam um grupo de nove advogados, na segunda defesa do dia - a primeira foi do general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional do Brasil.
O primeiro advogado de Bolsonaro levou um encadernado com informações do processo e post-its em pontos específicos. Em certos momentos, alteou a voz e referiu-se diretamente a decisões anteriores de ministros do Supremo, como Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Já Paulo Bueno não trazia papéis consigo e fez um discurso mais “decorado” e sem grandes alterações vocais.
Ambos trouxeram em comum, no entanto, o chamamento por “justiça” diante da gravidade das acusações - a mesma estratégia retórica da acusação. A importância daquele momento, no qual qualquer decisão definiria não somente o passado, mas o futuro do Brasil.
Palavras como “respeito” e “credibilidade” foram repetidas algumas vezes. Os advogados reconheceram o papel dos magistrados ali presentes, algo notável em meio a um cenário de ataques ao Judiciário, especialmente ao STF.
Um tom mais incisivo surgiu apenas no final. Novamente reiterando a “estranheza” de alguns depoimentos ou argumentos da acusação, eles pediram uma decisão baseada “em provas contundentes e evidentes”. Caso contrário, advertiu Paulo Bueno levantando o indicador, o julgamento estará “inacabado”.
“Estará sempre submetido ao Tribunal do Povo, que certamente não poupará palavras em dizer: o que se está julgando aqui é um movimento político e não simplesmente uma liderança. Não podemos em hipótese alguma permitir que entendam que a esta corte ou a este juízo terá faltado atenção à gravidade deste caso”.
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